Cinquenta e seis pessoas, entre elas dez adolescentes com idades entre 14 e 17 anos, foram resgatadas em condições análogas à escravidão em duas fazendas de arroz no interior de Uruguaiana, na fronteira Oeste do Rio Grande do Sul, a 630 quilômetros de Porto Alegre.
É o segundo caso de trabalhadores mantidos em condições degradantes em menos de um mês naquele Estado. Em fevereiro, 150 pessoas foram encontradas em condições semelhantes em Bento Gonçalves, cidade turística conhecida por atrair milhares de visitantes pelos seus vinhedos.
Os trabalhadores foram contratados por uma empresa para prestar serviços às vinícolas Aurora, Garibaldi e Salton, que concordaram em pagar indenizações de R$ 7 milhões após acordo com o Ministério Público do Trabalho.
Relatos de agressão física contra trabalhadores resgatados no RS são os primeiros desde 2000. No caso de Uruguaiana, as pessoas foram localizadas após uma operação conjunta entre o Ministério Público do Trabalho (MPT), o Ministério do Trabalho e Emprego e a Polícia Federal, na tarde de ontem.
Um grupo de homens foi flagrado fazendo o corte manual do arroz vermelho e aplicando agrotóxicos sem equipamentos de proteção. Chegavam a andar vários quilômetros, por pelo menos 50 minutos, para chegar aos locais de trabalho.
Segundo dados divulgados após a fiscalização, trata-se do maior resgate já registrado em Uruguaiana. “Era um trabalho penoso, ficavam no sol, sem chapéu, sem luvas, sem alimentação, sem água potável, muitas vezes tinham que andar descalços durante mais de 50 minutos. Tinham contato direto com produtos tóxicos”, declarou à “Globonews” o procurador do trabalho Hermano Martins Domingues, que atuou no caso com a procuradora Franciele D’Ambros.
A operação foi realizada nas fazendas Santa Adelaide e São Joaquim, após uma denúncia anônima informar a presença dos jovens na propriedade, em trabalho irregular e sem carteira assinada. O grupo de fiscalização foi até o local e encontrou os jovens e mais 46 trabalhadores adultos em situação análoga à escravidão.
Segundo o MPT, todos eram da própria região, vindos de cidades como Itaqui, São Borja, Alegrete e da própria Uruguaiana. Segundo contaram aos procuradores, eles foram recrutados por um “gato”, como são chamados os agenciadores de mão de obra para a lavoura.
A fiscalização constatou que eles faziam o corte manual do arroz vermelho com instrumentos inapropriados. Muitos usavam uma faca doméstica para o trabalho. Também foi constatado que o grupo era obrigado a aplicar agrotóxicos com as mãos, sem luvas ou outra proteção qualquer.
As vítimas contaram aos fiscais que recebiam R$ 100 por dia, mas precisavam preparar sua própria comida, que, sem geladeira, muitas vezes estragava com o calor. Os trabalhadores resgatados disseram que quando isso acontecia eles não recebiam outra alimentação durante todo o dia.
Os donos das fazendas não foram encontrados. O responsável pelo agenciamento foi preso em flagrante pelo crime de “redução à condição análoga a de escravo” prevista pelo artigo 149 do Código Penal. O nome do acusado não foi divulgado e ele será levado ao a uma unidade do sistema penitenciário.
Já os trabalhadores vão receber imediatamente três parcelas de seguro-desemprego. Os empregadores serão notificados para assinar a carteira de trabalho dos resgatados e pagar as devidas verbas rescisórias. Também será pedida indenização por danos morais. Os trabalhadores voltaram para suas casas.
A região de Uruguaiana produz 32% da safra de arroz do Estado.
FONTE: VALOR ECONÔMICO