ARACAJU/SE, 19 de abril de 2024 , 19:49:45

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De spotiniks e outras bagatelas

A época era de spotniks. A notícia de lançamentos chegava por aqui, propagando comentários.  Pedro Ivo, que trabalhava no Banco do Brasil e jogou bola, salvo engano, no Itabaiana, sabia desenhar. Caricaturas no seco e no molhado. De duas, vi. Guardo uma, a do spotnik, com tampa. Aberta, lá dentro estava um homem nu, magro, acocorado, em pose canina, o perfil exatamente o de Cosme, – futuro Fateira, na ironia aracajuana. O epitáfio, digo, a nota, era a seguinte: Mais outro “sputinik” é lançado no espaço sideral!!! Desta vez cabe o mérito da façanha ao renomado cientista sergipano, Dr. Petrovisk Morenov. No interior da espaçonave, mais outra cadelinha “Cósmica”. Joãozinho retratista fotografava o desenho e as cópias se espalhavam.

No bar de Tonho Lima, na Praça Fausto Cardoso, pregado na parede, uma folha, o desenho grotesco de um homem montado em um jegue. O texto, em letras garrafais anunciava que Tonho Lima e seu jegue iam a Lua em um spotnik. Faltava a nobreza do traço de Pedro Ivo. Mas, era suficiente para chacoalhar com o sisudo dono do bar, a inspirar as brincadeiras da molecada, inclusive, o fato de ser torcedor do Vasco, num tempo em que o futebol só existia em dois lugares: no Rio, que as rádios transmitiam, e, lá, mesmo, em Itabaiana. Nos demais, se existia, não se falava. Tonho Lima tinha sítio próximo à cidade, daí o uso do jegue.

No dia da morte de Euclides Paes Mendonça, as pessoas, que estavam na passeata e as que assistiam, receosas do que podia acontecer, correram e invadiram seu bar, adentrando no quintal, subindo muros, alguns, não todos, não respeitando o pequeno espaço cercado cheio de galinhas, que foram impiedosamente pisadas, não sobrando nenhuma para o regalo do almoço do domingo. Além de mesas e cadeiras danificadas, o prejuízo da perda de inditosas galinhas, que não mereceram a instauração de nenhum inquérito, nem o registro da história.

Do bar de Tonho Lima, descendo em direção a Rua do Cisco, na esquina, o Bar Brasília, nome dado em homenagem a nova capital da República. Era ponto de atração à noite, as mesas ocupadas pelos que participavam do bolo assinalando o placar dos jogos do final de semana e pelos que, à míngua do que fazer, não querendo passear na praça, ou ir ao cinema de Zeca, ficavam por ali, olhando o movimento do bar e da rua. O Bar Brasília dava banho no bar de Tonho Lima, só perdendo num aspecto: o dono não despertava nenhuma brincadeira. Não andava de jegue, nem o bar tinha quintal nem galinheiro. Se torcia pelo Vasco, não se sabia. No requisito, o de Tonho Lima despertava ironias, alimentadas pelas suas manifestações bruscas.

Adiante, o terceiro e último bar, do outro lado do Beco do Cisco, voltado para a Praça. Era o de João de Babau, maior que os outros, a primeira parte de mesas e cadeiras; a segunda, de sinucas, uns quatro. Não tinha a freqüência do Bar Brasília, nem despertava no freguês as molequeiras com o seu dono, privativas do bar de Tonho Lima. Diferente do Bar Brasília, que era batizado com um nome na parede, os dois outros eram completamente pagãos, mesma condição das bodegas e bares daqueles tempos.

Soube há pouco, por Baldock, que João de Babau nunca lavou o bar. Depois, me lembrei que, à época, nas padarias e bodegas, ao vender o pão e colocá-lo na mochila, o vendedor escolhia o pão com as mãos, as mesmas com que pegava o dinheiro e passava o troco. Ninguém reclamava. Mas, registre-se uma exceção. Josafá Farias, ao comprar pão na padaria de Zé Gordinho, o vendedor, Paulo, com uma gripe danada, assoou o nariz,  jogou a catarreira no chão e limpou os dedos na calça. Então, perguntou: o que é que o senhor quer, seu Josafá? Resposta: Queria. E o freguês saiu, de mãos vazias, a procura do outro forró.