ARACAJU/SE, 4 de outubro de 2024 , 0:02:18

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Ex-presidente da Assembleia de Deus em SE é acusado por suposto uso de dinheito dos fieis

O pastor e ex-presidente da Assembleia de Deus em Sergipe, Virgínio de Carvalho, conseguiu multiplicar seu patrimônio em 5.800% nos últimos 10 anos, com a compra de imóveis e carros de luxo que juntos custaram mais de R$ 5 milhões. O pastor foi denunciado pelo ex-tesoureiro Paulo Figueiredo, que trabalhou por 25 anos na igreja.

Em uma live de 2022, Figueiredo acusou Carvalho de ficar com o dinheiro vivo doado pelos fiéis para a Missão Reviver – um trabalho “socioevangelista nos países de Togo, Benin e Burkina Faso” e que “há mais de duas décadas, apoia cristãos e missionários perseguidos por causa da sua fé em Jesus”, segundo define a própria Assembleia de Deus.

Para custear a viagem aos países africanos, todas as congregações da Assembleia de Deus de Sergipe precisavam bater suas metas de vendas mensais de carnês com 10 bilhetes, com valores que variam de acordo com o tamanho da igreja. Cada bilhete sai a R$ 25. No final do ano, os fiéis compravam bilhetes para concorrer a um carro zero quilômetro.

“Trabalhei lá e tenho que responder. Entra mensalmente R$ 200 mil, no sorteio anual mais R$ 600 mil. Quanto vai para a África? Quase nada. Quanto se investe em Sergipe? Nada. A missão paga festas de casamento, restaurantes, paga tudo. Todos sabem disso, todos os pastores da convenção sabem disso”, acusou Figueiredo durante a transmissão ao vivo.

A partir dessa denúncia, o Intercept fez um levantamento dos bens registrados em nome de Virgínio de Carvalho, entre 2012 e 2022. Em Aracaju, há uma mansão de dois andares com mais de mil metros quadrados, além de um apartamento luxuoso de três quartos, com suíte master e banheira de hidromassagem na varanda.

Fora da capital sergipana, o ex-presidente da Assembleia de Deus também adquiriu um flat com vista para as montanhas, em Campo do Jordão, interior de São Paulo. O lugar fica em um condomínio com piscina coberta e aquecida e é descrito em um anúncio como “um castelo no meio do nada”.

Somente esses três imóveis, segundo consta nos documentos de matrícula, custaram R$ 3,6 milhões. Outros R$ 700 mil foram investidos na compra de uma sala comercial num condomínio “símbolo de modernidade e sofisticação” e de uma casa mais simples – três quartos, numa área de 70 metros quadrados –, ambos em Aracaju.

No nome de Virgínio de Carvalho constam ainda dois carros importados. Um deles é um Volvo XC40 Pure Electric, de 2022, cujo valor é de R$ 345 mil. O outro é uma Mercedez Bens, do ano de 2015, avaliada em R$ 139,8 mil.

Riqueza incompatível com o salário

Virgínio de Carvalho tem 70 anos. Filho de mãe evangélica, entrou na Assembleia de Deus ainda jovem. Quando tinha 11 anos, segundo ele mesmo conta em um vídeo, “pregava melhor do que hoje, fazia trabalho de evangelismo nas feiras”.

Em 1989, recebeu um convite para assumir a presidência da Assembleia de Deus de Sergipe, onde ficaria por 34 anos – até as denúncias explodirem no meio gospel e ele renunciar ao cargo. “Eu sabia da responsabilidade que era ser um presidente, não importa presidente de quê. Você vai ser um presidente e vai fazer corresponsabilidade, então não vai ser uma tarefa muito fácil”, explicou na mesma entrevista por vídeo.

Em seus sermões, Carvalho costuma enfatizar o chamado e os pedidos de Deus, como se cada um tivesse uma missão pré-determinada pelo Senhor. Na cerimônia de posse de seu sucessor, o pastor Eleonaldo, ele mencionou aquele que acredita ser seu propósito divino. “Desde os meus 20 anos, Deus me chamou para a obra de missionário. Quando voltei para cá e assumi a presidência, com meus 36 anos de idade, fiquei angustiado e perguntando a Deus sobre isso. Em 2000, chamei todos os meus colaboradores, coloquei dentro de um barco e, no meio do mar, falei do projeto missionário [Missão Reviver]. E, desde esse dia, não parei de ir ao exterior. Meu trabalho, o trabalho [para] que Deus me chamou é [lutar contra o] anticristão, no meio do terrorismo”.

