ARACAJU/SE, 25 de abril de 2024 , 9:16:39

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“O Senhor eleva os humildes”

Com estas palavras presentes no Magnificat, entoadas pela Virgem Maria quando de sua visita a sua prima Isabel, reflitamos acerca desta que é uma urgência, principalmente para os nossos dias, quando a vaidade, a soberba e a competitividade parecem sufocar, imperar ‘o’ e ‘sobre’ o coração humano.
Em primeiro lugar, valendo-nos do próprio vocábulo ‘humildade’ para um maior entendimento do que se trata, recorramos a etimologia do termo. A palavra ‘humildade’ tem sua origem no grego antigo. Notabiliza-se, porém, o seu uso no latim em sua proveniência de ‘humus’, que significa “terra”. Do seu radical também se geram outras palavras, como “homem” e “humanidade”. ‘Humus’ significa, primeiramente, “terra fértil” e “criatura nascida da terra”. E, com o sufixo ‘-ilde’, parece designar o ato de trabalhar a terra com os pés descalços, tal como era comum na antiguidade.
Encarar a humildade como virtude, como força, na vida espiritual cristã, é consequência de uma constante ciência acerca de si, contrastando-se com a grandiosidade de Deus, tal como fez Maria, principalmente, no Magnificat: “Minha alma glorifica ao Senhor, meu espírito exulta de alegria em Deus, meu Salvador, porque olhou para a humildade de sua serva” (Lc 1,46-48); ou mesmo o Centurião do Evangelho: “Senhor, eu não sou digno de que entres em minha casa. Dize uma só palavra e o meu empregado ficará curado” (Mt 8,8).
Maria, louvando Deus, reconhece-se humilde, pobre. O que não foi diferente àquele que se reconhece indigno de receber a visita de Jesus, ainda que este deseje curar, em pessoa, o criado enfermo daquele que lhe interpela no pedido. E Santo Agostinho, reconhecendo os valores do Evangelho naquele oficial romano, afirma: “Considerando-se como indigno apareceu como digno, não de que entrasse o Verbo nas paredes de sua casa, mas em seu coração. E não tivesse dito isso com tanta fé e humildade se não tivesse levado já em seu coração Àquele de quem temia que entrasse em sua casa, pois não seria grande felicidade se Jesus tivesse entrado em sua casa e não em seu peito” (Sermões, 62,1). Creio que desta atitude do Oficial romano se diferencia, por exemplo, daquela de Simão, o fariseu que convida o Senhor Jesus para a sua casa, para uma refeição, e, porque Jesus se deixa tocar pela mulher conhecida como pecadora, que lhe embalsama e chora aos pés, banhando-os e enxugando-os com os cabelos, pensa consigo: “Se este homem fosse profeta, bem saberia quem e qual é a mulher que o toca, pois é pecadora” (Lc 7,39).
A humildade é fruto do amor, de um sentimento nascido da fé, que gera a sinceridade. E à humildade sincera há a recompensa do Reino, pois como assevera Jesus no Sermão das Bem-Aventuranças: “Bem-aventurados os que têm um coração de pobre, porque deles é o Reino dos céus!” (Mt 5,3). O Oficial romano, em sua humildade, consciente de quem é e da nobreza de Jesus, é exaltado por Aquele que, antes, exaltara na dignidade: “Em verdade, vos digo: nunca encontrei em Israel alguém que tivesse tanta fé” (Mt 8,10). E não só ele é enlevado: mediante o elogio que este notável anônimo recebe, há um convite, para todos os cristãos, em ver a humildade, o caminho de fazer-se pequeno neste mundo diante de Deus, como caminho de engrandecimento na vida em Deus: “Eu vos digo, muitos virão do Oriente e do Ocidente, e se sentarão à mesa no Reino dos Céus, junto com Abraão, Isaac e Jacó” (Mt 8,11). Ao contrário: os que se iniciam em atitudes de soberba não terão outra recompensa senão a censura mesma do próprio Senhor, tal como aconteceu com Simão, o Fariseu: “Vês esta mulher? Entrei em tua casa e não me deste água para lavar os pés; mas esta, com as suas lágrimas, regou-me os pés e enxugou-os com os seus cabelos. Não me deste o ósculo; mas esta, desde que entrou, não cessou de beijar-me os pés. Não me ungiste a cabeça com óleo; mas esta, com perfume, ungiu-me os pés. Por isso te digo: seus numerosos pecados lhe foram perdoados, porque ela tem demonstrado muito amor. Mas ao que pouco se perdoa, pouco ama” (Lc 7,44-47).
Foi, portanto, pela soberba de Adão que o pecado entrou no mundo; e dele saiu pela humildade, pelo abaixamento de Cristo, o ‘Novo Adão’. Logo, para nós, cristãos, a humildade é uma prevenção, uma vigilância contra o pecado; uma correspondência a ação humilde do próprio Senhor. O caminho da humildade é o da pequenez. E, se quisermos entrar no mistério divino, Nosso Senhor, em tom de oração ao Pai, exultando no Espírito Santo, inspira-nos a ousar na valente ventura de ser pequeno, porque é para este [para o pequeno, para o humilde] que Deus se desvela e se revela, tornando-se íntimo: “Pai, Senhor do céu e da terra, eu te dou graças porque escondeste estas coisas aos sábios e inteligentes e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, bendigo-te porque assim foi do teu agrado” (Lc 10,21).