ARACAJU/SE, 25 de abril de 2024 , 5:04:08

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Máscara desenvolvida pela UFS auxilia no tratamento contra covid

Você já ouviu falar na Spirandi? Esse foi o nome dado à máscara de ventilação não invasiva, que já está auxiliando o tratamento de pacientes infectados pela Covid-19. O equipamento tem o DNA sergipano. Foi desenvolvido pelo professor José Carvalho, do Departamento de Engenharia Elétrica da Universidade Federal de Sergipe (UFS), juntamente com o Grupo de Pesquisa em Instrumentação Eletrônica e com a ajuda de pesquisadores e profissionais externos. O professor Carvalho é formado em Engenharia Eletrônica pela UFS, mestre e doutor em Robótica, pelo programa de pós-graduação de automação em sistema da Federal de Santa Catarina (UFSC) e PhD em Robótica. Todo o seu arcabouço de conhecimento foi bem aproveitado para a criação deste sistema que hoje auxilia hospitais no enfretamento da pandemia em Sergipe e até em outros estados do país. Conversamos com o educador a respeito da máscara e como se dá o seu funcionamento. Acompanhe:

Correio de Sergipe: Como surgiu a ideia da Spirandi?

José Carvalho: Logo quando começou a pandemia me surgiram várias iniciativas para desenvolver uma série de coisas, e dentre uma dessas que eu participei, tinha uma que era para desenvolver um aparelho equivalente a um ventilador mecânico. Tinham outros subprojetos, incluindo um do Helmet, que é um sistema também para ventilação não invasiva. Tivemos contato com essas tecnologias e aí começou a surgir a ideia de desenvolver um sistema que suprisse essa parte. O Helmet tinha problemas para ser usado, principalmente com estruturas mais baixas, como, por exemplo, em leito de enfermaria. O ventilador, além da complexidade, era para uso invasivo. Começou a surgir daí a ideia de se desenvolver um sistema não invasivo. Quem teve a ideia inicial foi o professor Elyson [Carvalho]. Começamos só nós dois, de pouquinho e pouquinho, e somente quando a máscara já estava num nível de desenvolvimento de bastante maturidade foi que introduzimos mais pessoas para nos ajudar em partes específicas.

CS: O projeto incluiu alunos ou só os professores participaram?

JC: A partir do momento que a Spirandi começou a tomar uma fase mais final, a gente iniciou a incluir os alunos. Do final do ano passado para o início deste ano a gente incluiu uma quantidade maior de alunos para ajudar não só na produção e montagem, mas também em todo o aspecto operacional do projeto. Tem a parte de divulgação, e temos alunos que ficam responsáveis por isso. A gente ajuda, mas são eles que ficam à frente. Tem alunos que nos ajudam na parte de compras, obtendo orçamentos e, claro, com a parte de produção de itens e montagem das máscaras.

CS: Além da Spirandi, você tem outros projetos?

JC:  Vários! Mas o que eu realmente estou na coordenação é a Spirandi, que agora é o mais relevante. Mas tem o Vita, que é o equipamento similar a um ventilador. Inclusive o Vita foi de suma importância, porque foi quando tivemos contato com essa parte de fisioterapia respiratória. A gente também tem projetos voltados à Odontologia associados à Covid-19, e outros projetos menores, como por exemplo: a gente trouxe para cá uma Cabine de Isolamento, que também pode ser usada para permitir outras formas de terapia respiratória e geram aerossóis. Não fomos nós quem desenvolveu, mas trouxemos para cá. Também fui coordenador da área de Biomédica do projeto Cuidar, de máscaras Fullface (rosto inteiro). Esse também foi um projeto muito importante, porque a gente acabou obtendo muita informação, muito know-how.

CS: Quem está financiando a Spirandi?

