ARACAJU/SE, 23 de outubro de 2024 , 6:38:58

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Documentário feito em Sergipe tem pré-estreia nesta sexta, 7

O documentário “Zé de Julião, muito além do cangaço”, novo trabalho do cineasta Hermano Penna, ganha pré-estreia nesta sexta-feira, 7 de outubro, em Aracaju, no Cine Vitória. A sessão especial, às 19 horas, terá a presença do diretor, que realizou seu filme na cidade sergipana de Poço Redondo.

 

Em “Zé de Julião, muito além do cangaço” – que já estreou em São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Porto Alegre e Brasília –, Hermano Penna faz um curioso exercício: trata de forma documental um mesmo personagem já retratado por ele em uma obra de ficção. Zé de Julião foi um jovem rico que se tornou cangaceiro nos anos 30, depois um pequeno empreiteiro no Rio de Janeiro e, nos anos 50, líder político em sua cidade natal, Poço Redondo (SE), quando enfrentou os coronéis locais e pagou caro por isso. O personagem também foi o protagonista do ficcional “Aos ventos que virão” (2014), com o nome de Zé Olímpio, interpretado por Rui Ricardo Diaz.

 

“Ouvi pela primeira vez a história desse homem ser contada pelo meu amigo Alcino Alves, historiador”, lembra Hermano. “Com ela, o coletivo cangaço tomou outras dimensões para mim e comecei a ver as individualidades, a riqueza de motivações, a dimensão de sua cegueira e seu poder de criação, o fascínio dessa manifestação sobre os jovens sertanejos. Poucas vidas, na grande gesta sertaneja, representa tão bem essa minha visão do cangaço como a desse personagem".

 

Antes de completar 20 anos, José Francisco do Nascimento, filho de um grande proprietário de terras de Sergipe chamado Julião – daí, o apelido do personagem – entra para o cangaço com sua esposa, Enedina. Após o cerco policial em Angico, em que morreram Lampião e outros cangaceiros, entre os quais Enedina, Zé de Julião foge para o Rio de Janeiro e refaz sua vida, onde torna-se pequeno empreiteiro de obras. Lá, o admirador apaixonado de Luiz Gonzaga e amante de ternos de linho branco e gravatas passa a torcer para o Vasco da Gama e ler com frequência a famosa revista O Cruzeiro. 

 

Anos depois, Zé de Julião volta para sua terra para assumir os bens deixados pelo pai, quando entra na política e torna-se o chefe do PSD na região.  Mesmo perseguido pela feroz reação dos coronéis locais, candidata-se a prefeito da pequena Poço Redondo, mas vê sua vitória eleitoral se transformar em derrota por uma manobra de seus adversários políticos. Volta para o Rio e logo parte para participar da construção de Brasília.

 

"Outra razão do meu fascínio”, continua Penna, “é que na vida desse homem se cruzam dois grandes símbolos do inconsciente de nossa gente: o Cangaço e Brasília. O cangaço representa a violência cega contra a opressão; Brasília, como símbolo de um país que espera um dia ser uma nação democrática para todos, onde a cidadania seja um bem comum e a violência ceda ao encontro e à convivência entre as diferenças". 

 

Na eleição seguinte, Zé de Julião retorna a Poço Redondo e de novo se candidata a prefeito.  Com a violenta e corrupta política de dominação da UDN, outro juiz impede que os eleitores do PSD se pronunciem eleitoralmente. A ira faz com Zé de Julião retorne ao cangaço: no dia da eleição, invade Poço Redondo com mais de 100 homens armados, rouba e queima as urnas. A imprensa passa a chamá-lo de "o cangaceiro". Perseguido, acaba sendo assassinado em 1961, num crime ainda envolto em mistério.

 

“A vida desse homem também escancara a fragilidade das nossas instituições e, muito especialmente, da Justiça brasileira”, considera Penna. “Zé de Julião foi uma vítima de uma Justiça manipulada e domada pelos donos do poder de ocasião. Sua história nos mostra que aquilo que chamamos de destino não passa da mão invisível da grande história, com H maiúsculo. É ela que dá rumo às nossas vidas; não como marionetes, pois nos debatemos com nossas vontades, desejos e sonhos, mas é ela a sombra que nos conduz, saibamos ou não, queiramos ou não".  

 

E por que retomar, em um documentário, o mesmo personagem que já tratara na ficção? Para Hermano, "um filme de ficção sempre tem sua verdade própria. No caso do ‘Aos ventos que virão’, é uma história que eu conto. Já o documentário é a história contada por outros. E, como alguém já disse, a história é o que contamos do passado e nunca o que aconteceu. No documentário, corremos o mesmo risco de estarmos longe dos fatos. Mas nele, a história é de muitos e com ela podemos saber que futuro desejam”.

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