ARACAJU/SE, 18 de abril de 2024 , 10:35:41

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Ivan Leite relembra a vida e a obra do pai Jorge Prado Leite

Por Wilma Anjos

Quando se vota num representante político, basicamente o que se considera são suas propostas e ideologias. O que é ignorado por um instante é que por trás dessas figuras públicas, acima de tudo, há o ser humano com suas questões e intimidade. Ivan Leite é ex-deputado estadual e ex-prefeito do município de Estância por dois mandatos. Foi assim que os sergipanos se habituaram a se referir ao estanciano. Mas, assim como qualquer outra pessoa, o engenheiro elétrico tem família e recordações. Memórias estas que ficaram mais acentuadas ultimamente, quando do falecimento de seu pai, Jorge Prado Leite, no mês passado, aos 95 anos. Doutor Jorge, como era chamado, deixou um vasto legado para os sergipanos. Ao falar do pai, Ivan Leite revela também sua própria história, numa conversa leve que teve com o jornal Correio de Sergipe. Confira:

Correio de Sergipe: Abrindo o baú das lembranças, o quem vem em primeiro lugar na sua cabeça quando pensa em Dr. Jorge?

Ivan Leite: Um pai exemplar, que sempre me estimulou e aos meus irmãos Marcelo e Adriana, e aos netos Jorge e Yvette a crescer valorizando a educação e o trabalho. Austero, mas bem humorado, que sorria com frequência, mesmo acamado, com as brincadeiras que a sua nora, professora Adriana Leite, fazia para mantê-lo em alto astral.

 

CS: Conte um pouco sobre sua infância.

IL: Foi muito feliz. Cercada do carinho dos pais e convívio com os primos.

Quando nasci, fiquei na creche da fábrica Santa Cruz, aonde meu pai, Dr. Jorge, era diretor e minha mãe, Angelina, trabalhava.  Era tratado com iguais cuidados e carinhos como todos os filhos dos trabalhadores que lá ficavam.

Minha primeira escola também foi a escola da fábrica Santa Cruz, tendo como professora Lourdes Almeida, ainda hoje amiga da família.

Depois fui estudar no colégio Brasília, em Aracaju, morando por cinco anos, com os tios Baby e Augusto e quatro primos (Sérgio, Ângela, Suzana e Eduardo).

Aprovado no rigoroso exame de admissão do então GA, hoje CA, Colégio de Aplicação, da Universidade Federal de Sergipe, aonde estudei por um ano, e por ser, apesar de bom aluno, um tanto quanto levado, fui aconselhado a mudar de escola. Em decorrência, na pré-adolescência, aos 12 de idade fui morar sozinho na ACM (Associação Cristã de Moços),  em São Paulo, e estudar no Mackenzie. No primeiro ano em São Paulo, morando sozinho, aprendi natação, vôlei, handebol, pingue-pongue, fiz acampamento, comprei um violão DiGiorgio, e é claro que sobrou pouco tempo para estudar (risos). Ao final do ano estava com notas que levariam à reprovação em duas matérias, o que me permitiria ficar em “segunda-época” , estudando durante as férias e poder vir a não perder o ano. Porém, se isto tivesse ocorrido eu não poderia ter vindo nas férias para Sergipe, fazenda, praia, pescarias, não haveria. O que fiz: propositalmente repeti em uma terceira matéria o que levava ao “pau direto”, sem ter que fazer recuperação e consequentemente vir para as férias com meus primos e amigos daqui. Mas, eis que Dr. Jorge não alisou a minha cabeça, deixou-me todo o período de férias em casa, estudando, num merecido castigo, o que era atenuado pelo pavê e limonada que mamãe me dava. Voltando a São Paulo, claro, passei direto, ou seja, quem tinha média acima de oito não precisava fazer as provas finais. Provas estas que ocorriam durante uma semana e após uma semana de intervalo para que, quem as fosse fazer estudasse. Portanto, ao passar direto eu ganhava duas semanas a mais de férias, o que, óbvio, adorei. E então em todos os anos subsequentes no Mackenzie do ginásio e científico fui excelente aluno, passando por média e ganhando mais tempo de férias.

No último ano do científico preparei-me para o vestibular, com extrema dedicação, pois queria entrar na engenharia da Poli-USP-Universidade de São Paulo. Parei de treinar voleibol, no clube Pinheiros, aonde fui campeão estadual interclube, e no Mackenzie que fui campeão colegial. Parei de estudar bateria, de jogar xadrez, e reduzi bastante meu tempo de namoro. Estudava de manhã, de tarde e à noite, de domingo a domingo, sem parar, nem nas férias do meio de ano. Sacrifício este que me recompensou com a entrada na USP.

 

CS: A formação de engenheiro de Dr. Jorge pesou na sua escolha pela Engenharia Elétrica?

IL: Bastante, pois ele sempre adorou a engenharia e apesar de me dar total liberdade para a escolha profissional, foi com naturalidade que surgiu a minha decisão, inclusive pelo acompanhamento dos trabalhos da Sulgipe, distribuidora de energia elétrica por ele fundada.

