Desde 2016 que o projeto Pré-Natal da Adoção vem sendo desenvolvido em Sergipe, na capital e em Itabaiana, na região do agreste, pela pesquisador do Laboratório de Planejamento e Promoção da Saúde do Instituto de Tecnologia e Pesquisa (LPPS/ITP), a doutora Marlizete Maldonado Vargas. A ação é pioneira no estado e realizada de forma voluntária e não possui financiamento.
Trabalhando como pesquisa, ensino e intervenção preventiva nos temas abandono, adoção e acolhimento institucional, Marlizete Maldonado percebeu que o processo para receber uma criança que fora gerada por outrem contém uma série de questões delicadas que começam mesmo antes de o fato ser consumado, e que impactarão fortemente após o convívio familiar. Por conta disso, ela teve a iniciativa de desenvolver o projeto.
O curso possui carga-horária de 16 horas, quatorze a mais que o realizado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe (TJSE) sobre adoção, e é destinado às pessoas que já tiveram o cadastro de pretendente aprovado pelo Poder Judiciário.
“Um dos nossos objetivos é trabalhar com a expectativa quanto ao ato de adotar e a criança que será recebida, para que não tenham a ideia romantizada de que serão felizes para sempre, porque este não é um caminho fácil. Por isso, atuamos para desmistificar a adoção com dinâmicas e algumas atividades, inclusive modelagem com massinhas. O passo seguinte é a ressignificação do ato”, explicou a pesquisadora do ITP.
Os aspectos legais da adoção também são trabalhados durante o encontro, tema que é abordado por um advogado. Outro assunto que ganha destaque é a questão dos preconceitos e como lidar com eles; e o que são as adoções tardia e necessária. “Ainda existem muitos mitos e preconceitos sociais com relação a este assunto, e os futuros pais devem saber como lidar com a sociedade, como agir para proteger os filhos. Afirmações e frases do tipo: ele não vai esquecer os pais biológicos e, vai ter dificuldade de aprendizagem, são lendas que precisam ser exterminadas”, declarou a doutora Marlizete Maldonado.
Para ilustrar a questão do preconceito social, ela relembra a história de um casal branco que adotou uma menina negra e a mãe, como forma de proteção à criança, disse nunca sair de casa com a pequena usando roupas simples, com o cabelo desarrumado e com chinelinhos. “Ela tem medo que a confundam com alguém que estaria nas ruas, que não tem pais. Esta foi uma das maneiras que a mãe encontrou para impedir que a filha sofra abuso psicológico”, enfatizou a pesquisadora.
Adoção necessária
“Antes era buscada a criança idealizada por casais sem filhos para formar a família, agora é buscada a melhor família para a criança que precisa de um lar”. Esta é a explicação da Dra. Marlizete Maldonado sobre o que é a adoção necessária, tipo surgido após a 2ª Guerra Mundial para abrigar os órfãos do combate. No universo das 9.553 crianças e adolescentes com idade até 17 anos cadastradas para serem adotadas, 7.259 possuem idade acima de quatro anos; 5.288 têm irmãos e 2.456 possuem problemas de saúde (alguns já citados neste texto). Estes três grupos de crianças e adolescentes integram a adoção necessária.
A pesquisadora do Instituto de Tecnologia e Pesquisa lamenta o fato de esse tipo de adoção continuar sendo bastante necessário, como mostram os cursos por ela realizados, onde os participantes chegam com um perfil de filho que muitas vezes não contemplam os que estão esperando para serem adotados.
Segundo ela, o curso Pré-Natal da Adoção tem conseguido mudar, aos poucos, esse paradigma. De 2016, quando o projeto foi iniciado, até este ano de 2019, cerca de 90 pessoas participaram e, deste total, 56%, após o curso, pensaram em mudar o perfil. Ela relembrou que 46% dos pretendentes que fizeram o Pré-Natal da Adoção, independente de serem casais héteros ou homoafetivos, de serem homens ou mulheres solteiros, queriam um bebê porque seria o primeiro filho.
