José Carlos do Patrocínio é um vulto brasileiro pouco lembrado, a despeito de sua biografia admirável. As duas grandes revoluções sistêmicas do Brasil, no final do século XIX, tiveram a sua colaboração.
Nasceu em 9 de outubro de 1853, em Campos dos Goytacazes, filho de uma escravizada, Justina Maria do Espírito Santo, de treze anos, e de um padre, João Carlos Monteiro. Seu batistério não registrava nem maternidade, nem paternidade. Na linguagem de então, era um “inocente”, “exposto”, um órfão abandonado. Sua mãe teve de protestar para que o pai, ao menos, lançasse o nome dela no documento. Assim, ele passou a constar como “filho natural” de Justina, jamais reconhecido pelo genitor.
Alfabetizou-se entre a casa de fazenda e a igreja. Aos catorze anos, migrou para a Capital do Império. Não conhecia ninguém. Não tinha dinheiro. À custa de muito sacrifício e com o amparo de uns poucos amigos que fez e de protetores que granjeou, conseguiu trabalho de servente. Foi progredindo e passou a laborar na Santa Casa de Misericórdia. Cresceu, estudou e avançou em direção à faculdade de Farmácia, que concluiu em 1874. Uma façanha naquela sociedade racista e escravocrata.
Sem vocação de boticário, desempregado, fez-se professor, por necessidade. Foi abrigado na casa do Capitão Emiliano Rosa de Sena, que dele se apiedou. Passou a ensinar aos filhos deste, dentre os quais, Maria Henriqueta, de quem se enamorou. Por força da descoberta desse idílio, foi demitido e expulso do lar que o refugiara. Apesar da abissal diferença econômica e social entre ambos, que realçava as epidermes contrastantes, foi consentido o matrimônio, em 1879. Outra proeza naquela sociedade segregada.
Na residência do capitão, reunia-se o grupo republicano de Quintino Bocaiúva e Lopes Trovão, entre outros. Patrocínio frequentou as reuniões e se tornou apóstolo dessa causa. Nesse tempo, lançou-se na poesia e no jornalismo. Inicialmente colunista, depois sócio de jornal, era uma poderosa voz abolicionista e republicana. A abolição da escravatura, a maior campanha cívica já ocorrida no Brasil, tinha em “Prudhomme”, seu pseudônimo, a vocalização das suas teses. Durante décadas, seu envolvimento com a luta libertadora de cativos fez dele o maior jornalista brasileiro de seu tempo. Um feito quase sobrenatural.
Vivia, tal como os jornais em que trabalhava, sempre em dificuldades. Mas era necessário narrar a história enquanto ela era produzida, e acelerar o seu passo. Foi duas vezes ao Ceará testemunhar a primeira província a eliminar a escravidão de seu território, em 1884. Foi repórter desse triunfo, “in loco”, uma raridade naqueles tempos nos quais os lugares mais ao norte do Brasil eram ermos esquecidos pelo sul. Seus textos informaram no Rio o drama da seca e da miséria naquelas lonjuras totalmente ignoradas pelo governo central. Do que viu, além das matérias para a imprensa, guardou inspiração e revolta para escrever o romance “Os retirantes”.
Foi também à França, em busca de suporte para a campanha nacional abolicionista. Esteve com eminências daquela nação, que era a maior influenciadora cultural do Império. Não era pouco para quem nascera filho de escravizada, antes da Lei do Ventre Livre (1871).
Elegeu-se vereador no Rio de Janeiro, em 1886. Transformou a tribuna legislativa municipal em cidadela republicana e abolicionista. À medida que a sua pena e seu discursos cresciam em influência, subiam também os antagonismos. Eram escalados para enfrentá-lo nos debates pelos jornais intelectuais reacionários como Sílvio Romero (1851-1914), defensor ensandecido do nefando regime de cativeiro. Mas a marcha da história cumpriu o seu curso e, com dilatado atraso, venceu a Abolição, em 13 de maio de 1888.
A assinatura da Lei Áurea pela Princesa Isabel, que na reta final apoiou a causa, balançou os sentimentos republicanos de Patrocínio. Mas não por muito tempo. Pouco depois, já redigia textos em defesa de um novo regime, que chegou em 15 de novembro de 1889. O que pouca gente sabe é que, apesar de depor o governo, o marechal Deodoro da Fonseca não proclamou solenemente a República. Isso só veio a acontecer, naquela data, na Câmara Municipal, quando o vereador José do Patrocínio assomou a tribuna e a proclamou assertivamente, mandando hastear a nova bandeira republicana. Nega-se, ordinariamente, a esse grande brasileiro a glória de ser o primeiro a fazê-lo oficialmente.
Foi fundador da cadeira 21 da Academia Brasileira de Letras, em 1897, outro êxito monumental. Todavia, morreu em 29 de janeiro de 1905, no Rio de Janeiro, empobrecido, com o seu jornal fechado pelo regime republicano que fundara. Estava cheio de ideias inovadoras sobre balões e automóveis.
Patrocínio falece, de novo, a cada vez que se lê o nome deste país – “República” Federativa do Brasil – sem que se devote uma linha de memória a essa excelência negra. Seu nome não consta do “Livro de Heróis e Heroínas da Pátria” e, surpreendentemente, não há projeto de lei que o proponha.