ARACAJU/SE, 23 de abril de 2024 , 21:57:14

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Como anda a cultura no estado dois anos depois da Aldir Blanc

A Lei federal Aldir Blanc está prestes a completar dois anos da entrada em vigor. A legislatura veio num momento em que artistas do país inteiro clamavam por apoio financeiro, para enfrentar as dificuldades durante a pandemia mundial da Covid-19. Expressões artísticas normalmente precisam de ambientes externos para se manifestar. Porém, as medidas de isolamento social vieram de encontro a esse processo criativo e a categoria ficou sem público para comercializar sua arte. A Aldir Blanc teve três momentos: no primeiro, pagou-se o auxílio emergencial a todos os artistas que solicitaram; depois, os espaços culturais foram beneficiados e, por fim, os projetos inscritos selecionados receberam o repasse enviado pelo Governo Federal aos estados, somente para fomentar a produção artística. Sergipe recebeu mais de R$ 20 milhões para este fim. O valor do pagamento dos projetos vencedores mudava de acordo com a categoria que estivesse concorrendo. Havia prêmio desde R$ 3000 a R$ 100 mil, a depender da obra desenvolvida. A Lei sofreu duras críticas Brasil à fora pela forma complexa que munícipios escolheram de fazer o repasse – através de editais –, mas a diretora-presidente da Fundação de Cultura e Arte Aperipê de Sergipe (FUNCAP-SE), Conceição Vieira, celebra os resultados obtidos por aqui. Confira a conversa:

Correio de Sergipe: Em que pé andam os projetos contemplados pela Aldir Blanc? Quais categorias artísticas foram contempladas nesses dois anos da Lei em vigor?

Conceição Vieira: Estamos na fase de prestação de contas. Venceu a fase do artista apresentar a contrapartida dele e agora é a nossa prestação de contas para o ministério, via demonstração do que eles executaram. Já estamos concluindo. As linguagens foram as mais variadas, porque em Sergipe nós não trabalhamos apenas o artista do palco, nem o escritor de livro, nem o escultor, nem o pintor. Nós contemplamos também os que estão nos bastidores. Passou pela maquiadora, pelo carro do som, enfim, todo mundo que estava na técnica também pôde ser contemplado. Foi a maneira que encontramos de democratizar, oferecendo condições para que o artista e a artista atravessassem esse período de pandemia. Estamos entre os estados que melhor realizou essa tarefa. Tem estados próximos a nós, que só começaram a atender 60%, 70% dos recursos, e nós praticamente a totalidade, porque, claro que fica uma fração boba de 100 mil ou 50 mil, que é do encontro de contas, de quem não apresentou e de quem devolveu o recurso.

 

CS: Quantos projetos receberam os recursos e em quais categorias?

CV: Foram mais de 1700. Se contar projetos para apresentações, acho que foram 1726. Mas, fora isso, houver pessoas contempladas com o auxílio emergencial. Então, nós passamos de 2 mil artistas de Sergipe, contemplados ou com o auxílio emergencial, ou apresentando produtos da sua arte.

 

CS: Os resultados culturais propriamente dito, quais foram?

CV: Artistas que não tinham uma visibilidade tão grande ou não eram conhecidos no estado inteiro foram propagados, até para além do estado, porque, praticamente todos, nós veiculamos pela TV Aperipê, também nas redes sociais, no canal do YouTube, do próprio artista e da instituição do órgão. Então, a visibilidade é muito grande. Quem já tinha nome se consagrou mais ainda, e os que estavam iniciando, com no mínimo dois anos de carreira, porque precisaria ter dois anos de produção, nós demos esse pontapé inicial para a arte deles. Na literatura foi um negócio monstruoso a quantidade de obras escritas, mais de 100; nos painéis, 3, 4 metros; diversas esculturas disponibilizadas em espaços como a orla de Aracaju, o interior do estado, a exemplo do Lagarto, Itabaiana e Capela. Também destacamos os shows, via live e presenciais, também o teatro, com muita dança, enfim, todas as linguagens foram contempladas, do audiovisual às artes plásticas. Foi muita coisa produzida, e hoje temos material para fazer várias exposições no estado, pois são mais de 600 obras. Os espaços culturais foram abertos e a exposição rotativa, nós estamos fazendo praticamente rotatividade uma vez de mês a mês. Três pessoas estão expondo esse mês, no próximo mês, outras três, no outro mês, outras três. Isso no Corredor Cultural Wellington Santos “Imão”, na sede da Funcap, Rua Vila Cristina; na Galeria J. Inácio, e em espaços que são também oferecidos, como em escolas. E, tirando isso, o Teatro Atheneu foi muito utilizado, o Centro de Criatividade, o Gonzagão, todos nossos espaços culturais. O resultado foi que nós consolidamos a maior política de cultura da história de Sergipe, são mais de 24,5 milhões aplicados verdadeiramente na mudança de vida do artista sergipano. É uma história maravilhosa que essa gestão do governador Belivaldo Chagas, e da nossa gestão na FUNCAP, procuramos com nossa equipe, muito determinada, muito aguerrida, pequena, mas muito trabalhadora, deixar para a posteridade.

