ARACAJU/SE, 18 de abril de 2024 , 1:42:50

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O silêncio do Atheneu

Fui aluna do Atheneu no final dos anos sessenta. Tive ali a primeira escola pública e mista, que me proporcionou, mesmo em tempos de ditadura, incrível sensação de liberdade e de autonomia. Mais tarde, já licenciada em História, integrei por pouco tempo o seu corpo docente, o suficiente para avivar minha gratidão ao colégio e aumentar as minhas saudades.
Da importância do Atheneu, muito já se falou. Livros, exposições e um providencial Centro de Memória do Atheneu Sergipense (CEMAS), mantido persistentemente, por iniciativa da Universidade Federal de Sergipe – através da liderança da Profa. Eva Siqueira Alves – atesta o que representa para Sergipe o Colégio, em quase um século e meio de existência.
Ex-alunos anualmente confraternizam a emoção do reencontro com o Colégio e com os colegas, mantendo acesa a chama da memória. Mas pelo terceiro ano consecutivo, a festa dos ex-alunos não acontecerá no Atheneu, pois o prédio está fechado à espera de uma reforma que se tornou inadiável. A degradação de elementos como a cobertura do prédio, obrigou a transferência das atividades, ainda antes que fossem disponibilizados os recursos necessários e que fossem resolvidos os trâmites para a realização da obra.
Enquanto isso, o Atheneu vai se ausentando da cidade que o viu nascer quase junto com ela. Aracaju tinha apenas quinze anos quando recebeu na sua fisionomia urbana o primeiro prédio do Colégio. É verdade que a escola teve que se acomodar em outros prédios, para absorver mais alunos, até que, há quase setenta anos, a atual sede se inaugurou. Na sua grandeza e imponência, ela assinalou definitivamente uma quadra inteira do Bairro São José, deu-lhe um teatro e encheu-o de movimento, com a presença dos estudantes nas ruas, e com as diversas manifestações que ele produziu.
Agora, aquele lugar da cidade está entregue ao silêncio. O prédio fechado, sem as presenças e a rotina cotidianas, mergulhou nas sombras, fadado à ação do tempo. E como casa vazia degrada rapidamente, ficou exposto ao vandalismo: a enorme estrutura convida erráticos habitantes ao convívio com o seu vazio e com as suas sombras. Apenas o arquivo corrente e o Centro de Memória resistem, acuados pelo silêncio. O Teatro, hoje independente, sofre claramente os efeitos da situação do colégio.
Assim, o prédio do Atheneu vai se tornando invisível à cidade, porque já não a orna, não a mobiliza, não a movimenta. Já não é um espaço dinâmico, referência material de saber, de vida, de conquistas, lugar de lembranças que orgulham e símbolo de futuro para os atuais estudantes, transferidos para outros espaços. Muitos deles sairão sem qualquer ligação com aquele lugar referencial. No futuro, serão apenas ex-alunos “expatriados” do Atheneu.
A invisibilidade é parceira da ausência e da tristeza. Os passantes se acostumam à imobilidade de cemitério que tem um prédio desocupado; aos poucos, seu espaço vai esmaecendo na memória, pois um prédio decadente enfeia a paisagem, incomoda e vai perdendo significados. O espaço “morto” passa a representar apenas perigo – para a saúde e a segurança dos vizinhos.
No entanto, o Atheneu é um ícone de Sergipe. Nasceu no ano do jubileu da nossa emancipação política, em 1870. Carregado de simbologia, inaugurou a busca da emancipação intelectual, a mais difícil, a mais longínqua emancipação e foi um marco de excelência, antes que tivéssemos os primeiros cursos superiores e um século antes da nossa primeira universidade. Seu corpo docente reuniu professores afamados e formou estudantes precursores. Que colégio não se orgulharia de ter tido como alunos, João Ribeiro, Felisbelo Freire, Manoel Bomfim, Gilberto Amado, Jackson de Figueiredo, Clodomir Silva, Manoel dos Passos de Oliveira Teles e tantos outros que qualificaram a participação sergipana no cenário nacional?
Sempre passo pelo Colégio, na expectativa de algum sinal de que ele vai voltar à vida. O início da obra, a previsão de reabertura, alguma coisa que apague a situação de aparente abandono e que me acalente o sonho de que um dia possamos ter uma política de manutenção regular dos prédios das escolas públicas. Esta, além de ser a verdadeira medida eficaz e educadora contra o vandalismo, elimina a contingência de termos que utilizar os prédios escolares até o último limite, obrigando a interrupção do seu funcionamento. Que viva o Atheneu!