ARACAJU/SE, 2 de abril de 2025 , 6:08:58

Entenda como cortes de gastos pelo governo dos EUA podem afetar produção científica no Brasil

 

O presidente Donald Trump anunciou, em fevereiro, que faria cortes significativos nos gastos com ciência nos Estados Unidos. A medida foi comunicada na presença do bilionário Elon Musk, nomeado chefe do Departamento de Eficiência Governamental, e tem como objetivo gerar uma economia de US$ 1 trilhão (cerca de R$ 5,7 trilhões) no orçamento americano.

A decisão foi recebida com surpresa e apreensão pela comunidade científica. Pesquisadores ouvidos pelo Metrópoles, de instituições brasileiras reconhecidas pela qualidade da produção intelectual, disseram estar atônitos com o anúncio.

Os EUA são reconhecidos como líderes no investimento em pesquisa, trabalhando em parceria com cientistas de todo o mundo — tanto os que fazem intercâmbio no país, quanto os que atuam à distância em colaboração.

“É o centro mais pujante de pesquisa do mundo, e o que temos mais vínculos acadêmicos. Cortes afetam muito os grupos de pesquisa das universidades brasileiras”, afirma Amâncio Jorge de Oliveira, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI-USP) e coordenador do Centro de Estudos das Negociações Internacionais (Caeni) do IEA/USP.

“O impacto é negativo porque muitos dos estudos financiados por entidades norte-americanas envolvem colaborações com pesquisadores brasileiros ou abordam temas que são relevantes para o Brasil. Um freio nessas pesquisas vai nos trazer prejuízos”, afirma o professor Olival Freire, diretor científico do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

As medidas anunciadas por Trump foram implementadas através de uma série de ordens executivas e propostas orçamentárias que afetaram diversas agências federais e instituições de pesquisa como:

– Fundação Nacional da Ciência (NSF, na sigla em inglês): agência governamental independente que promove a pesquisa e educação em todos os campos da ciência e engenharia.

– Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA): agência que estuda e monitora o oceano, a atmosfera e as regiões costeiras foi uma das mais afetadas. Estima-se que 10% dos funcionários tenham sido desligados no início de março.

– Institutos Nacionais de Saúde (NIH): principal órgão de financiamento de pesquisa médica nos EUA.

Vários estudos do NIH, por exemplo, envolvem colaboração brasileira ou são realizadas diretamente com equipes brasileiras. Freire cita como exemplo a Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (UFB), onde equipes fazem pesquisas financiadas pelo NIH, estudos conjuntos com equipes americanas ou conduzem pesquisas exclusivamente por equipes brasileiras.

“Nós ainda não sabemos a extensão desses cortes, mas todas essas pesquisas estão sob ameaça”, diz o diretor científico do CNPq.

Saída da OMS

No dia em que tomou posse para o segundo mandato, em 20 de janeiro, o presidente norte-americano anunciou que retiraria os EUA da Organização Mundial da Saúde (OMS). Uma das justificativas foi o investimento desproporcional ao de outros países membros. O país é o maior doador da agência de saúde pública da União das Nações Unidas (ONU).

Novos estudos já mostram que oito países podem ficar sem estoques para tratamentos contra o HIV nos próximos meses sem o financiamento dos EUA. Além disso, um estudo da OMS publicado na revista The Lancet HIV, na quarta-feira (26/3), estima que 10,75 milhões de novas infecções e 2,9 milhões de mortes serão registradas até 2030 se o financiamento não for restaurado ou substituído.

Para Paulo Buss, diretor do Centro Colaborador da Opas/OMS para Diplomacia em Saúde Global Cooperação Sul-Sul da Fiocruz, o presidente Donald Trump optou pelo isolacionismo dos EUA e desmantelamento da globalização, negando a tradição americana de manter a paz, a segurança, os direitos humanos e o desenvolvimento.

“Ele sai do Acordo de Paris, do Conselho dos Direitos Humanos, faz uma ordem para que todas as agências e programas de estudos das Nações Unidas sejam esquadrinhadas para ver se estamos de acordo com a política dele. Não são decisões tomadas pelo Congresso ou pelo coletivo de dirigentes da Casa Branca. É ele dizendo não ao que não está de acordo com seus pensamentos”, avalia Buss.

Reflexos em diferentes setores da pesquisa brasileira

O diretor científico do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico do CNPq, Olival Freire, acredita que ainda seja cedo para estimar o tamanho dos impactos da nova política do governo norte-americano. Mas acredita que as áreas da saúde, clima e poluição terão repercussões nocivas para a sociedade em “curtíssimo prazo”.

Os cientistas temem que os impactos dos cortes no financiamento americano chegue também às instituições que não são estatais, de diferentes setores. Um exemplo é a Fundação Bill e Melinda Gates, que tem colaboração regular com o Brasil, contribuindo com pesquisas de uso de inteligência artificial na área da saúde, por exemplo.

“O impacto não é restrito à ciência norte-americana, ele certamente tem impacto na ciência e na sociedade brasileira”, completa Freire.

Novas parcerias

O professor Amâncio Jorge de Oliveira, da USP, lamenta a situação, mas acredita que este é o momento de fazer um debate amplo no Brasil a respeito das oportunidades de fortalecimento de parcerias com outros polos científicos. Sem o financiando dos Estados Unidos, as instituições terão que se unir para seguir com as pesquisas.

“Tem riscos, coisas dramáticas, mas também abre oportunidades de novas parcerias e de um papel de protagonismo das universidades brasileiras nesse debate. Elas têm que se preparar para esse mundo e precisamos ter políticas específicas para saber como reagir”, considera.

Fonte: Metrópoles

 

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