ARACAJU/SE, 19 de abril de 2024 , 1:14:50

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A oração humilde e sincera

Folheando a Escritura Sagrada, vejamos mais uma parábola contada por Jesus no Evangelho de Lucas (cf. 18,9-14); mais um ensinamento para a nossa vida de salvação. A lição do publicano, apresentada pelo Senhor, em detrimento ao fariseu, é a da humildade, uma virtude aliada, inclusive, à prática da oração, de nos dirigirmos a Deus.

Pela fé, sabemos que nada, absolutamente, depende de nós; tudo é dom que recebemos do Ser divino, mediante uma abertura interior da nossa parte à proposta de Deus; logo, uma resposta. E, assim, nascem as virtudes, que são desenvolvidas pela resposta do nosso interior para o cotidiano da existência humana. Isto não é diferente no quesito humildade.

Temos, nesta parábola, dois exemplos de corações que refletem a nobreza interior que possuem. No primeiro, o do fariseu, vemo-lo cheio de si, numa espécie de “narcisismo espiritual”. Notemos como se dirige a Deus com irreverência, louvando-se em vão e menosprezando os outros. Pode me perguntar: qual a nobreza interior do fariseu da parábola? Respondo-lhe, caro leitor: nenhuma. Em contraposição, o coração do publicano dirige-se a Deus na prece mais sincera e convicta acerca de si mesmo, pede-lhe apenas misericórdia de seus pecados. Sim, a prece deste último era franca e convicta, porque a atitude da oração se pauta no misto reconhecimento de nossa miséria e da grandeza do amor de Deus,  confiando na Sua justiça, que é a Sua misericórdia. Por isso que unicamente o cobrador de impostos voltou para casa justificado, amado, perdoado.

Ainda na análise destas duas atitudes presentes no Evangelho, Santo Agostinho acudir-nos-á com o seu comentário: “Procura o que ele [o fariseu] pede a Deus em suas palavras, e não descobrirás. Subiu ao templo para orar e não quis rogar a Deus, mas sim louvar-se a si mesmo. Triste coisa é louvar-se em vez de rogar a Deus; além disso, acrescenta o menosprezo àquele que orava”; porque, como ainda nos diz o Santo Bispo de Hipona, “a fé não é própria dos soberbos, e sim dos humildes” (Santo Agostinho, De verb. Dom. serm. 36).

A humildade, cuja etimologia nos inspira a fragilidade e a baixeza do barro (do reconhecer-se húmus), não deve ser confundida com o complexo de baixa autoestima. Mas, encarada como um enxergar-se e enxergar Deus e os semelhantes como de fato somos. A humildade é uma visão devidamente arrazoada das situações, das coisas, das pessoas, inclusive de si mesmo e de Deus. Assim, voltando ao Evangelho e à sua parábola: será que o fariseu não tinha pecado? Não necessitava de coisa alguma? Não via a oração como momento de crescimento na graça, abraçando o projeto de Deus?

A humildade sempre é conveniente; sempre nos é cabível. “A humildade levou ao Céu um ladrão, antes dos Apóstolos. Ora, se unida aos crimes, ela é capaz de tanto. Qual não seria o seu poder se estivesse unida à justiça? E se a soberba é capaz de quebrar a justiça, o que não conseguirá caso se alie ao pecado?” (São João Crisóstomo: Sermo De fariseo et De publicano). O Bom Ladrão, na cruz, reconheceu-se, reconheceu ao seu comparsa, e reconheceu Cristo-Deus: “‘Para nós isto é justo: recebemos o que mereceram os nossos crimes, mas este não fez mal algum’. E acrescentou: ‘Jesus, lembra-te de mim, quando tiveres entrado no teu Reino!’” (Lc 23,41-42).

Caro leitor, Cristo convida-nos a que, neste processo de reconhecimento de nós mesmos, também O reconheçamos. A vida, trilhada na humildade, é um constante processo de construção e demolição: construímo-nos com elementos do Evangelho, em simultâneo ao que demolimos o que nos distorce, o que nos descaracteriza de Jesus. Não nos ensoberbeçamos de nos termos permitido alcançar pela vida do Senhor; isto não é motivo de mérito nosso, mas uma profunda necessidade de nossa existência, que espera a felicidade. E esta somente é possível junto a Jesus. Antes, sejamos promotores da misericórdia de Deus à vida de tantos que se ensimesmam, fechando-se a graça divina, pelo egoísmo, pelos prazeres, pela fugacidade do que é material. Nós nada fizemos para merecer o amor de Deus. Entretanto, já que o logramos, distribuemo-lo, com o vigor do nosso espírito renovado, a tantos que caducam errantes, sem a perspectiva do Evangelho. Sejamos, pois, agradáveis a Deus com a nossa oração sincera e profunda, com gestos de humildade.