JC:  Doação de pessoas físicas. Tem um projeto maior que uniu UFS aos Ministérios Públicos do Trabalho, Federal e Estadual e a própria Fundação de Apoio à Pesquisa e Extensão de Sergipe (FAPESE), que vem também financiando não só a Spirandi, mas também outros projetos, como o Vita e a Cabine de Isolamento, e também uma série de outros projetos da UFS.
O Dr Emerson é o nosso elo com o pessoal do Ministério Público, mas a gente acaba tendo apoio de outras instituições. O IFS, sobretudo o Laboratório DINOVE, estão produzindo uma peça específica do suporte da máscara. Estávamos produzindo manualmente e é um processo complicado, porque precisava de muito retrabalho. A gente tentou fazer pagando em qualquer canto do país, e não conseguimos.  Eles [o IFS] têm maquinário e usinam para nós. O apoio deles tem sido providencial. Eles produzirão de 250 a 300 peças. Dá para colocar em todas as máscaras e ainda ter um quantitativo para reposição. O pessoal do Senai e da Nardelli também têm ajudado na produção de outro item. A gente entrega o material ao Senai e eles produzem dentro das aulas. Eles aproveitam para ensinar aos alunos. Acaba sendo um pouquinho lento, mas ajuda. A Nardelli é quem está produzindo em maior quantidade. Eles estão fazendo a preço de custo, de energia e de material. O pessoal da FAPESE é quem gerencia o recurso do Ministério Público. A gente não recebe diretamente o dinheiro do MP. Ele vai para a FAPESE e a gente fica em comunicação para fazer a compra. O processo dessa forma acaba sendo lento, mas também vai permitir a montagem de muitas máscaras. Neste caso da FAPESE existe uma parceria que foi feita via UFS, via projeto ‘Tô Com a UFS’, que foi justamente para financiar o projeto. Com o IFS, que é o pessoal do laboratório do DINOVA, a Nardelli e Senai não é nada institucional. Não existe, uma parceria formalizada. A gente como membro do projeto conhece pessoas de e pedimos ajuda. Foi uma coisa simplista. É apenas um pessoal disposto a ajudar.

CS: Com que material é feita a Spirandi?

JC:  Com o know-how que adquirimos, a própria máscara Fullface, do Cuidar, e dentro dos outros projetos que a gente participou, uma das coisas que levou a uma certa demora do desenvolvimento da Spirandi foi justamente em relação aos materiais para o sistema. Tem muitas questões de não oferecer risco ao paciente. A gente tomou muito cuidado em fazer praticamente todo o projeto. Só tem uma peça que a gente de fato fabrica, que ela vai no sistema, mas basicamente todas as peças são de uso médico, são itens que você compra em lojas de produtos hospitalares e para essa área de ventilação. Produtos que já vêm com certificação médica.  Só uma peça mesmo que não teve como, que a gente teve que desenvolver e mandar fabricar. Essa peça é feita em material estéril, inerte, com biocompatibilidade e a única peça que a gente produz que está dentro do sistema. Tem outra peça, que é um suporte, que simplesmente apoia a máscara, mas não vai dentro do sistema. Na verdade ela não entra em contato nem com a pele do paciente, e a gente também fabrica. Essa peça permitiu a gente usar uma máscara bem mais barata dentro do sistema. Resumindo: todo o material do sistema Spirandi é hospitalar padrão para respiração. Apenas o adaptador a gente faz em alumínio aço inoxidável e um suporte para ajudar a fixar a máscara no rosto do paciente que a gente faz em PVC, com padrão de água potável, que são foge desse quadro de produtos hospitalares.

CS: A Spirandi é pioneira no país? A ideia será exportada para outros estados?

JC:  Existiram várias iniciativas que desenvolveram sistemas com o mesmo propósito da Spirandi (ventilação não invasiva). Cada um com suas particularidades, com suas dificuldades, com seus problemas e seus ganhos. A gente construiu a Spirandi pensando nisso. Por exemplo: tem a máscara do Cuidar, do Helmet. Tem sistemas que são mais adaptados a usar com o ventilador. Que a gente conheça, o sistema Spirandi de fato é um modelo que tem inovação, inclusive foi protocalada a patente. Não para comercializar, é mais por proteção da propriedade intelectual, sobretudo porque a gente tem receio de pessoas produzirem de qualquer jeito e levar para dentro de um hospital.
Em relação a ir para outros estados, na verdade ela já está em outros estados. Ela está no Pará e Bahia. Mas a ideia do projeto não é produzir para outros estados. É na verdade dar suporte para que equipes nesses estados consigam produzir por lá. Um exemplo: a gente não conseguiria produzir para Sergipe e Bahia. Precisaríamos de uma infraestrutura enorme. A nossa ideia é mandar um pequeno quantitativo para que eles conheçam e darmos todo o suporte para que eles consigam produzi-la.

CS: Quanto ela tempo levou para ficar pronta?

