ARACAJU/SE, 19 de abril de 2024 , 6:49:50

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Especialista fala sobre sinais e sobre prevenção ao suicídio

Desde 2015 o Brasil promove no mês de setembro a campanha de prevenção ao suicídio – o Setembro Amarelo. A pandemia da Covid-19 redobrou todos os alertas para os cuidados com comportamentos de risco e com a saúde mental. O isolamento social, segundo especialistas, contribuiu para a instauração ou agravamento de sintomas de depressão e ansiedade.  O psicólogo Bruno Madureira conversou com a reportagem do Correio de Sergipe (CS) sobre o tema. Ele trouxe dados atuais da Organização Mundial de Saúde e deu instruções de como notar se alguém pensa em cometer suicídio, para oferecer ajuda. Só no Brasil, cerca de 32 pessoas por dia tiram a própria vida, informou o psicólogo.  Confira a conversa completa:

Correio de Sergipe: Estamos na campanha do Setembro Amarelo. Quais os dados atualizados de casos de suicídio no Brasil e no mundo?
Bruno Madureira: Os últimos dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) de 2019 registraram mais de 700 mil óbitos por suicídio. Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2021, divulgado em julho pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, revelam que o número de suicídios no Brasil em 2020 foi de 12.895. Ou seja,  só no Brasil são cerca de 32 pessoas por dia.

CS: Você deu uma declaração que está preocupado com o pós-pandemia. Por quê?
BM: Porque por muito tempo a sociedade voltou sua atenção para tantas realidades físicas e se esqueceu da saúde mental. Quando cuidamos da nossa saúde mental, estamos cuidando da nossa saúde. Não existe saúde sem saúde mental. Então, com a pandemia foi necessário permanecer em casa para evitar a proliferação do vírus, e consequentemente diversos sentimentos vieram à tona, como a solidão, a insegurança, o medo do desconhecido. Muitas pessoas ficaram ainda mais ansiosas.

CS: Então podemos esperar uma epidemia de depressão e ansiedade?
BM:
A epidemia que me refiro no pós-Covid é justamente a epidemia na saúde mental. Por muitos anos não se deu atenção a essa situação, que é muito grave e importante. Muitos psiquiatras ficaram preocupados nesse período do coronavírus porque muitas pessoas não tinham familiares e ficaram isoladas sozinhas.
Paralelo a essa epidemia de solidão tem a epidemia da saúde mental, porque muitas pessoas ainda não valorizam e não cuidam da própria saúde mental. A pandemia que trouxe o vírus, trouxe a sequela, que é a epidemia da saúde mental. A falta de cuidado e atenção para os comportamentos, para as emoções pode desencadear alguns transtornos, como ansiedade, depressão, fobia e tantas outras coisas que esse não-cuidado com a saúde mental pode gerar.

CS: Que sinais uma pessoa dá quando pensa em suicídio?
BM: Ficar atento aos sinais é o fundamental. Importante lembrar que [os sinais] podem variar de pessoa para pessoa, mas a mudança de comportamento seria o principal sinal. Algumas frases de alerta, como: “preferia estar morto”, “não sei para que nasci”,  “minha vida não faz sentido”, “a vida não vale a pena”, “estou tão sozinho que queria morrer”. Isolamento (deixa de sair de casa), desinteresse (perde o interesse em fazer atividades que gosta), alteração no sono (algumas tem insônia ou dorme demais), agressividade são outros sinais.

CS: Como ajudar?
BM: Ouvir atentamente, acolher o que o outro diz, não fazer julgamentos, não fazer perguntas invasivas ou indiscretas, expressar respeito pela opinião e valores das pessoas, eduque e mostre onde pedir ajuda, mostre que se importa com a pessoa, mostre que existem caminhos em vida, que o suicídio não é a solução, oriente a ligar para o Centro de Valorização da Vida (CVV) pelo número 188, onde receberá um apoio emocional e, principalmente, incentivar a procurar ajuda profissional.

