Num dos maiores vazamentos de informações de um banco, um consórcio internacional de imprensa revela a existência de milhares de contas no Credit Suisse em nome de criminosos, espiões, torturadores, representantes do Vaticano, autoridades de regimes autoritários e do narcotráfico. A publicação dos nomes, neste domingo, expõe a incoerência do sistema bancário suíço e aumenta a pressão para que um ponto final seja dado ao uso das instituições do país europeu para a lavagem de dinheiro.
Entre os nomes citados, está o de um ex-aliado do governo de Hugo Chávez, na Venezuela.
As revelações foram publicadas pelo Organized Crime and Corruption Reporting Project (OCCRP) , sob o comando do jornal alemão Süddeutsche Zeitung. 160 jornalistas de um total de 48 meios de comunicação passaram meses avaliando os dados. O que encontraram foi uma fortuna de mais de US$ 100 bilhões em nome de personalidades suspeitas.
Nos dados obtidos pelos jornalistas, são mais de 30 mil contas secretas, incluindo a conta do chefe da espionagem do Iêmen, acusado de tortura; assim como contas de filhos de ditadores, traficantes de seres humanos, políticos corruptos e funcionários públicos acusados de desviar milhões de dólares da receita do petróleo venezuelano.
Se as origens dos clientes são diversas e a receita vem de fontes diferentes, todos escolheram o mesmo banco para esconder suas fortunas. O Credit Suisse é um dos maiores bancos do mundo, com ativos de US$ 1,5 trilhão.
Mas, segundo os dados, o controle sobre quem poderia abrir uma conta não era exatamente o forte do banco. Se as contas foram abertas desde os anos 40, dois terços delas são dos últimos 20 anos.
Há poucas semanas, o Credit Suisse passou a ser o primeiro banco a ser alvo de uma ação criminal, na Suíça. Os promotores dizem que o banco permitiu que um grupo de contrabandistas de cocaína búlgaros lavasse 146 milhões de euros em dinheiro da droga através de contas do Credit Suisse.
No âmbito da Operação Lava Jato, o mesmo banco chegou a ser multado pela agência de monitoramento do sistema financeiro, por não manter os controles sobre a origem do dinheiro, principalmente envolvendo ex-diretores da Petrobras. O Credit Suisse também teve seu nome envolvido no esquema de corrupção na Fifa e na PDVSA, a estatal venezuelana.
Agora, a lista de personalidades é ampla. De acordo com o consórcio, um dos clientes era o ex-chefe da espionagem da Venezuelana, Carlos Luis Aguilera Borjas, um aliado de Chávez.
“Em 2001, Aguilera foi instalado como chefe do serviço secreto, no qual manteve um perfil discreto, evitando entrevistas e fotografias”, disse. ” Eles o chamam de ‘O Invisível’, disse Carlos Aguilera, o chefe da polícia política. “Ninguém o vê. Eu sei onde ele está”, disse Chávez em 2002, durante seu programa semanal de TV.
Mas Aguilera caiu em desgraça mais tarde naquele ano, depois de não conseguir evitar uma tentativa de golpe que quase derrubou Chávez. Ele deixou seu posto de serviço secreto e entrou no setor privado, acumulando uma fortuna.
“Em 2007, Aguilera tornou-se o principal acionista da Inversiones Dirca S.A., uma empresa venezuelana que conseguiu um contrato de US$ 1,85 bilhão no ano seguinte para renovar uma linha de metrô de Caracas. Não houve processo de licitação pública e a Aguilera recebeu uma comissão de 4,8% no valor de quase 90 milhões de dólares”, aponta o grupo de imprensa.
Em 2011, duas contas foram abertas em nome da Aguilera e creditadas com pelo menos 7,8 milhões de francos suíços (US$ 8,6 milhões). As contas da Aguilera ainda estavam abertas até a última década quando os dados foram coletados.
“As elites venezuelanas acusadas de saquear a empresa petrolífera estatal levaram centenas de milhões de dólares em contas do Credit Suisse. O dinheiro fluiu durante um período em que a pilhagem generalizada dos cofres do governo precipitou um colapso econômico que levou seis milhões de pessoas a fugir do país e levou outras a quase morrer de fome. O banco manteve as contas de seus clientes venezuelanos abertas mesmo quando a mídia global expôs casos de corrupção contra muitos deles “, apontou.
São ainda dezenas de contas em nome de corruptos ou suspeitos de países pobres, incluindo Angola e Quênia.
Na lista de clientes está ainda violadores de direitos humanos e criminosos, além de monarcas. Ela inclui a família de um chefe da inteligência egípcia que supervisionava a tortura de suspeitos de terrorismo para a CIA, um italiano acusado de lavar fundos criminosos para o grupo criminoso Ndrangheta e até o rei Abdullah II da Jordânia, dono de uma única conta que chegou a ter de 230 milhões de francos suíços (US$ 223 milhões), mesmo quando seu país arrecadou bilhões em ajuda externa.
O banco respondeu às alegações indicando que gestão de risco estava “no centro” de sua ação. “Embora se recusasse a discutir clientes individuais, o banco disse que eles eram “predominantemente históricos” e que uma “maioria esmagadora” de contas problemáticas identificadas por jornalistas “estão hoje fechadas ou estavam em processo de fechamento antes do recebimento das consultas da imprensa”, declarou o grupo de imprensa.
“Como instituição financeira líder mundial, o Credit Suisse está profundamente consciente de sua responsabilidade para com os clientes e o sistema financeiro como um todo para assegurar que os mais altos padrões de conduta sejam mantidos”, completou o banco.
A declaração se contrasta com funcionários da instituição financeira. “O banco incentiva um banqueiro a olhar para o outro lado com uma conta que eles sabem ser tóxica”, disse um ex-gerente sênior de bancos privados ao consórcio.
Contas muito grandes são mantidas tão secretas que apenas alguns executivos seniores podem saber quem as possui.
“Quando alguém quer se envolver em lavagem de dinheiro depois de saquear ativos do país, por exemplo, ele precisa transferir o dinheiro. Assim, os titulares de grandes contas vão diretamente para os gerentes sênior”, disse o ex-gerente.
Fonte: Uol