JC:  Para a gente chegar no estado atual foram cerca de nove, dez meses. Especialmente porque a gente toca vários projetos, tem as nossas responsabilidades dentro da Universidade com os nossos alunos de iniciação científica, então tem uma série de coisas que competem com o nosso tempo. Mas, principalmente, para chegar numa versão que fosse mais simples, mais robusta, e com o máximo de produtos de área já hospitalar. Esse na verdade foi o grande desafio. A gente montou rapidamente a primeira versão e depois fomos ponto a ponto melhorando, vendo outras opções, testava e levava para os profissionais, para eles testarem e nos dar feendback. Esse processo de ajustes foi o que de fato levou muito tempo para chegar no padrão que temos hoje.

CS: Como ela funciona? O paciente pode usá-la em casa?

JC:  Apesar de ter sido inicialmente pensada para o uso antes da intubação, a Spirandi também tem aplicação associada à Covid-19 numa situação posterior. Especificamente para auxiliar o processo de extubação, permitindo que o profissional dê um suporte respiratório ao paciente que justamente foi retirado da intubação e também no desmame de oxigênio. Por ter ficado muito tempo em suporte respiratório, o paciente acaba criando certa dependência de um ar mais rico em oxigênio.
A Spirandi não pode ser usada em casa. Ela foi pensada para ser um sistema simples, usada num leito de enfermaria, com cilindro de oxigênio, mas na verdade a máscara não é um tratamento. Ela é uma ferramenta para um tratamento. Então, sempre precisará de um profissional da área para, não só instalar, como prescrever a terapia. Definindo quantas vezes será usada, os níveis do fluxo de oxigênio, o percentual de oxigênio, e também a pressão interna dentro da máscara que vai ser usada. É preciso um profissional com conhecimento em tratamentos respiratórios. Inclusive, um dos critérios que adotamos para doar a máscara é se dentro da unidade tem pelo menos um profissional com este perfil. A gente vem pensando em outro projeto que ficou para depois, mais voltado para o interior, em capacitarmos o profissional e depois fazer a entrega, porque a Spirandi pode continuar sendo usada mesmo depois do pós-pandemia, para tratamento de síndromes respiratórias gerais.

CS: O estado de Sergipe tem quantas no momento?

JC:  Ela já está sendo usada no hospital São José (6 unidades), Hospital Fernando Franco (5 unidades), HUSE (8 unidades), Unidade de Urgência 24horas do Eduardo Gomes (1 unidade) e UNIMED (1 unidade), totalizando 20 unidades em uso no estado. Temos ainda duas máscaras em Oriximiná, no estado do Pará, e duas em Salvador-BA. Quarta-feira, dia 7, montei mais dez máscara, e no dia seguinte levei mais cinco para o HUSE e pelo menos mais duas para o Fernando Franco. Até o final desta semana esperamos produzir mais 20. Estamos aguardando apenas a chegada de um item.

CS: Vocês pretendem produzir quantas?

JC: Pelo menos 250 unidades.  Temos atualmente uma demanda com base no pedido de 15 Hospitais e unidade de saúde, de 223 máscaras, dos quais atendemos 25. Sabemos que ainda tem hospitais que ainda não solicitaram.

CS: E como é essa a lógica de distribuição?

JC: Temos um formulário no site que deve ser preenchido pelo profissional solicitante, informando a demanda do local que ele trabalha, número de leitos, e desses leitos, quais têm acesso a CO2. Enfim, uma série de perguntas. Com base nesses valores e na infraestrutura que a gente observa no hospital e no número, e isso acompanhamos dia a dia, de ocupação de leitos nos hospitais, é que decidimos para onde as máscaras irão. À medida que fabricamos, definimos para onde elas irão.

CS: Qual o custo de se montar uma máscara dessa?

JC: Estava em torno de R$ 320,00 e R$ 330,00. Os preços vêm aumentando dia a dia, inclusive tem sido uma dor de cabeça enorme, porque a gente faz um orçamento, e quando vai comprar já não é mais o mesmo valor e temos que pedir outro orçamento. Os orçamentos estão sendo entregues muitas vezes com prazo de validade de um dia, porque no outro já pode ter aumento. Antes tínhamos orçamentos de 30 dias. Hoje leva cerca de 3, 4, 5 dias para mudar. Na verdade, daqui a cinco dias eu já não vou ter como fazer mais a esse preço [R$ 320,00-R$330,00]. Estou com histórico antigo, mas na hora que eu fizer a compra eu sei que será mais caro.

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