ARACAJU/SE, 19 de abril de 2024 , 2:30:28

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A cor da pele não pode ser critério de sucesso

Novembro é o mês dedicado à Consciência Negra, tendo o dia 20 o seu auge como homenagem a Zumbi dos Palmares, negro escravizado que lutou para que outros negros não desistissem da sua dignidade.

Hoje, do meu lugar de fala, como homem preto, apesar de pardo, descendente de escravos, filho de marceneiro e de uma servidora estadual de serviços básicos, que conseguiu estudar a vida inteira em escolas públicas, da alfabetização ao mestrado, juiz de direito após um concurso público de provas e títulos, professor universitário, autor de livros de direito e de literatura, posso dizer que não foi fácil, e nunca será.

O nosso país, apesar do esforço de muitos em defender uma “democracia racial” em nome da cordialidade do brasileiro, continua racista em suas estruturas sociais e econômicas. Basta um olhar rápido numa sala de aula de um curso de medicina, seja pública ou privada, quantos pretos estão presentes? Ou, então, em um tribunal do Poder Judiciário de qualquer ramo, quantos pretos existem como ministros ou desembargadores? Pensem em um conselho de administração de uma grande empresa, quantos pretos têm assento? E outros espaços de poder, a exemplo do legislativo e do executivo municipal, estadual e federal.

No entanto, se olharmos para o entorno das cidades, onde não existe saneamento básico, não tem escolas, postos de saúde, áreas de lazer, vamos encontrar uma grande concentração de pretos. E para estes, sempre tem perto uma Delegacia de Polícia.

Caso o nosso olhar seja voltado para o sistema penitenciário vamos constatar que mais de 80% dos que lá se encontram são negros ou pardos, ou seja, todos pretos. Não é diferente nas Casas de Internação de jovens e adolescentes.

No Brasil, a possibilidade de um jovem negro ser vítima fatal de violência é o dobro do que se fosse branco e da periferia. As abordagens policiais são seletivas no caso de pessoas pretas e são mais violentas. O reconhecimento de pretos por fotografia nas delegacias tornou-se algo tão grave que o Superior Tribunal de Justiça já decidiu pela anulação de processos criminais e prisões que tinha essa única prova da autoria.

O Brasil foi o último país das Américas a acabar com a escravidão sob o protesto de sua elite econômica e até mesmo de intelectuais conservadores e de membros da igreja. Mesmo assim o Estado brasileiro relegou aos ex-escravizados o infortúnio da falta de emprego e renda, da falta de moradia digna (o que levou ao surgimento das favelas nos morros cariocas e os bairros periféricos das outras cidades), da falta de assistência à saúde, entre outras faltas. E até hoje parece que a nossa sociedade ainda não percebeu o débito enorme com esses desvalidos.

O discurso da meritocracia é enganador numa sociedade injusta e desigual como a nossa, e ainda que, pretos como eu, tenham alcançado um outro nível intelectual e social, a discriminação e o preconceito continuam nas entrelinhas e nos limites das novas casas grandes.

O privilégio de ser branco e de origem social dominante ainda é critério para subir na vida. Por isso, a cor da pele não pode ser critério de sucesso, pois só escancara o racismo estrutural que existe no Brasil.