CS: Aliás, o senhor e seu pai têm bastante coisa em comum; pelo menos profissionalmente. Discordavam ao menos no time de futebol?

IL: Sim, ele torcia pelo Fluminense e eu pelo Flamengo, após, ainda criança, ter sido levado pelos tios Jonir e Carmita a assistir a um jogo no Maracanã. Impossível não virar flamenguista.

 

CS: Presumo que Dr. Jorge o incentivou na carreira política. Como aconteceu?

IL: Meu pai sempre gostou de política, apesar de nunca ter sido candidato. O seu pai, meu avô, Júlio Leite, foi senador por duas legislaturas, e seu irmão, Fernando, deputado estadual e Presidente da Assembleia. Ele nunca se candidatou. Quando retornei de SP, formado em engenharia elétrica e em administração de empresas, minha dedicação foi exclusiva e total ao trabalho durante nove anos consecutivos, sem férias, aqui seguindo uma prática dele de não tirar férias, o que o fez por 50 anos consecutivos.  Quando assistimos ele na casa dele e eu na minha um programa na Tv de Guilherme Afif Domingos foi o que motivou o meu ingresso na política. Com o total apoio e satisfação dele.

 

CS: Os sergipanos, em especial estancianos, são gratos aos feitos dele. Resta algum legado oculto que possa vir a público?

IL:  Sim, ele quando estudante de engenharia civil na Escola Politécnica,  da Universidade de São Paulo, foi presidente do Grêmio da Poli, tendo o sergipano em São Paulo concorrido e ganhado na eleição do Grêmio com o paulistano Paulo Maluf. Como presidente do Grêmio conseguiu a excepcional façanha de construir um prédio de onze andares para servir de residência universitária para os jovens do interior paulista e de outros estados que iam estudar na Poli.  Fato este pouco conhecido em Sergipe.

Já aqui, ao retornar em 1950, tem uma sequência fantástica de realizações: Dirigir a fábrica Santa Cruz desde 1950, trazer energia elétrica de Paulo Afonso para Estância e mais 11 municípios sergipanos e dois baianos. Ser patrono do time de futebol Santa Cruz por 40 anos, penta-campeão do estado, 1956/1960. Foi atuante e intrépido integrante do CONDESE-Conselho de Desenvolvimento do Estado de Sergipe. Fundar a Rádio Esperança, em 1967,  emissora pioneira do interior do estado de Sergipe, inaugurando-a no emblemático dia 1º de maio, em justa homenagem aos trabalhadores. Cursou na primeira turma o curso de jornalismo da Unit. Pioneiro na inseminação artificial de bovinos na região sul de Sergipe. Mantenedor da ETCE-Escola Técnica do Comércio por quase uma década, viabilizando a educação de centenas de jovens. Mantenedor da igreja da Santa Cruz de 1950 até os dias atuais. Proporcionador do primeiro emprego para centenas de jovens, quando sequer falava-se sobre esta necessidade. Ecologista desde o tempo em que a expressão para quem cuidava do meio ambiente era ser chamado de preservacionista, criando uma enorme reserva de Mata Atlântica. Estimulador dos circos mambembes que por aqui passavam. Colaborador e valorizador do artesanato local , tendo seu ápice na saudosa santeira em barro, dona Judite Melo. Criador do festival de música popular nordestina, valorizando o nosso forró, realizado por mais de 30 anos no grande e belo auditório Gonçalo Prado. Descobridor de vários talentos da radiodifusão sergipana ao realizar testes e seleção para novatos, sem experiência prévia, poderem ingressar na rádio Esperança e na rádio Jornal, que também lhe pertenceu. Emissora  de rádio esta, que  quando a vendeu a Dr. João Alves, ao lhe entregar as chaves da emissora, profetizou: “ agora vá ser governador de Sergipe!”.

 

IL: Gostaria de contar uma história pitoresca complementar:

Dr. Jorge X caçadores: Aos finais de semana, após trabalhar durante toda a semana na fábrica Santa Cruz, sendo usualmente os primeiros a chegarem e últimos a saírem, meus pais Angelina e Jorge, percorriam a fazenda Crasto, cujo significado da palavra Crasto em Portugal é “Lugar Vistoso”, acompanhando o plantio do coqueiral que estava em implantação na década de 1960, e fiscalizando qualquer coisa que encontrassem de errado.

Apesar de ter parentes e amigos que gostavam de caçar, o que à época era permitido, ele nunca autorizou ninguém a caçar na mata do Crasto. Muito pelo contrário, combatia ao máximo as incursões de caçadores na fazenda.

Num destes finais de semana ele avistou um Jeep de caçadores parado e os caçadores estavam embrenhados mata a dentro caçando.

Estavam no veículo Rural-Wills, apenas mamãe e ele. O que fizeram: desmancharam um pontilhão que havia sobre uma passagem de água, pontilhão este que era construído com estacas de madeira amarradas por arame. E pegaram todas as estacas e colocaram dentro da rural e levaram embora deixando os caçadores presos sem ter como sair.

Nunca mais estes caçadores voltaram a tentar caçar no Crasto.

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