ARACAJU/SE, 19 de abril de 2024 , 19:51:35

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Da guerra, ontem e da de hoje

As rádios traziam notícias da guerra. Numa delas se anunciava que a Alemanha iria colocar no ar mais de mil aviões para bombardear os países aliados. Seu Vivi se espantou: vai cobrir o sol. Se cobriu, ninguém de Itabaiana soube ou comentou. Mas foi o suficiente para assustar seu Vivi e exigir dele uma manifestação. Já Mestre Orpilio ouvia calado a pessoa a lhe contar que o Brasil tinha declarado guerra a Alemanha. Só abriu a boca por insistência do interlocutor, e, assim mesmo, proferiu uma frase que foi parar em todos os repórteres locais, da época, encarregando-se de mantê-la viva para a posterioridade. Para confirmar sua indiferença ante o número de brasileiros que iriam morrer, assim se pronunciou: – Os meus clientes são daqui até a Serra. De lá para a frente, pode morrer quem quiser que não me faz falta.

Sábias palavras num mundo onde a notícia chegava pelo rádio, nem sempre de forma nítida, a chiadeira a atrapalhar o som, o mundo vivendo os horrores da Segunda Grande Guerra Mundial, que muitos dos nossos participaram. Divo Preto, por exemplo, foi para a Itália. Era cozinheiro e como tal não deve ter participado de nenhuma batalha. Da Guerra, mais tarde, só trouxe um trauma: ao jogar bola – era zagueiro direito do Itabaiana, atuando no time campeão da zona centro de 1959 -, manifestada quando derrubava um adversário na disputa pela bola: não lhe dava a mão para apoiá-lo na subida. Desculpa com que se justificava: a inimigo não se dá a mão. Já Gordinho trouxe o das bombas, se afastando da cidade nos tempos dos festejos de São João. As bombas lhe deixavam completamente apavorado. O caso mais forte foi do cidadão que, casado, ao retornar, engravidou a mulher e, depois, desapareceu de um dia para o outro, sem deixar nenhuma notícia. Durante décadas e décadas acreditava-se que tivesse deixado uma mulher na Itália e para lá voltado. Só depois de muitos e muitos anos é que se soube que tinha fugido para o norte do Brasil, se embrenhado mata adentro, onde arranjou uma índia, se acasalou e procriou. Foram os filhos de lá que, com muita insistência, conseguiram saber de sua história e localizaram, por telefone, parentes seus em Itabaiana. Explicação que deu ao filho, que chegou a conhecê-lo em visita que fez: correu com receio de nova guerra.

O caso chistoso ocorreu com Daniel de Felismino, que, na perspectiva de ser convocado, achou mais prático casar para não integrar as forças brasileiras. A noiva não topou. Só depois de encerrado o enxoval se casaria. Ele insistia que o casamento só seria consumado depois da cerimônia religiosa. E ela, não, não, a aconselhar sua ida e na volta casariam. Ele então colocou as asas e voou: E, você, Maria, acha que eu, com uma cabeça  desse tamanho, volto vivo? Qual o alemão que vai errar um  tiro na minha cabeça?

 Todas essas pessoas já se foram, aumentando o número de sepultamentos no Cemitério das Almas de Itabaiana. Não viveram os tempos da pandemia, nem podem aquilatar o receio que habita em todos nós, que respeitamos o isolamento, receio que não vem de um disparo feito em avião de guerra, nem brota de soldados alemães. Talvez o nosso maior inimigo, além do coronavírus, sejam os que não levam a serio o grau de letalidade do contágio, porque, esse pessoal continua, em sua inocência, a propagar o mal, o que simboliza em mais raízes para o vírus se fixar na terra e dela não se afastar tão cedo. Azar o nosso.