Em 2024, o início da migração japonesa para o Brasil completa 116 anos. O processo ocorreu em diversas levas migratórias e foi incentivado tanto pelo governo japonês quanto pelo brasileiro. O navio Kasato Maru desembarcou os primeiros 781 imigrantes japoneses, em 18 de junho de 1908, no porto de Santos.
Com o tempo, o fluxo cresceu a ponto de tornar a colônia japonesa em São Paulo a maior fora do Japão. A crise econômica no Japão era grande e eles vinham pensando em permanecer algum tempo, ficar ricos e voltar. O governo brasileiro e os fazendeiros estavam preocupados em substituir a mão de obra dos escravos. Divulgavam maravilhas para atrair a japonesada. A propaganda da época mostrava árvores que davam ouro, numa alusão ao café. Mas eles entendiam literalmente. Acreditavam porque essas informações eram propagadas no idioma deles pelo governo japonês. Foram enganados!
A psicóloga Mary Yoko Okamoto, professora da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista (Unesp), realizou intensa pesquisa sobre a imigração entre Brasil e Japão e concluiu, em seu pós-doutorado sobre o tema, que a imigração japonesa foi sui generis. Ao contrário dos italianos, espanhóis, alemães, libaneses e tantos outros que decidiram trocar suas terras de origem pelo Brasil, os japoneses não tinham intenção de se fixar.
“Eles queriam ficar ricos e voltar”, afirma a professora Okamoto, com a autoridade de quem pesquisa o assunto há mais de duas décadas e já entrevistou centenas de japoneses e descendentes. “Tanto é que eles pretendiam voltar que, em geral, decidiram criar seus filhos como japoneses”, observa, acrescentando que eles se fecharam em torno de suas associações nipônicas, os chamados kaikans (kai significa reunião, kan local, prédio).
Empreender a volta não era uma tarefa fácil. Primeiro porque a ideia das arvores que diziam dar ouro era falsa. E a maioria dos que vieram nem sequer eram agricultores. O sonho de voltar ao Japão só terminou mesmo com o fim da Segunda Guerra Mundial. Não tinha mais o Japão para voltar. O país ficou completamente destruído.
O jornalista e escritor Fernando de Morais conta, em seu livro-reportagem “Corações Sujos”, que, após o fim da Segunda Guerra Mundial, alguns dos cerca de 200 mil imigrantes japoneses que viviam no Brasil não acreditavam na derrota do Japão. Fanáticos da seita nacionalista Shindo Renmei aterrorizavam a colônia japonesa recusando-se a aceitar a notícia da rendição do país. A polícia e o exército precisaram fazer intervenções em cidades como Tupã e Oswaldo Cruz para conter a onda de violência. Para seus seguidores, a notícia da rendição não passava de uma fraude dos países aliados. Isso acabou levando à morte de 23 imigrantes e deixando cerca de 150 feridos. Em um ano, mais de 30 mil suspeitos dos crimes foram presos, 381 condenados e 80 deportados para o Japão.
Caminho da volta, a história se repete
Dizem os historiadores que a história é cíclica, ou seja, ela se repete de ciclos em ciclos. Seja verdade ou não, o fato é que no início da década de 1980, quando o Brasil passava por crises, ocorreu o movimento migratório inverso. Brasileiros, descentes de japoneses, começaram a emigrar tendo como destino o Japão.
Para atender as famílias dos chamados decasséguis, nos anos 1990 o Ministério da Educação firmou convênio com o seu equivalente japonês para instalações de unidades de ensino com o currículo brasileiro e aulas majoritariamente em português. Em 1995 eram cinco escolas. Em 2008, o número chegou a uma centena. Depois esse número caiu e em 2023 eram 33 escolas homologadas. Isso significa que quem estuda em uma dessas escolas está apto a prestar o vestibular em qualquer faculdade do Brasil. Em comum, há o desejo de um dia voltarem ao Brasil. E por isso preparam seus filhos para estarem aptos a viver em terras brasileiras.
Japoneses aqui, estrangeiros lá
O geógrafo e professor brasileiro Milton Sato, quando terminou sua graduação em 1989, resolveu morar no Japão. E lá ficou. Ele informa que a comunidade brasileira, basicamente formada por nipodescendentes, marca uma verdadeira expressão cultural em muitas cidades da Terra do Sol Nascente. Se os primeiros imigrantes fundaram no Brasil associações para ensinar japonês a seus filhos, agora é a vez de os brasileiros fazerem o contrário.
“Aqui na minha região, a quantidade de brasileiros é muito grande. Temos restaurantes, lojas que vendem produtos brasileiros e muitos importadores de qualquer coisa que queiramos do Brasil”, relata Sato para o jornalista Edison Veija, do Jornal da Unesp. A jornalista Fátima Yamamoto Kamata, que trabalhou anos atrás no jornal Diário da Região, de São José do Rio Preto, complementa informando que é possível encontrar escolinhas de futebol, futsal, voleibol, academias de dança, jiu-jitsu, capoeira, supermercado, restaurantes, bares, salões de beleza, oficinas mecânicas, serviço de transportes, bancos e um sem número de estabelecimentos dirigidos por brasileiros no Japão.
“Há vários brasileiros donos de fábricas de embutidos, congelados de uma infinidade de itens da culinária tradicional brasileira, padaria e até queijaria, com queijo mineiro e requeijão. Diria que temos um pouco de tudo do Brasil no Japão”, afirma Fátima Kamata. Ela reside no país desde 1995, na cidade de Kawasaki, perto de Tóquio. Foi uma das imigrantes que pretendiam passar lá por um determinado período e logo voltar para o Brasil. Mas já se passaram 29 anos e provavelmente Fátima não volta mais.
Assim como Fátima, os brasileiros hoje têm perfil de imigrantes, e não mais de trabalhadores temporários. Muitos compraram casa própria, com financiamentos de 35 anos, os filhos cresceram, casaram e formaram a família no Japão. O Brasil é hoje a quinta maior comunidade estrangeira no Japão, atrás dos chineses, vietnamitas, coreanos e filipinos. Há também muitos peruanos, que migraram para lá incentivados pelo ex-presidente Alberto Fujimori.
Outro exemplo de brasileiro bem sucedido no Japão é do paulista Bruno Masuzake Albino. Nascido em Parapuã, mas criado em Rinópolis, chegou no país asiático pensando em ganhar dinheiro e logo voltar para a terra dos seus pais. Montou uma charcutaria, onde comercializa bacon e linguiça calabresa, entre outras coisas brasileiras. Ele se tornou empresário em Toyohashi, a 300 km de Tóquio. Seu foco, claro, é a grande comunidade brasileira.
Há oito anos no Japão, trabalhando numa fábrica de amortecedores, Flávio Gonçalves, nascido e criado em Rinópolis, foi para lá com a esposa Lidiane Yamashita e com o filho Theo, quando este tinha 1 ano de idade. A intenção era ganhar dinheiro e voltar em pouco tempo. Mas em 2020 nasceram as gêmeas Liz e Maya. Veio a pandemia do coronavírus, que fechou os aeroportos e portos, e os planos mudaram. Os avós até hoje ainda não conhecem pessoalmente as netas.
Flávio já comprou uma casa, mas no Brasil. “Nosso sonho é poder voltar para o Brasil, mas pretendemos ficar mais um pouco ainda para que nossos filhos aprendam a falar, ler e escrever no idioma japonês”, informa Flávio. Hoje, tanto o filho Theo como as gêmeas falam fluentemente a língua japonesa que aprendem na escola. E em casa os pais ensinam o português.
Fonte: Jornal Folha 2