Padre Everson Fontes Fonseca,
Administrador da Paróquia Nossa Senhora da Conceição, Mosqueiro.
Se, na semana passada, falávamos dos “porquês” da Ascensão do Senhor, hoje, na Solenidade de Pentecostes, na vivência do quinquagésimo dia da Páscoa, refletiremos acerca das “motivações” da descida do Espírito Santo no Cenáculo de Jerusalém sobre os Apóstolos e Maria, sobre a Igreja nascente, tal como Jesus havia prometido ao longo de Sua vida pública. Ajudar-nos-á nesta feita, o grande Padre da Igreja, São Cirilo de Jerusalém, Bispo que viveu no século V de nossa Era Cristã.
No recorte do seu Comentário ao Evangelho de João, São Cirilo vai afirmar que a embaixada do Espírito Santo se deu para incutir no cristão a consciência de uma vida nova, fazendo-nos partícipes da intimidade da vida intratrinitária, e, portanto, divina: “Cristo tinha cumprido a sua missão sobre a terra, e para nós havia chegado o momento de entrarmos em comunhão com a natureza divina do Verbo. Era preciso que a nossa vida anterior fosse transformada em outra diferente, começando um novo estilo de vida em santidade. Ora, isto só podia ser realizado pela participação do Espírito Santo”.
Mas, por que o Espírito Santo só nos vem quando da ausência de Jesus? É interessante notar que, segundo os relatos de São Lucas – o seu Evangelho e os Atos dos Apóstolos –, a descida do Espírito Santo só acontece quando da Ascensão: daí a Igreja, na cronologia de seu calendário litúrgico, fazer justiça ao nome ‘Pentecostes’ (do grego: cinquenta dias), dez dias após a Ascensão do Senhor. Entretanto, teologicamente, São João porá o envio do Espírito Santo no momento em que o Senhor se afasta da humanidade, na ‘ascensão’ à cruz, quando o Evangelista dirá, enfaticamente: “Havendo Jesus tomado do vinagre, disse: Tudo está consumado. Inclinou a cabeça e entregou o espírito” (Jo 19,30). Entregar no sentido de soprar, remetendo-nos, inclusive, à nova criação. Ou mesmo a sutil ponte que existe entre essa passagem e o que fez e disse Jesus na manhã de Páscoa aos Apóstolos: “[…] soprou sobre eles dizendo-lhes: Recebei o Espírito Santo” (Jo 20,22). E São Cirilo: “O tempo mais oportuno para o envio do Espírito Santo e sua descida sobre nós foi o que se seguiu à ascensão de Cristo nosso Salvador. De fato, enquanto Cristo vivia visivelmente entre os seus fiéis, ele mesmo, segundo julgo, dispensava-lhes todos os bens. Mas quando chegou o momento estabelecido para subir ao Pai celeste, era necessário que ele continuasse presente no meio de seus fiéis por meio do Espírito e habitasse pela fé em nossos corações, a fim de que pudéssemos clamar com toda confiança: ‘Aba – ó Pai!’ (Rm 8,15)”.
O Espírito Santo, presença do Pai e do Filho em nossos corações, também é força de Deus para nós; é ânimo. Daí, em hebraico ser denominado ruah, sopro, vento, que, suave e simultaneamente impetuoso, tudo cria, renova, transforma, converte ‘em’ e ‘para’ Deus (cf. Jo 20,22-23). “Vês como o Espírito transforma noutra imagem aqueles em quem habita? Facilmente ele os faz passar do amor das coisas terrenas à esperança das realidades celestes, e do temor e da indecisão à firme e generosa fortaleza de alma. Foi o que sucedeu com os discípulos: animados e fortalecidos pelo espírito, nunca mais se deixaram intimidar pelos seus perseguidores, permanecendo inseparavelmente unidos e fiéis ao amor de Cristo”, ensina-nos o Santo Bispo de Jerusalém.
Que a familiaridade com o Espírito Santo, nutrida desde o nosso Batismo (intensificada com a Crisma), nos faça acolher, em profundidade, os Seus dons derramados constantemente na Santa Igreja, e, a partir dela, em nossas almas. Amém!