De ano em ano, durante a manhã, de repente, cismava de não ir para a escola. Simulava uma dor de cabeça, até que, na hora do banho, antes do almoço, mamãe perguntava se eu não ia me arrumar. Transplantava para o rosto o pseudo mal estar. Era liberado. Depois das quatorze horas, os sinais de melhora me invadiam. Fatos ocorridos nos tempos do primário. No fundo, era herança, e herança danada, de papai, que enrolava vovó Brasília para não ir à escola. Ou, em lugar da escola, escapulia em direção aos mergulhos no Açude Velho.
No dia seguinte, a turma do ano em que cursava, o terceiro, foi convocada para se posicionar em torno do quadro negro. Dona Maria de Branquinha escreveu alguns números no quadro e me mandou, logo eu, para resolver. Apresentei, de chofre, minha desculpa. O ponto tinha sido ensinado no dia anterior que eu tinha faltado. A professora não engoliu. Problema seu, sentenciou. Djalmira foi convocada e, de imediato, deu conta do recado. Eu, tranqüilo, sem saber que o fuzilamento ia ser decretado logo em seguida, como, efetivamente, ocorreu.
A Djalmira foi determinado que me desse quatro bolos, de palmatória, com o agravante de bater com veemência. Um, dois, três e quatro, a mão bem aberta, o instrumento de tortura descia, duas vezes, na direita e depois, na esquerda. D. Maria de Branquinha considerou suaves os quatro bolos. E, então, o céu se tornou negro, raios e trovões estouraram por todo lado, chuva que inundava tudo, até as torres da Igreja, fazendo da cidade um grande mar. Em outras palavras, eu tomei mais quatro bolos, agora, da professora, que tinha a mão forte, e Djalmira, coitada, dela fiquei até com pena, que acertou e me bateu, foi agraciada com três bolos.
A mão ardia. A gente, calado estava, mudo ficava. Não me lembro mais do tempo que levava para a dor do bolo passar. A sensação de que a lâmina da guilhotina descia quando a palmatória fazia o mesmo percurso em direção a mão. Momento de verdadeiro terror o ato de acompanhar o terrível trajeto da palmatória no ar. Ficar de joelho no chão cheio de areia, segurando uma Crestomatia em cada uma, as mãos erguidas, também passei. Não sei qual era o mais drástico. De certo, foi à última vez em que inventei dor de cabeça para não ir a aula. Nunca mais.