ARACAJU/SE, 18 de abril de 2024 , 19:44:50

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Há mais de um século

O primeiro governo republicano civil brasileiro não teve vida fácil. Em 1894, Prudente de Morais assumiu e tinha dentre os opositores, uma corrente “florianista jacobina”, de forte pendor autoritário, antiliberal, que exaltava as virtudes do marechal Floriano Peixoto, que governara à moda de um ditador e passara o comando, contrafeito, a um não-militar. O vice-presidente Manoel Vitorino era adepto dessa tendência política. Toda vez que ocupava a Presidência, interinamente, deixava suas marcas. Em uma delas, mudou o ministério e comprou o Palácio do Catete para ser a sede presidencial. O titular, conquanto enfermo renal, retornou a tempo de evitar ser defenestrado.

Em 5 de novembro de 1897, tropas federais voltaram vitoriosas de Canudos, onde massacraram os populares que ali se acomodaram. Prudente de Morais foi recepcioná-las. Na oportunidade, foi vítima de um atentado praticado pelo anspeçada Marcelino Bispo. O disparo de garrucha malogrou e o agressor investiu com arma branca sobre o presidente, a essa altura defendido pelos membros militares da comitiva. Ferido por arma branca, o marechal Carlos Machado Bittencourt, que era o ministro da guerra, morreu.

Comoção geral. Foi decretado o estado de sítio no Distrito Federal e na comarca de Niterói. As investigações foram iniciadas e as prisões também. Poucos dias depois, Marcelino Bispo foi encontrado enforcado com um lençol em sua cela. Apesar da suspeita de conjuração recair sobre Manuel Vitorino, este jamais foi processado formalmente. Foram apontados como conspiradores vários florianistas, dentre eles o senador João Cordeiro e mais cinco deputados federais. Em 13 de novembro de 1898, um dos indiciados presos, Fortunato de Campos Medeiros, tentou um habeas corpus no Supremo Tribunal Federal. A ordem foi negada por maioria. O ministro Macedo Soares ficou vencido, afirmando que não havia na Constituição previsão de estado de sítio para aquele contexto, usado como justificativa para o indiciamento e encarceramento. Em 12 de janeiro de 1898, foram presos a bordo do vapor Orellana, que partia para Montevidéu, os deputados Barbosa Lima e Alcindo Guanabara. Junto com Cordeiro, foram desterrados para Fernando de Noronha.

A batalha judicial foi enorme. Em 16 de fevereiro, julgando um conflito de competência, por maioria, o STF considerou que o delito em questão não era de natureza política, mas comum, embora praticado contra o Presidente da República. Em 5 de março, o Supremo Tribunal Federal analisou um habeas corpus impetrado em favor do deputado Barbosa Lima, para que este fosse levado a comparecimento à Corte. Similar decisão foi adotada em relação aos outros presos. Em 26 de março, o STF recebeu os prisioneiros e julgou o pedido de liberdade. A ordem de soltura foi negada por cinco votos a quatro. Contudo, em 2 de abril, apreciando novo pedido, mandou que os presos comparecessem ao Tribunal, em 16 de abril. Nesse dia, pelo voto condutor do ministro Lúcio Mendonça, por 8 a 4 (o STF tinha, então, 15 ministros), foi concedida a soltura.  sob o fundamento de que as imunidades parlamentares não se suspendem com o estado de sítio e os congressistas foram presos em situação que não a de flagrante delito de crime inafiançável.

Inconformado, na Mensagem de 3 de maio de 1898, dirigida ao Congresso Nacional, Prudente de Morais criticou asperamente o STF, pela vacilação de entendimento, acusando-o de parcial: “[a decisão], influenciada pela paixão partidária, animou e aumentou a ousadia dos perturbadores da ordem”. No dia seguinte, na sessão do Tribunal, o ministro Américo Lobo julgava uma revisão criminal e referiu a necessidade de reformar a legislação processual penal, citando o que houvera dito o Presidente da República. Foi aparteado pelo ministro Lúcio de Mendonça que pedia que o colega “poupasse aos brios do Tribunal o desgosto de ouvir citar ali um documento que os ofendia”. Os jornais passaram então a tomar partido declarado nesse debate. O assunto rendeu. Lúcio Mendonça e outros ministros solicitaram que o Tribunal aprovasse um protesto contra a mensagem presidencial. O pedido vazou e os jornais novamente repercutiram. A Corte se dividiu quanto ao ponto e o protesto não foi emitido. A imprensa governista fez jorrar críticas ainda mais pesadas sobre o Supremo. O nível das ofensas foi ficando cada vez mais baixo contra o STF. No Congresso, o tema foi repercutido. O governo, então, passou a manobrar para prejudicar os magistrados. Vetou uma reforma que regulava as férias forenses. Tentou criar mais cinco cadeiras de juízes, mas não teve sucesso. Buscou dificultar a incorporação de parcelas na aposentadoria dos ministros e excluir tempo de serviço de outros cargos do cálculo para aposentação. Não conseguiu. Prudente deixou o governo, em 1898, registrando a sua mágoa com o episódio.

Infelizmente, há mais de um século, há quem considere que os tribunais só são justos quando prendem os adversários políticos.