ARACAJU/SE, 25 de abril de 2024 , 13:02:09

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Sergipe tem a história, mas se fosse na Bahia…

Dia desses fui levar Toquinho, meu ‘doguinho’ (tá na moda linguística visceral popular usar essa palavra onde ele é carinhosamente tratado, mimado e sai mais cheiroso do que penteadeira de colecionadora de perfumes. Não vou negar que fiquei com uma invejinha azul claro do meu ‘brodinho’’ e também ‘me piquei” (eita expressão sergipana de raiz, mô fio!) para dar um trato no meu grisalho natural e do qual me orgulho bastante. Se Toquinho pode ir para o seu salão de cuidados do pelo canino, por que não posso “dar um grau topado” no meu cabelo? Né não? Fui.

Chegando ao Mestre Barbeiro, dei de cara com os tratos assépticos para evitar Covid-19, lavei o topete e hidratei. Aguardando a vez de passar a máquina deixar um penteado ‘na moral’, comecei a trocar uma ideia com o Mestre Ramon, proprietário do lugar, enquanto ouvíamos um blues instrumental sob a égide de goles de cappuccino. Disse-lhe que iria aproveitar a espera para escrever a minha Coluna (exatamente este texto que você está lendo deleitosamente agora). Ele me perguntou qual o assunto que estaria na mira de publicação, o que prontamente lhe respondi: os acontecimentos de 15 de agosto de 1962.

Perguntei-lhe se sabia do que a data se tratava. Ele fez trejeitos de pensares, na tentativa de lembrar, mas foi em vão. Fiz questão de dizer:

– Foi um fatídico dia em que três navios foram torpedeados e afundados na costa sergipana, vítimas do submarino alemão U-507. O episódio rendeu 551 PESSOAS MORTAS e A ENTRADA DO BRASIL NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL. Annibal Benévolo, Araraquara e BaependI foram os navios, cheios de vidas, cada uma com sua história, famílias, sonhos e projetos interrompidos por torpedos alemães sem coração.

Ele me olhou atônito, como se tivesse recebido um choque e um spray absurdo de gás paralisante. Seu olhar foi ao infinito e voltou. Captei que ali havia reflexão. Continuei:

– Por causa desse episódio, Aracaju virou uma cidade sitiada (como bem afirma o Professor Luiz Antônio Pinto Cruz em todas as obras que escreveu sobre o evento bélico. Interessante que esse termo vem do latim BELA, que significa GUERRA. Apesar da relação, não há nada de belo na guerra!). Uma vela sequer não se acendia. O pânico gerado pela difusão do medo do vírus chinês, atualmente, não chega nem perto do que se instaurou à época.

Minha mãe Salvelina, hoje com 88 anos de idade, foi testemunha ocular do episódio. Filha do faroleiro responsável pelo recolhimento dos corpos dos náufragos (na extensão da Praia de Atalaia, em Aracaju, até a Praia do Saco, em Estância), minha mãe tinha oito anos e viu o terror bem de perto. Ela morava na Atalaia e se lembra do fedor de carne podre que meu Avô-Herói Teodoro José dos Santos exalava após um dia de trabalho (já contei essa história aqui, mês passado).

Depois dessas informações, Mestre Ramon me olha e, serenamente, fala:

– Se essa história tivesse acontecido na Bahia, tudo seria diferente.

Eu entendi o que ele quis dizer. E concordo. Não digo que os baianos iriam colocar trios elétricos para rememorar o tão importante fato histórico, mas, certamente, não o deixariam tão esquecido como nós sergipanos o deixamos. Acorda, Sergipe!

Vou parar de escrever porque chegou minha vez de cortar o cabelo.