ARACAJU/SE, 20 de abril de 2024 , 0:16:31

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Defeitos no texto da Constituição

Se a redação de uma lei exige conhecimento de todo o sistema, no qual se assenta, mais ainda a da Constituição, afinal, lei maior, sol que ilumina todo o planeta de normas complementares e ordinárias. A matéria sofre turbulência quando, de bisturi afiado, se procede a sua dissecação.

Aí começam as rugas, traduzidas, algumas, na desnecessária reiteração, às vezes em dispositivos vizinhos, sem guardar um do outro distância alguma.

Um exemplo no inc. II [art. 108], ao cuidar da competência dos Tribunais Regionais Federais: julgar, em grau de recurso, as causas decididas pelos juízes federais e pelos juízes estaduais no exercício da competência federal na área de sua jurisdição.

E, logo adiante, no § 4º [art. 109], – o § 3º cuida da delegação de competência federal para a Justiça Estadual do interior do Estado, em município que não é sede de vara federal -, consigna: Na hipótese do parágrafo anterior, o recurso cabível será sempre para o Tribunal Regional Federal na área de jurisdição do juiz de primeiro grau. 

A pergunta desponta sem ninguém conseguir segurar: e por que não se enfiou tudo num só dispositivo? A impressão que causa é de a revisão ter sido feita à luz de candeeiro, para passar, em dois artigos lindeiros, a mesma norma, com redação diferente.

Não fica só aí. Há lugar para omissões, misto de visão curta. Aponta-se  uma, de natureza grave. Ao tratar da promoção do juiz, o cenário da Carta Magna se voltou apenas para à Justiça Estadual, no uso do termo entrância [inc. II, e alínea b, art. 93]. O termo entrância aparece, igualmente, no inc. III; e, enfim, no inc. VIII-A. Ora, na Justiça da União, constituída pela Justiça Federal, Justiça do Trabalho e Justiça Militar, não há lugar para a entrância. Já o termo comarca, também privativo da Justiça Estadual, aparece nos incs. VII e VIII-A [art. 93]. O constrangedor é que o constituinte conhecia a estrutura da Justiça Federal, no que demonstra o teor do art. 110 a apregoar que cada Estado, bem como o Distrito Federal, constituirá uma seção judiciária que terá por sede a respectiva Capital, ao que se acrescenta com a subseção judiciária as varas federais interioranas. Mesmo assim, na promoção, em linhas gerais, a ignorou.

A omissão se destaca, mais ainda, quando, no art. 92, incs. III, IV, V e VI, os órgãos da Justiça da União são mencionados, além do que as Seções IV, V, VI e VII, cuidam, respectivamente, dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais e Juízes do Trabalho, dos Tribunais e Juízes Eleitorais e dos Tribunais e Juízes Militares, e, mesmo assim, ao declinar os elementos que devem compor o Estatuto da Magistratura – que, aliás, até agora, quase trinta e dois anos depois de promulgada a Constituição, não passou de uma simples alusão no Texto Maior -, através de lei complementar [art. 93], o legislador constituinte não observou que a estrutura da Justiça Estadual é totalmente diferente do da Justiça da União, no que tange ao primeiro grau, declinando a obrigatoriedade de princípios, a integrar o esperado Estatuto da Magistratura, como se o primeiro grau de todo o judiciário brasileiro se resumisse apenas e tão só ao da Justiça Estadual.

À míngua do Estatuto da Magistratura, a Justiça da União trabalha com os princípios alojados no art. 93, fazendo a adaptação devida, afinal, não poderia deixar de promover o substituto para titular, nem o titular para a instância revisora, tão só pela omissão e visão curta do legislador em cumprir a norma, deixando, assim, de editar o Estatuto da Magistratura. A promoção, que na Justiça Federal, v. g., se faz, resume-se a duas: o juiz federal substituto para titular, e, desta condição, depois, para o tribunal respectivo.

O Código de Processo Civil vigente [de 2015] já abriu as portas para o Juízo Federal ao fazer menção aos órgãos do Poder Judiciário federal, especializado ou comum, em todas as instâncias e graus de jurisdição [art. 67], a seção ou subseção judiciária [art. 222], entre outros, se constituindo no primeiro passo dado.

Se na Constituição há omissão, também brota exagero, no capítulo no qual se inclui a participação da Ordem dos Advogados do Brasil no concurso para ingresso na magistratura [inc. I, art. 93], do Ministério Público [§ 3º, art. 129], e no da Advocacia Pública [art. 132], quando, na Seção III – Da Advocacia, poderia se constituir em um parágrafo do art. 133, englobando tudo num só dispositivo.

Em suma, quando não é de menos, é demais.

 

Vladimir Souza Carvalho é Magistrado. Membro da Academia Sergipana de Letras Jurídicas.