Ao final, ainda citou outra “missão” incumbida a ele, em clara manifestação de intolerância religiosa: “Hoje, estamos onde os maiores macumbeiros do Brasil recebem sua coroação, no Benim. Meu chamado é cuidar dos líderes que estão naquele lugar”.

Os contracheques pagos ao pastor nos últimos anos mostram uma incoerência entre seus gastos e o patrimônio acumulado. Entre 2012 e 2014, o salário de Carvalho passou de R$ 20 mil para R$ 30 mil. Mesmo se considerarmos o valor mais alto, em 10 anos, o missionário teria guardado R$ 3,6 milhões – isso sem uma única despesa ao longo de todo o período. Ainda assim, é um valor inferior aos R$ 5 milhões gastos em carros e casas. E, com exceção do flat em Campos do Jordão, vendido em 2022, os imóveis seguem em nome dele – todos já quitados – e totalizam uma despesa de R$ 6 mil mensais somente com as taxas de condomínio.

Multiplicação do patrimônio

Carvalho tem vivido uma guinada financeira desde 2006. Naquele ano, quando concorreu pela primeira vez ao cargo de senador por Sergipe pelo então PFL, o candidato declarou ser dono de um Celta, no valor de R$ 22,5 mil, e de um Corola de R$ 64,5 mil, além de ter recebido um adiantamento da igreja e ter dinheiro guardado em previdência e consórcio. Juntos, todos os bens somavam R$ 477 mil.

Oito anos depois, quando tentou mais uma vez se eleger, dessa vez pelo PSC, ele declarou ser dono apenas de um Ford Fusion e de uma pequena reserva num fundo de investimento, que somavam R$ 85.895. Àquela altura, no entanto, segundo consta na matrícula do imóvel, ele já era dono de uma mansão no Park Ville Condominium, no bairro de Farolândia, na capital sergipana. Na prestação de contas, o imóvel foi omitido.

O pastor ficou na segunda suplência como senador naquela disputa. E exerceu o mandato em dois momentos: por dois meses em 2016 e por outros dois em 2021.

A bonança coincide com a primeira experiência como político. O primeiro imóvel comprado por Carvalho foi um apartamento mais modesto, de 70 metros quadrados , adquirido ainda na planta. Entre o fim de 2015 e início de 2016, o pastor e a esposa, Rosa Angélica Santos de Carvalho – que também comanda cultos na igreja e recebia um salário de quase R$ 12 mil – desembolsaram R$ 258,6 mil de entrada. Os outros R$ 108,6 mil foram hipotecados. Em 2021, quitaram a dívida.

Ainda em 2016, compraram um flat no Quatre Saisons Residence, em Campos do Jordão, a mais de 2 mil quilômetros da capital sergipana. Pagaram R$ 90 mil de entrada e financiaram os R$ 360 mil restantes. No ano seguinte, somaram à lista de bens uma sala comercial de 50 metros quadrados no condomínio Horizonte Jardins – com uma entrada de R$ 119 mil e um financiamento de R$ 283 mil.

Em 2018, compraram um apartamento de 344 metros quadrados nos Jardins – a “área mais nobre da cidade”, segundo a construtora Senor, responsável pelo projeto do edifício. Nele, o pastor desfruta de uma banheira de hidromassagem em sua varanda gourmet, na suíte master, e pode levar os netos e filhas para as piscinas aquecidas, salas de jogos, quadras poliesportivas, academia, ou para o espaço gourmet com churrasqueira e forno de pizza, que ficam nas áreas em comum do condomínio. Pagou R$ 1,6 milhão, à vista, pelo imóvel.

Nós procuramos o pastor Virgínio de Carvalho, mas ele não respondeu nossas mensagens para comentar as denúncias sobre uso do dinheiro dos fiéis e nem o enriquecimento acelerado que teve nos últimos anos.