CS: Você participou do ‘Setembro Amarelo em Rede’, da Secretaria de Educação. Por que escolheu os estudantes como público?
BM: No ambiente escolar é comum se deparar com diversas situações que podem acabar influenciando, por exemplo, o bullying, a alta incidência de autolesão entre os estudantes (é a tentativa de transferir uma dor interna para uma dor externa), entre outras situações. Então é preciso preparar toda comunidade escolar – professores, coordenação escolar, equipe pedagógica, família – para essas realidades que estão presente em todas as escolas.

CS: Muito se ouve em prevenção, mas o que é posvenção de suicídio?
BM: A posvenção é todo cuidado e atenção que é dado aos sobreviventes após o suicídio. Sobreviventes são familiares e amigos que perderam alguém para o suicídio. Algumas pesquisas mostram a importância de cuidar desses familiares, para que outros casos não aconteçam. Após um suicídio, o sentimento de culpa e outros sentimentos passam a fazer parte [da vida dos sobreviventes]. Então, a posvenção volta a atenção para essas realidades.

CS: Tem alguma faixa etária com maior potencial? Por quê?
BM: Vale lembrar que o suicídio acontece em todas as faixas etárias, mas gostaria de pontuar duas faixas etárias que requer nossa atenção: a primeira de 15 a 19 anos, nessa faixa etária o suicídio é a segunda maior causa de morte. Isso se dá porque muitas vezes o jovem não consegue expressar aquilo que está passando. Para muitas pessoas, o jovem é preguiçoso ou quer chamar atenção. A segunda é em idosos. Nos últimos 20 anos houve um aumento de 200%. Foi a faixa etária que mais cresceu. Com relação aos idosos, a dimensão familiar influencia, mas também o fato de achar que está incomodando, que está dando trabalho, não se sentir pertencente à família.

CS: Numa busca rápida na internet aparecem muitos artistas que tiraram a própria vida. Você acredita na relação profissional com o suicídio?
BM: Quando uma pessoa está passando por um processo depressivo, a dimensão emocional faz com que ela não enxergue as outras possibilidades que existem e que desistir não é a solução. Na dimensão profissional, muitos artistas acabam não sabendo lidar com as críticas (seja da aparência física, a orientação sexual, a dimensão profissional), com a pressão (seja de si próprio ou daqueles que estão próximo), a busca incessante para ter uma vida perfeita. Então todas essas situações podem influenciar no adoecimento mental dos artistas. Por isso a importância de cuidar da saúde mental.

CS: Em sua experiência clínica, o que você nota que estimula o suicídio?
BM: O suicídio é multifatorial e complexo, nunca é por uma única causa ou razão. Resulta de uma complexa interação de fatores biológicos, genéticos, psicológicos, sociais, culturais e ambientais.

CS: Como abordar a família, caso um paciente apresente comportamento de risco?
BM: O código de ética do profissional de Psicologia é bastante rigoroso quanto a não quebrar o sigilo do que é dito pelo paciente em consultório. Porém, quando há um comportamento que coloca em risco a vida do paciente, nós somos orientados a conversar com a família. A gente jamais vai dizer as causas, os acontecimentos, digamos assim. Mas precisamos acessar a rede de apoio, que são essas pessoas que vão dar o suporte para essa pessoa que está passando por um momento difícil. Acessamos essa rede para que essa família possa ficar atenta aos sinais e comportamentos. Esse trabalho alia profissionais de psicologia, psiquiatria e a família, para que essa pessoa possa viver bem. A rede de apoio, que a gente, chama não precisa necessariamente ser a família. Pode ser alguém de confiança do paciente. Tem que ser alguém de referência ou que traga alguma realidade para a vida dessa pessoa. A gente acessa essa rede de apoio para que tenha esse cuidado. Num processo depressivo, a pessoa se sente sozinha, como disse anteriormente. Ela cega emocionalmente. Não consegue enxergar que tem outras possibilidades, que tem outra saída. Quando ela sabe que tem alguém que está ali com ela, que ela não está sozinha, faz muita diferença. A importância de abordar a família é justamente para isso, para que essa rede de apoio possa observar e também ajudar essa pessoa que está passando por uma realidade difícil.

CS: Religião ajuda?
BM: Muitas pesquisas já comprovam que a religiosidade é um fator de proteção importante.

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