“Entendam, não queremos incutir no pensamento das pessoas que elas devem mudar e adotar crianças maiores quando o desejo é exercer a maternagem, que é o ato de atender amorosamente às necessidades de um bebê. Não podemos desvalorizar esse desejo, apenas mostramos que ser pai ou mãe vai além da questão idade, e que tem muita criança e adolescente precisando do amor que eles têm para dar. Por outro lado, sabe-se que nem sempre existem pessoas disponíveis ou em condições de fazer uma adoção necessária. Há uma série de fatores imbricados no processo de vinculação, e na adoção tardia é preciso que os pais sejam refratários para lidar com as condutas agressivas e/ou regressivas que os filhos costumam apresentar nesse processo. Para ser refratário e dar amor incondicional, esses adultos precisam estar muito bem com eles mesmos”, analisou Marlizete Maldonado.
Para os que conseguem realizar o sonho da adoção existe um grupo de acompanhamento, cujos encontros são realizados no Acalanto, parceiro do Projeto, e que também dá suporte nos casos em que há dificuldades de adaptação. A pesquisadora integra o grupo de psicólogos que faz atendimento voluntário na instituição pós-adoção. “É importante preparar as crianças para que elas elaborem as perdas dos vínculos familiares anteriores e, desta forma, consigam fazer vinculações mais saudáveis com as novas figuras parentais, o que é essencial para o sucesso do processo de filiação psicológica, que pode, ou não, coincidir com o processo legal”, comentou a psicóloga.
Levantamento
No Brasil, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) existem, atualmente, 9.553 crianças e adolescentes com idade até 17 anos cadastradas e aptas para serem adotadas. Na outra ponta dessa história estão 46.118 pretendentes cadastrados, ou seja, há quase cinco vezes mais pessoas querendo adotar que a quantidade de quem necessita de um lar. Mas, então, por que essa conta nunca fecha? Por que ainda existem tantas crianças e adolescentes vivendo nas diversas casas de acolhimento espalhadas pelo Brasil? Um dos motivos é o fato de muitos pretendentes terem os futuros filhos idealizados e, na maioria dos casos, não abrirem mão desse ideal de herdeiro.
Para entender melhor essa situação, utilizamos dados do CNJ. Levantamento realizado pelo Conselho mostra que, dos mais de 40 mil pretendentes, 6.724 só querem crianças brancas, sendo que das pouco mais de nove mil que precisam de um lar, 66,77% não têm pele clara. Quase 77% dos que desejam um filho adotivo querem crianças com até cinco anos de idade, embora até esta faixa etária estejam na fila aguardando adoção apenas 28,36% do total de cadastrados; 12.404 dos pretendentes querem apenas meninas, mas, deste gênero, só estão aptas para adoção 4.470. Sessenta e dois por cento dos que anseiam por um filho, ou seja, 28.563 pessoas não aceitam adotar irmãos, mas, 5.288 das crianças e adolescentes cadastrados os têm.
Outro ponto que chama a atenção é a quantidade de futuros papais e mamães que não aceitam filhos com algum tipo de problema de saúde preexistente: 28.133. Em contrapartida, a quantidade de candidatos com diagnóstico conhecido é de 2.456, e deste total, 93 têm HIV, 333 possuem deficiência física, 790 mental e 1.240 algum outro tipo de deficiência. Trezentas e duas crianças têm irmão gêmeo, o que acaba sendo um empecilho para elas, pois, 29.630 pretendentes não querem adotá-los nesta condição.
Do total de crianças aptas a irem para novos lares, 1.414 estão no Nordeste e 66 delas em Sergipe, onde 505 pessoas aguardam pela oportunidade de exercer a maternagem, como informou a doutora Marlizete Maldonado.
Fonte: Ascom ITP