Com aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) desde março, a primeira vacina contra dengue para uso amplo na população não deve chegar ao Sistema Único de Saúde (SUS) tão cedo. De acordo com integrantes do Ministério da Saúde, o imunizante produzido pelo laboratório japonês Takeda ainda precisa passar por análises internas antes de ser incorporado à rede pública, o que pode durar até um ano. Além disso, a prioridade da pasta é para um produto nacional, desenvolvido pelo Instituto Butantan, mas que nem sequer teve a pesquisa concluída.
Batizado de Qdenga, o imunizante japonês teve demonstrada uma eficácia geral de 80,2% contra a dengue causada por qualquer sorotipo e pode ser aplicada em crianças acima de 4 anos, adolescentes e adultos até 60 anos de idade. Com o aval da Anvisa, ele deve ser vendido na rede particular a partir deste mês por valores entre R$ 400 e R$ 500.
Para ser oferecido na rede pública, porém, precisa ser avaliado antes pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec). De acordo com a pasta, o órgão analisa aspectos como “eficácia, efetividade, segurança e impacto econômico da nova tecnologia com base nas melhores evidências científicas disponíveis”. O pedido, segundo a Takeda, será apresentado ainda neste mês.
O secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Complexo da Saúde da pasta, Carlos Gadelha, contudo, afirma que o ministério prioriza implementar no sistema público produções brasileiras, no caso, o imunizante do Instituto Butantan, em desenvolvimento desde 2009. A previsão é que o estudo da vacina nacional seja enviado para análise da Anvisa somente em meados de dezembro de 2024. Na prática, a aprovação deve ficar para 2025.
— Quando a gente pensa em vacinas, é importante destacar o papel central da produção nacional. Hoje, o complexo industrial da saúde é estratégico e ajuda a salvar mais de 200 mil vidas. Por isso, a análise da vacina da dengue segue essa perspectiva de desenvolvimento tecnológico para cuidar das pessoas — afirmou o secretário, responsável por coordenar o processo de incorporação de tecnologias no SUS.
Conforme o último informe semanal do Centro de Operações de Emergências de Arboviroses (COE Arboviroses), o Brasil registrou 1,38 milhão de casos prováveis de dengue até o início de junho, número que supera em 22% os registrados no mesmo período do ano passado. Do total, 15.519 foram casos graves e com sinais de alarme, e 635 resultaram em morte.
‘Pode custar vidas’
Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Alexandre Naime Barbosa alerta que o número de óbitos no primeiro semestre é mais da metade de todas as mortes pela doença registradas em 2022, quando houve 1.016 — o recorde em toda a série histórica desde 1980.
— Isso poderia ser reduzido caso uma vacina fosse implementada. Esperar uma vacina do Instituto Butantan pode custar vidas, principalmente dos grupos mais vulneráveis. O ministério deve ter sensibilidade para entender que essa vacina é necessária o mais imediatamente possível para alguns grupos — disse o infectologista.
Com 79,6% de eficácia, a vacina Butantan-DV é de dose única e indicada para pessoas de 4 a 59 anos, tanto para quem já teve a doença quanto para os nunca contaminados. Apesar de feita para proteger contra os quatro sorotipos do vírus da dengue, ainda não há dados de eficácia para os sorotipos 3 e 4, o que é uma outra preocupação do vice-presidente da SBI.
— Há uma boa perspectiva acerca da vacina do Butantan, mas ainda não existem dados publicados sobre a eficácia contra todos os sorotipos. Por mais que sejamos otimistas, ainda não temos esses resultados de forma palpável — disse.
Dengvaxia
A primeira vacina autorizada no Brasil contra a dengue, a Dengvaxia, do laboratório francês Sanofi, também nunca chegou ao SUS por apresentar riscos a quem nunca tinha pego a doença. Este imunizante está disponível apenas em clínicas privadas e é indicado somente para evitar reinfecções, que costumam ser mais graves.
“Em relação à vacina Dengvaxia, o imunizante demonstrou aumento de risco de agravamento da doença para pessoas soronegativas, ou seja, que nunca tiveram dengue antes. Dessa forma, após discussões com o Comitê Técnico Assessor em Imunizações (CTAI), não houve a recomendação para a implantação do imunizante no Calendário Nacional de Vacinação”, explicou o ministério em nota.
O médico sanitarista Claudio Maeirovitch lembra que a Dengvaxia só foi mostrar problemas após sua aprovação no país, em 2015:
— Naquele momento, a vacina não demonstrava problemas, mas o ministério não tinha ainda concluído por sua indicação. O Paraná resolveu incorporá-la de forma independente, e, algum tempo depois, estudos demonstraram que ela tinha eficácia inferior para um certo sorotipo de dengue. Além disso, as pessoas que não tinham tido dengue anteriormente e recebiam a vacina ficavam com chance maior de ter complicações. Estava fadada a ser uma vacina de pouca adesão — afirmou o especialista.
Fonte: O Globo