ARACAJU/SE, 25 de abril de 2024 , 17:41:50

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O curativo do perdão

Neste momento em que somos desagradavelmente visitados por uma catastrófica pandemia, desejo falar-lhes sobre o efeito curativo do perdão como fruto do amor, como resposta positiva a tantas enfermidades que assolam as relações interpessoais e, consequentemente, o mundo.

Vivemos numa corrida pela saúde do corpo. Diante do coronavírus, alguns, achando que se excedem pela prudência, chegam ao ponto de dizer que somente retornarão à vivência dos sacramentos quando a vacina para a COVID-19 for descoberta. Sinceramente, quando escuto tal arrogância, estremeço-me ao que me questiono: em que conta essas pessoas têm os remédios insubstituíveis para a alma? Seriam os sacramentos meros acessórios à vida cristã?

Também, noutro extremo, temos alguns católicos que levantam a bandeira em nome da vida apenas como uma falácia pessoal, como um fingimento de postura, mas nada são capazes de fazer para minorar os efeitos do que, involuntariamente, assistimos; chegam ao ponto de fazer apologias nas redes sociais contra a fome e a miséria, entretanto, não fazem o que está ao seu alcance de realização para a transformação do mundo. Quanta demagogia!

Tais apontamentos que trago como exemplos, que ocorrem na prática da caridade para com Deus e para com o próximo, podem ainda ser explorados na vivência do amor dilatado pelo perdão. Primeiramente, o perdão não é acessório – como os sacramentos também não os são – à vida cristã. Se o perdão tivesse uma importância secundária, São João não classificaria o amor como essência de Deus (cf. 1Jo 4,16), e, antes, o próprio Cristo não teria inserido a condicional do perdão na oração que ensinou aos Seus e que compendia todo o Evangelho: “Perdoai as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido” (Mt 6,12).

Percebam que São Pedro, aproximando-se de Jesus, indagou-lhe: “Senhor, quantas vezes devo perdoar se o meu irmão pecar contra mim? Até sete vezes?” (Mt 18,21). Pedro, reconhecendo Jesus Deus, desejou quantificar, mensurar o tamanho da misericórdia divina para aplicar à perfeição da vida cristã, para agir conforme a bondade de Deus. Ao que obteve como resposta de Jesus: “Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete” (Mt 18,22). A especialidade do número sete, como sendo designativo da perfeição, para Pedro, constituía um limite, ao que Jesus lhe esclareceu que infinito é o perdão de Deus porque ilimitado é o Seu amor. Se as pessoas se preocupassem em amar e perdoar como necessários à infinita saúde da alma (à salvação, portanto) como primam pelo cuidado com a saúde física, que, de per si, é limitada… Se corressem atrás dos benefícios do amor a Deus e aos irmãos como, tresloucadamente, correm para a descoberta da cura para o coronavírus…

Porém, Jesus quis entrar nas minúcias do que afirmou a Pedro e contou-nos a Parábola do empregado generosamente perdoado, mas tacanho no perdão (cf. Mt 18,23-35). Quantos cristãos julgam, pejorativamente, o empregado da parábola, mas, no decorrer do cotidiano, fazem o que é análogo. Não têm uma visão crítica da sua própria vida, da sua história, não são capazes de enxergar que o amor que tanto defendem urge concretizar-se em si mesmos, na subjetividade das suas próprias experiências. Jesus contou esta parábola para elucidar. Será que não temos em nós elementos que, também, podem elucidar os “setenta vezes sete”?

O amor puro, essência divina, nunca será credível ao mundo se não formos capazes de aplicá-lo, de diversos modos, em nosso corriqueiro dia-a-dia. Para a cura do mundo, da sua doença mais interior, pútrida e grave não há outro remédio, outra vacina senão a do amor encarnado no nosso procedimento. O Senhor mesmo nos garantiu que seríamos reconhecidos pelo amor (cf. Jo 13,35). Seja esta a nossa identificação e seremos enfermeiros que cuidarão das feridas do mundo gravemente doente pelo egoísmo, pela soberba e pela vaidade.