 

CS: Com o auxílio emergencial, a classe artística do estado conseguiu suprimir as dificuldades deixadas pelo distanciamento social, em razão da Covid-19?

CV: Esse recurso chegou a pouco mais de R$ 3.000, para receber todas as parcelas, mas essa pessoa também poderia concorrer. Ela recebeu especial e depois pôde concorrer mostrando sua arte, concorrendo aos editais em uma das linguagens que ele trabalha. Acho que deu realmente para suprir. Nós pagamos premiações iniciais, tirando essas do emergencial, produção mesmo, pagamos de R$ 3.000, quem menos ganhou, a R$ 100.000, a exemplo de esculturas daquelas que tem na Orla da Atalaia e do Centro de Criatividade. Foi uma produção gigantesca, que deu um fôlego, na verdade, para a vida do artista e da artista sergipana.

 

CS: As pessoas estão voltando a frequentar locais públicos. Como está o calendário de eventos para este ano?

CV: Estamos com fila de pessoas. Temos reserva para o Teatro Tobias Barreto e o Atheneu para 2022, também novembro de 2023. É como se as pessoas tivessem se reprimido esse tempo inteiro, em que não podia se encontrar, não podia vibrar, não podia se emocionar, não podia abraçar, não podia se expressar, através da arte e de eventos, pois nem tudo é só atividade artística, tem atividade de formação, tem formaturas, tem congressos, muitos congressos nacionais vindo também para aqui. Estamos com demanda altíssima para nossas casas de espetáculo.

 

CS: Em muitos estados foi um desafio alcançar agentes culturais historicamente pouco relacionados com políticas públicas. O que Sergipe fez para contornar esse gargalo?

CV: Primeiro organizamos o sistema: como identificar os artistas e como repassar o recurso. Nós criamos o Mapa da Cultura do Estado de Sergipe, por município. Hoje todos os municípios têm os seus artistas cadastrados. Pouquíssimos estão fora. Só quem não quis mesmo fazer, mas está aberto para continuar fazendo, e tem equipe à disposição, na Funcap, para assessorar, para ajudar, para orientar. Viabilizamos o mapa. Lá tem a obra, a arte via portfólio. Tem a inscrição das pessoas com seus documentos pessoais. Se alguém acessar o Mapa de Sergipe e abrir, por exemplo, Carira, José dos Santos vai entrar no mapa e encontrar qual é a linguagem que ele expressa na sua arte, onde ele mora, se é casado, se tem filho, o que produziu, quanto tempo tem de atividade profissional. Enfim, essa é uma riqueza muito grande, poder oferecer aos municípios que fizeram uma parceria conosco, quem assinou um termo de compromisso, nós disponibilizamos esse instrumento. Consideramos isso maravilhoso, porque Sergipe, pouca gente sabe, é o menor estado da federação em território, contudo, tem a maior diversidade, o maior número de linguagens distintas da cultura no país. Aqui a gente tem mais de 20 diferentes. Precisamos deixar viva essa mensagem para o povo brasileiro de fortalecimento da identidade cultural. Acho que esse trabalho nosso nesses últimos anos, com a Lei Aldir Blanc II, também fortalece isso, já que deu visibilidade à cultura sergipana, da arte popular, à arte erudita. Para mim, tudo é arte, tudo leva ao mesmo lugar. Tudo leva a mostrar a capacidade produtiva e realizadora da pessoa humana. Não importa se é com algo que se chama folclore ou se é com algo que se chama acadêmico, o que importa é que produziu e que ali vai a expressão da gente sergipana. Esse fortalecimento da identidade é muito forte. Sem falar nesse viés que temos aqui em Sergipe da veiculação via sistema de comunicação pública, tudo o que é produzido e veiculado na TV Aperipê. Isso foi uma experiência que o governador quis apostar no início dessa gestão. Assumimos meio preocupados se daria certo. No início, houve reação por parte de quem estava na cultura, de quem está na comunicação, na Aperipê, a cultura achando que perdeu espaço, a secretaria, quem estava na Aperipê achando que não seria prioridade porque se juntaria com a cultura, e ainda tem a parte do patrimônio, tudo isso junto em um órgão só, potencializado, dado visibilidade. Vemos que deu certo. Foi algo que organizou o sistema. A gente coordena a produção e dá visibilidade para vender, para as pessoas conhecerem, divulgar, passar para outros estados, passar para fora do país, fazer perpetuar a nossa cultura e ter programação própria, porque nós temos a programação da TV Cultura em cadeia nacional, mas Sergipe é uma das televisões, por exemplo, e rádios que têm mais programação própria, principalmente a televisão, que é ela quem é ligada à TV Cultura, e é mais fácil de a gente avaliar.