Em nota, o advogado da Assembleia de Deus de Sergipe, Edmilson Almeida, informou não haver qualquer “desequilíbrio econômico-financeiro, nem sequer desvios éticos e morais” e que “um único indivíduo, por motivos pessoais, tem levantado acusações difamatórias”.

Ele disse ainda que “a Missão Reviver foi criada para dar apoio aos missionários em áreas de risco, como a África subsaariana, ásia oriental e amazônia brasileira. Desde o seu nascimento, em 2000, todas as atividades realizadas foram devidamente informadas e tiveram suas contas aprovadas pelo conselho competente.”

Após a resposta da igreja, solicitamos ao advogado os documentos que comprovem as atividades realizadas e aprovadas pelo conselho. Ele negou o pedido. “Tanto os relatórios de atividades, quanto as contas aprovadas, são documentos internos, pertinentes apenas aos membros e órgãos internos da associação. Seria uma imprudência a divulgação disto, em virtude de uma acusação sem provas”.

Dois anos após deixar a Assembleia de Deus, o ex-tesoureiro Paulo Figueiredo resolveu denunciar o uso do dinheiro dos fiéis para finalidades que fogem das razões dadas pela igreja.

“Há tempo de calar e há tempo de falar. Anos e anos essa missão vem arrecadando dinheiro sem uma contabilidade, nenhuma contabilidade. Não se sabe quanto entra, quanto sai. A missão é um dinheiro que não passa por contabilidade nenhuma, é entregue em mãos [em espécie] para ele gastar onde quiser”, disse durante a live. Nos comentários, os fiéis endossaram o coro do “eu já sabia”.

“Tem pessoas que, se não venderem o carnê, precisam tirar do bolso ou da feira, porque se não, vocês já ouviram ou não falar no púlpito ‘não aceito que tragam o carnê de volta’? Então, não estou mentindo”, completou o ex-tesoureiro.

A denúncia de Figueiredo foi o ponto de partida, mas não parou por aí. Outros fiéis, de forma anônima, confirmaram ao Intercept a entrega em espécie de todo o dinheiro nas mãos de Virgínio de Carvalho.

Um deles denunciou o pastor no Ministério Público de Sergipe pelo uso de dinheiro dos fiéis em benefício próprio. O promotor João Rodrigues Neto solicitou a instauração de inquérito pela 2ª Delegacia Metropolitana de Aracaju.

Questionado sobre o andamento do processo, o MP, por meio da assessoria de imprensa, disse que “requisitou à Polícia Civil a instauração de inquérito policial para investigação dos fatos” e que “aguarda a realização das diligências necessárias e a conclusão do inquérito para adotar as providências cabíveis”. No mesmo dia em que nos respondeu, o órgão prorrogou o prazo para apreciação da denúncia, ainda aguardando as respostas da delegacia responsável.

O Intercept teve acesso às planilhas de registro das vendas dos carnês. Em 12 meses, os obreiros de todas as regiões do estado levantaram R$ 1,3 milhão somente com a Missão Reviver.

Essa fortuna garantia uma viagem anual do pastor Virgínio de Carvalho para pregar o Evangelho nos países africanos. Na cotação atual, encontramos passagens de ida e volta para Burkina Faso por R$ 10 mil: menos de 8% do orçamento arrecadado no ano consultado.

Mas há outras ações. Num vídeo do ano passado, a Missão Reviver anunciou a distribuição de 2 mil brinquedos, 10 máquinas de costura, uma igreja (de “120 telhas”, como diz o missionário do vídeo, e cujas paredes parecem feitas de taipa) e a construção de uma casa para um morador local. Vasculhamos as redes sociais do projeto – e todas mostram os mesmos feitos: doação de refeições para a população, brinquedos e roupas.

Se comprovada a fraude, o pastor pode responder pelos crimes de apropriação indébita, com o agravante de coordenar os desvios. “Não tenha dúvida que também é um estelionato emocional. Ele usou pressão psicológica com os fiéis, chantagem emocional do temor a Deus. E se a igreja não sabia, ela também foi vítima dele”, analisou o advogado Marco Mejia, especializado em direito criminal.

Fonte: Intercept Brasil

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