ARACAJU/SE, 14 de novembro de 2025 , 17:25:00

A dúvida como solução: Descartes e o combate aos golpes digitais

*A dúvida como solução: Descartes e o combate aos golpes digitais*

No século XVII, o filósofo francês René Descartes, que ensinou o mundo a questionar para chegar à verdade, defendia que, para alcançar o conhecimento verdadeiro, era preciso duvidar de tudo aquilo que pudesse ser falso. Essa dúvida metódica, chamada de “dúvida hiperbólica”, consistia em suspender todo juízo diante do que não pudesse ser comprovado com clareza e evidência, aceitando como verdadeiro apenas o que resistisse a esse exame rigoroso da razão.

Hoje, essa lição é mais atual do que nunca. Diante de um link desconhecido, de um contato que pede transferências urgentes ou de uma mensagem que parece vir do banco ou de um advogado, é preciso aplicar o método cartesiano: “E se não for real?”. Essa pausa racional — entre o impulso e a ação — é o que separa a segurança da fraude.

No mesmo ritmo em que a tecnologia simplifica a vida do cidadão, também se amplia o campo de atuação dos golpistas digitais, que exploram justamente a confiança construída pela conveniência e manipulam a mente das vítimas. Nessa perspectiva, a dúvida torna-se a maior ferramenta no combate a esse tipo de fraude.

Estudos recentes apontam um crescimento alarmante no número de brasileiros que já foram vítimas de algum tipo de golpe digital. O prejuízo não se limita ao valor perdido pela vítima: cada real desviado gera um custo também para empresas e instituições, somando perdas financeiras, horas de trabalho e danos à reputação. Além disso, o dano emocional causado às vítimas é, muitas vezes, difícil de superar, não apenas pelo impacto financeiro, mas também pelo sentimento de culpa e pela vergonha.

Combater crimes cibernéticos exige mais do que rastrear digitalmente ou seguir o dinheiro. É necessário concentrar esforços na prevenção, compreender o comportamento humano, os mecanismos de persuasão e a engenharia social que sustentam a fraude.

Os golpes praticados no meio virtual evoluíram. Não se trata mais de simples mensagens mal redigidas ou falsos sorteios. São operações bem orquestradas, com o uso de dados reais, linguagem convincente, manipulação emocional e uso de inteligência artificial. O criminoso explora a pressa, o medo, a ansiedade e, por vezes, a usura da vítima. Ele sabe que, quanto mais intensa a emoção, menor é a capacidade de raciocínio crítico. Por isso, a dúvida se torna uma virtude.

Descartes buscava a certeza por meio da dúvida metódica. A sociedade deve buscar a segurança digital da mesma forma. Diante de cada pedido de transferência ou pagamento, de cada link, de cada promessa tentadora, a pergunta deve ser sempre a mesma: tenho certeza de quem está do outro lado?

Não há como realizar qualquer ação sem antes submeter a solicitação a diversas etapas de confirmação. E, por óbvio, essas confirmações jamais poderão ser obtidas por meio do próprio interlocutor.

Em sua esmagadora maioria, os golpes só se concretizam com a participação da vítima enganada. O golpista sempre depende de uma ação da vítima — uma transferência, um pagamento, um clique, o fornecimento de um código recebido. Sem isso, o golpe não se consuma. Por isso, antes de realizar qualquer ação, devemos seguir o método cartesiano: o que pode ser posto em dúvida deve ser posto em dúvida, até restar aquilo que subsiste ao crivo.

Enquanto a tecnologia avança, o crime também se sofistica. Assim, é preciso estimular a capacidade humana de pensar criticamente. Esse é o nosso melhor antivírus. Duvidar não é fraqueza — é proteção. E, na era dos golpes digitais, a dúvida cartesiana é, sem dúvida, o mais moderno dos instrumentos de defesa.

Por André Baronto, delegado de Polícia Civil

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