 

CS: O interior do estado enfrentou a mesma dificuldade, em relação ao alcance da notícia do direito ao benefício. Como vocês sanaram este problema?

CV: Buscamos a parceria com os municípios, fizemos busca ativa de artistas. Fomos atrás do artista. Demos uma conferência e várias reuniões sistematizadas com todos os municípios por território, e às vezes todos os municípios juntos, para que as pessoas soubessem lá na ponta, no povoado mais distante, o que estava acontecendo, que ela tinha o direito das comunidades quilombolas, os povos de terreiros, enfim, nós chegamos a todo mundo. Utilizando esses métodos e meios de comunicação, presença efetiva física, meio de comunicação digital, meio de comunicação de rádio, TV, a parceria com os municípios, enfim, formamos uma cadeia forte. Estamos aguardando a derrubada do veto para promulgação do Congresso para a gente começar a operacionalização de recursos da Lei Paulo Gustavo.

 

CS: Para fazer essa busca ativa presumo que precisaram mapear regiões e categorias artísticas do estado. Onde a implementação da Aldir Blanc foi eficiente, há um estudo?

CV: Temos um estudo, porque acompanhamos muitos municípios. Pedimos que os prefeitos abraçassem a causa e pegassem os recursos, que são destinados para eles, a operacionalização era deles. Sabemos quais municípios se destacaram, sabemos aqueles que ficaram resistentes e precisaram um pouco da voz do Estado, dizendo da importância de que a gente ajudaria. Existem aqueles que ficaram preocupados com o período eleitoral nos municípios, achando que podia complicar a vida deles. Vimos quem realmente abraçava logo a causa e quem teve uma resistência. E uns dois no final, mesmo assim, daí repassar os recursos do Estado para o Fundo Estadual de Cultura, que é outro parceiro muito grande para essa realização. E o normal era a gente executar depois que eles passaram de volta para o Fundo de Cultura, mas nós insistimos em mandar de volta o recurso para os municípios. Somente dois não realizaram e nós tivemos que operacionalizar lá na ponta, no território desse município, daquele município a e b. Tivemos que fazer o investimento diretamente Estado-povo, dentro desse município.

 

CS: Para encerrar, alguma programação nos próximos dias?

CV: A FUNCAP não para, é uma coisa impressionante. Já estamos nos preparativos para o nosso Encontro Nordestino de Cultura. O povo sergipano e o turista aguardem, pois vem aí coisa forte, muita liga, com muitas interfaces e com os diferentes segmentos. Teremos lançamento de um fórum no começo do mês de junho, o Fórum Nacional do Forró, em que homenagearemos, contaremos a vida, com a presença dos artistas, um sergipano e um nacional. Breve a gente diz, fiquem ligados! Vai ter o dia de lançar essa programação toda, com a presença do governador, o lançamento do encontro nordestino, que é nesse dia que a gente fala. Existirá ainda concurso de quadrilha, no Gonzagão, três dias, concurso de quadrilha no Centro de Criatividade, três dias, e, na orla, o Arraiá da Clemilda, onde o pessoal dança coladinho, dança separado, dança em dois, dança em roda, dança sozinho, dança geral. E tem o palco principal que será “Paulinha Abelha”. Só vou dizer isso. Ela é uma artista consagrada, sergipana, de Simão Dias, consagrado nacionalmente, que deixou a vida terrena tão jovem ainda, lutou muito, passou muitos dias tentando, mas Deus chamou, e ela segue inspirando os artistas que se apresentarão do dia 22 até o dia 29, na orla de Sergipe. Inspirando os nossos quadrilheiros, dando aquela energia que ela tinha para que a gente faça um encontro nordestino de paz, realização, de alegria e de amenizar o sofrimento que passa a gente sergipana e brasileira no pós pandemia. Então, precisamos trabalhar o emocional, precisamos trabalhar as nossas relações e começar a se aproximar das pessoas já fisicamente. E essa oportunidade será muito boa. Vem aí o nosso Encontro de Cultura.

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