A tragédia que se abateu sobre a população do Estado do Rio Grande do Sul em decorrência das chuvas e alagamentos, com diversas vítimas fatais já computadas e diversas outras por confirmar, além dos terríveis danos pessoais e patrimoniais, públicos e privados, deixando mais de um milhão de pessoas sem água, mais de quatrocentos mil sem luz, afetando funcionamento de cento e dez hospitais e elevando o nível dos rios para colocar sob pressão doze barragens, traz à pauta, mais uma vez, a necessidade imperiosa da gestão pública eficiente da prevenção ante desastres naturais e calamidades públicas de relativa previsibilidade.
Com efeito, já se desenvolveu na teoria do direito ambiental a fundamental importância dos princípios da precaução e da prevenção, considerando o direito de todos “ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (Art. 225 da Constituição Federal).
Talden Farias menciona que o Art. 225 da Constituição, caput e parágrafos, bem ampara o princípio da prevenção, ao impor como dever do poder público e da coletividade proteger e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações, bem como a adoção de medidas na defesa dos recursos ambientais como forma de cautela à degradação. Registra ainda que o princípio da prevenção é aplicado em relação aos impactos ambientais conhecidos dos quais se possa estabelecer as medidas necessárias para prever e evitar os danos ambientais enquanto o princípio da precaução incide sobre riscos e incertezas científicas, a exigir ações proativas (FARIAS, Talden. “O princípio da precaução no Direito Ambiental”. CONJUR – Consultor Jurídico, 10 de junho de 2021).
Nesse sentido o Princípio 15 da Declaração do Rio de Janeiro na Conferência das Nações Unidas sobre meio ambiente e desenvolvimento de 1992 estabelece que “De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental”.
O aquecimento global e as significativas mudanças climáticas em todo o mundo, ao lado do negacionismo de setores significativos da sociedade impulsionado pelo negacionismo de segmentos políticos representativos, aliados à “naturalização” dos desastres ambientais como se fossem questões de solução impossível e consequências inexoráveis, faz com que, infelizmente, essa recorrência de desastres naturais com danos ambientais e estruturais à vida coletiva que sempre se abate com muito mais contundência sobre as populações mais vulneráveis seja mais do que previsível e mesmo recorrente, incidindo aí, portanto, o princípio da prevenção.
No Brasil, as medidas de prevenção a desastres naturais e a gestão de riscos vem sendo, como em outras áreas da gestão pública, inefetiva e ineficaz, ainda que medidas pontuais e sem maior articulação federativa sejam desenvolvidas. Tais medidas não alcançam efetividade também porque incidem sobre um modelo econômico predatório, que gera modelos de organização da vida social ambiental e urbanisticamente não sustentáveis, que empurram para a marginalidade periférica das moradias em situações de risco permanente populações pobres, excluídas, exploradas e espoliadas em suas dignidades.
Uma reflexão que se impõe, nesse contexto, é a reflexão ecossocialista da imprescindibilidade do rompimento com o capitalismo como pressuposto inafastável da efetividade da garantia do meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem como a insuficiência das providências tomadas – inclusive em escala global (com acordos, tratados e convenções internacionais) – em termos de políticas públicas de proteção ambiental que se limitam a contornar ou tentar contornar os efeitos da degradação ambiental, sem a percepção de que os danos ambientes decorrem da essência estrutural do capitalismo.
Michel Lowy expõe, com precisão: “Não se trata da “má vontade” de tal ou qual multinacional, ou governo, mas da lógica intrinsecamente perversa do sistema capitalista, baseado na concorrência impiedosa, nas exigências de rentabilidade, na corrida atrás do lucro rápido; uma lógica que é, necessariamente, destruidora do meio ambiente e responsável pela catastrófica mudança do clima” (2013, CRISE ECOLOGICA, CRISE CAPITALISTA, CRISE DE CIVILIZAÇÃO: a alternativa ecossocialista, in CADERNO CRH, Salvador, v. 26, 67, p. 79-86, Jan./Abr. 2013, p. 81).
É nesse contexto que surge a proposta do ecossocialismo, para propugnar por verdadeiras mudanças estruturais da sociedade, aptas à efetiva proteção do meio ambiente. O ecossocialismo se constitui enquanto corrente teórica e movimento social organizado, sobretudo a partir do Fórum Social Mundial de Belém, em 2009.
Lowy aponta, ainda, que “o ecossocialismo é uma reflexão crítica. Em primeiro lugar, crítica à ecologia não socialista, à ecologia capitalista ou reformista, que considera possível reformar o capitalismo, atingir um capitalismo mais verde, mais respeitoso ao meio ambiente”, mas é, também, “uma crítica ao socialismo não ecológico, por exemplo, da União Soviética, onde a perspectiva socialista se perdeu rapidamente com o processo de burocratização, e o resultado foi um processo de industrialização tremendamente destruidor do meio ambiente”.
A reflexão ecossocialista efetua o diagnóstico dos problemas ambientais como componentes estruturais decorrentes do modo de produção capitalista bem como a estratégia de ação política revolucionária voltada para o alcance do objetivo de ruptura com essa realidade, apta à efetiva proteção do meio ambiente.
Sua importância, no que problematiza a essência da solução dos problemas ambientais, reside na própria concretude da existência social humana, que não é ameaça longínqua, mas em curso e em marcha acelerada, como os trágicos eventos no Rio Grande do Sul vêm mais uma vez evidenciar.