Facções criminosas têm aproveitado a digitalização financeira e brechas regulatórias para ampliar e sofisticar a lavagem de dinheiro. A informação é do relatório “Lavagem de Dinheiro e Enfrentamento ao Crime Organizado no Brasil”, feito pelo Instituto Esfera de Estudos e Inovação, da Esfera Brasil, em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
O documento reúne dados e informações sobre a atuação do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), e mostra que os setores financeiros mais usados para lavagem de dinheiro são fintechs, casas de apostas online e criptoativos.
Embora legais ou parcialmente regulados, o relatório aponta que esses novos mercados “vêm sendo progressivamente explorados por organizações criminosas para fins de movimentação e ocultação de recursos ilícitos, desafiando os mecanismos tradicionais de controle e fiscalização financeira”.
O Coaf registrou aumento de 766,6% nas comunicações de operações suspeitas entre 2015 e 2024. Em 2024, as categorias tráfico de drogas e facções criminosas representaram 48,5% dos crimes citados nas comunicações do Coaf.
“Os últimos anos têm revelado uma crescente sofisticação nas estratégias de ocultação de patrimônio e de lavagem de dinheiro destes grupos [facções criminosas]”, diz Pierpaolo Bottini, presidente do Conselho Acadêmico do Instituto Esfera e advogado criminalista.
Fintechs
A rápida expansão das fintechs gerou um desafio regulatório que possibilita que o setor seja usado pelo crime organizado, aponta o relatório. Atualmente, apenas as fintechs de Sociedades de Crédito Direto (SCD), Sociedades de Empréstimos entre Pessoas (SEP) e Instituições de Pagamento (IPs) estão sujeitas à supervisão do Banco Central (BC).
A Operação Hydra, deflagrada pelo Ministério Público de São Paulo e pela Polícia Federal em fevereiro deste ano, por exemplo, mostrou que duas fintechs receberam cerca de R$ 6 milhões de integrantes da facção Primeiro Comando da Capital (PCC) e repassaram para contas laranjas.
O relatório conta que existem duas principais estratégias usadas pelas organizações criminosas por meio das fintechs, as “contas gráficas” e as “contas bolsões”.
As “contas gráficas” são contas correntes usadas como se fossem pessoais, mas que estão vinculadas ao CNPJ da fintech e hospedadas em bancos tradicionais, o que blinda a conta de bloqueios judiciais e investigações.
Já as “contas bolsões” são quando a fintech deposita valores de vários clientes em uma única conta bancária, sem separação de titularidade no sistema. Assim, só a fintech sabe quanto é propriedade de cada usuário, tornando mais difícil o rastreio por órgãos estatais.
Bets
O mercado de apostas online, conhecidas como bets, cresceu de forma desordenada e sem nenhum tipo de supervisão estatal, diz o relatório. Isso deu margem para que as bets sejam usadas em práticas ilegais, incluindo a lavagem de dinheiro.
A Operação Primma Migratio, deflagrada pela Polícia Federal em abril de 2024, por exemplo, indicou que o PCC movimentou mais de R$ 300 milhões de reais em apostas esportivas. “O PCC teria estruturado um rentável esquema de tráfico de drogas e armas e exploração de jogos de azar, lavando o dinheiro oriundo do crime no jogo do bicho e em apostas esportivas e utilizando-o para corromper agentes públicos”, diz o documento.
Criptoativos
Os criptoativos também estão sendo amplamente usados por organizações criminosas para lavagem de dinheiro, aponta o relatório, devido a sua baixa e recente regulamentação. As moedas digitais são usadas pelas facções para fazer transações rápidas sem intermediários bancários, o que dificulta o rastreamento.
O documento aponta como fragilidades dos criptoativos a regulamentação ainda em fase de construção pelo BC, a falta de mecanismos plenamente implementados para o reporte de operações suspeitas e a falta de fiscalização contínua de transações em blockchain e plataformas P2P (plataformas em que as pessoas interagem diretamente, sem intermediação de instituições financeiras). Além disso, o relatório também destaca a falta de uma estrutura dedicada à supervisão de criptoativos.
Fonte: Valor Econômico