Uma lei de 15 de outubro de 1827 outorgada por D. Pedro I foi responsável pela criação de escolas primárias chamadas no Brasil Império de “Escolas de Primeiras Letras”. Por conta desta data, passou-se a comemorar o dia do professor, sendo depois regulamentada a efeméride pelo Decreto nº. 52.682/63.
Reservar um dia do ano escolar para lembrar daqueles que fazem com muito sacrifício, dedicação e luta, a educação deste país é muito pouco, principalmente quando são diariamente noticiados os enormes desafios existentes na busca por ensino de qualidade, a ser ofertado de forma indistinta a todos, especialmente aos integrantes das camadas mais carentes da sociedade.
Indubitavelmente a formação educacional consiste em um dos poucos meios legítimos de ascensão social, permitindo a pessoas que nascem renegadas ao esquecimento e a pobreza a possibilidade de sonhar com dias melhores, pois somente pelo conhecimento é possível se libertar desse ciclo vicioso que perpetua injustiças há séculos em uma nação onde a cidadania não viceja e muito ainda está por ser construído.
É preciso difundir o conhecimento, pois como bem ensinou o filósofo e político inglês Francis Bacon “Conhecimento é poder” e, consequentemente, quanto maior o conhecimento produzido e mais elevada a escolarização, mais próximo da cidadania está o indivíduo. Para tanto, necessita-se de professores aptos a ministrarem o conteúdo escolar de maneira formal e sistemática, valendo-se de adequados métodos pedagógicos.
Muito precisa ser refletido quando se fala dessa profissão essencial, responsável por ensinar e por transformar vidas. Ao invés de elencar conquistas, temos uma realidade cruel que obriga o professor a lutar por sobrevivência diária, brigando para receber o piso do magistério (R$ 4.580,57 reais mensais por uma jornada de 40 horas semanais), sendo que vários municípios ainda não pagam este valor. Além disso, falta um programa permanente de valorização profissional e de qualificação com ênfase na essência das práticas pedagógicas, modernizando-as e transformando-as.
Como se não bastassem todos esses desafios, na última década, além da luta por melhoria vencimental e condições de trabalho, passaram os professores a conviver com políticos que de forma escancarada fazem campanha contra a educação, disseminando diversos ataques à classe do magistério, discutindo projetos estapafúrdios como “escola sem partido”, homeschooling, censura a livros, etc.
Desenvolveu-se ao invés de um respeito ao professor, que em alguns países orientais é quase sacralizado, um verdadeiro ódio, combatendo ideias e práticas educacionais, não raro sendo os mestres agredidos física e moralmente em seus ambientes de trabalho. A escola deixou de ser um local de acolhimento, aprendizado e cidadania.
É preciso novamente recuperar a dignidade do magistério outrora existente. O professor deve voltar a se sentir seguro e orgulhoso em atuar como docente. Nenhuma sociedade poderá ascender quando isso não for garantido por práticas efetivas.
Esse preâmbulo apresenta-se necessário para introduzir o infeliz episódio ocorrido no último dia 01.10.2024 no estado de Sergipe. Contrariado com cartazes e palavras de ordem gritadas de forma pacífica pelos professores e líderes sindicais da rede estadual de ensino que foram a uma inauguração de uma reforma de escola pública, o governador do estado, valendo-se de sua condição e lugar de fala, usa o microfone para ofender os trabalhadores da educação, servidores públicos de carreira, dizendo que os professores ali presentes ele “nunca viu trabalhar, só protestar por dinheiro”.
Profundamente lamentável que o mês dedicado ao professor tenha sido iniciado com uma ofensa ao magistério, partindo de um governante. Seria o caso de indagar: o quão baixo deve ser tratado aquele que dedica sua vida a ensinar, preparar aulas, fazer leituras complementares, corrigir provas e realizar tarefas, desenvolvendo atividades pedagógicas no intuito de bem formar cidadãos? O que falta de opróbio na abordagem aos verdadeiros mestres que mesmo vilipendiados economicamente, desconsiderados socialmente, menosprezados nas políticas educacionais, ainda resistem levando conhecimento aos alunos da rede pública de ensino?
Esse fenômeno de agressão aos professores não é exclusivo para os vinculados ao ensino fundamental e médio da rede pública, cuidando-se de fenômeno que já se alastrou no ensino superior.
Não se deve olvidar que no último governo fora indicado para ocupar o cargo de Ministro da Educação um néscio que se orgulhava de cortar verbas das universidades públicas, impedindo o desenvolvimento de pesquisas e atividades de ensino e extensão, valendo-se de argumentos toscos, como o de que referidos centros do saber eram locais destinados ao consumo e cultivo de drogas.
Eis o atual estado da arte. Temos governantes que não sabem a importância da educação e dos educadores e, por conseguinte, não conseguem valorizar uma das plataformas mais essenciais de qualquer governo.
Triste país aquele em que um professor ao invés de ser homenageado em seu dia, tem que lutar para que o básico (salário minimamente decente, carga horária compatível, respeito profissional e ausência de ofensas) lhe seja assegurado.
Como professor universitário que veio da escola pública, labutando há 26 anos na sala de aula, acreditando na educação como elemento de transformação, tenho plena consciência de que existe um longo caminho pela frente e que a reprovação dos atos acima narrados depende de uma participação direta da sociedade. Esta luta é de todos e a ofensa aos professores, em ultima ratio, consiste em uma agressão à cidadania.
Esse silogismo foi muito bem definido pelo filósofo e professor Clóvis de Barros Filho ao afirmar: “Para que tenhamos bons governantes, temos que ter bons candidatos, para que tenhamos bons candidatos, temos que ter bons eleitores, para que tenhamos bons eleitores, temos que ter bons cidadãos, para que tenhamos bons cidadãos, temos que ter cidadãos bem formados, para que tenhamos cidadãos bens formados, temos que ter professores de cidadania, para que tenhamos bons professores de cidadania, temos que ter boas escolas, para que tenhamos boas escolas, temos que ter uma sociedade consciente dessa necessidade”.
Cuida-se de uma exigência da própria sociedade que deve, de forma clara e firme, dizer aos governantes que não tolera as ofensas e agressões aos professores. Não é possível fazer qualquer política pública de educação tendo o professor como inimigo ou adversário.
Evocando a poetisa Cora Coralina, é preciso que os atuais ocupantes de mandatos eletivos se lembrem de que “Todos estamos matriculados na escola da vida, onde o mestre é o tempo”. As ofensas ao magistério terão consequências e aqueles que optam por fazer política disseminando o ódio à educação e aos educadores deverão ser cobrados por seus atos.
Fica aqui meu desabafo, registrado em forma de desagravo endereçado a todos os professores que se sentiram ofendidos ao serem taxados de mercenários despreocupados com a educação, apenas por reivindicarem seus direitos. Para esse tipo de governante devemos reforçar a fé na educação e lembrar, novamente citando Cora Coralina, que “Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina”.
Vida longa aos professores e ao magistério.