O Brasil tem 433 mil pessoas com mais de US$ 1 milhão, segundo dados do estudo Global Wealth Report, do banco UBS. Com isso, o país lidera na América Latina e ainda se destaca no ranking global, ocupando a 19ª posição entre 56 países avaliados. Em contrapartida, o país encabeça a lista dos que têm a maior desigualdade de riqueza.
Segundo os dados do UBS, o número de milionários brasileiros em dólar cresceu 1,6% na passagem de 2023 para 2024. O país também ficou em 19º lugar do ranking dos que tiveram o maior aumento no número de endinheirados. Ao todo, foram avaliados 56 países. Relatórios anteriores do UBS apontavam que até 2028, o país deveria ter 83 mil novos milionários, totalizando 463.797 pessoas com patrimônio igual ou superior a US$ 1 milhão.
Apesar do avanço na criação de riqueza, os dados reforçam a persistente desigualdade no país. O Brasil ficou em primeiro lugar no ranking de desigualdade entre 32 países. A lista foi baseada no coeficiente de Gini, medida que mostra o quão desigual é a distribuição de renda ou patrimônio de um país. Para Marcello Chilov, presidente da divisão de gestão de fortunas para a América Latina no UBS, o resultado “não é surpresa”, mas é um “ponto de atenção” que exige uma análise profunda e políticas públicas eficazes.
“Para enfrentar esse desafio estrutural é essencial fomentar o desenvolvimento sustentável, com investimentos em educação, infraestrutura e ações sociais capazes de promover mobilidade social e melhorar a qualidade de vida da população”, afirma. “Além das políticas públicas, o setor privado tem a obrigação de contribuir para o ambiente que ele se encontra. O Brasil é conhecido por ter uma população empreendedora, é importante fomentar esse ambiente”, diz.
O levantamento do UBS ainda mostrou que o patrimônio dos brasileiros vem crescendo de forma consistente e não apenas entre os mais ricos. Em 2024, a riqueza média por adulto (ou seja, a soma de todo montante dividido por todos os adultos) aumentou 6,4%. Já a mediana (a riqueza da pessoa que ocupa o ponto médio no “ranking”) subiu 9%. As duas comparações estão em moeda local e descontada a inflação. Desde o início da década, a média subiu mais de 23% e a mediana subiu 28%.
O Brasil vai na contramão dos países emergentes. O levantamento mostrou que a participação desses mercados na riqueza mundial está próxima de 30%, uma leve queda em comparação ao ano anterior. Esse nível segue praticamente inalterado desde 2017, após muitos desses países já terem superado suas fases mais intensas de desenvolvimento. O Brasil, por outro lado, segue como um país em franca expansão, com muitas oportunidades de crescimento, segundo Chilov. De acordo com o executivo, isso fica evidente até mesmo na forma como o brasileiro investe: com grande parte do capital alocado internamente.
“O Brasil é um país de dimensão continental que tem uma economia local própria, uma moeda local forte e um mercado mais desenvolvido. Então, ele tem oportunidade de crescimento e investimento”, afirma. “Em outros países da América Latina, as famílias de alto poder aquisitivo têm uma parte muito grande de seu portfólio alocada no mercado global e só um pouco nos locais. No Brasil é o contrário. Por aqui, 70% a 80% é alocado no local e de 20% a 30% no internacional”, diz.
Mas, segundo o especialista, isso vem mudando, uma vez que os brasileiros têm percebido que o mercado internacional ajuda a mitigar os riscos. “Esse movimento começou nos últimos cinco anos e ainda vem devagar, mas temos percebido esse maior interesse de buscar diversificação”, diz. Ainda que a maior parte dessa diversificação dos mais ricos vá para mercados seguros (especialmente Estados Unidos e Europa, mais precisamente na Suíça), já começaram a surgir tendências de buscar um pouco mais de risco em economias como China e outros países asiáticos.
E tem um detalhe importante: como o real perdeu valor no ano passado e começou a se recuperar mais recentemente, caso a bolsa e a moeda brasileira continuem em alta, é possível que no ano que vem esse número de milionários no Brasil continue crescendo, tanto em moeda local quanto em dólar.
Ainda olhando para o futuro, o levantamento mostra que o Brasil será o terceiro país com mais transferência de riqueza nas próximas duas décadas, perdendo apenas para os Estados Unidos e China. Segundo o UBS, é esperado que US$ 9 trilhões sejam movimentados tanto entre gerações quanto dentro da mesma geração (por exemplo, de um cônjuge para o outro). Segundo Chilov, esse é um reflexo da maior preocupação dos endinheirados com sucessão patrimonial e com a organização de suas finanças até como forma de manutenção de suas riquezas.
“Os ‘baby boomers’, geração de pessoas nascidas entre 1946 e 1964, após o fim da Segunda Guerra Mundial, foram uma geração de sucesso e agora eles estão em uma fase de se preocupar com sucessões. Por isso esse assunto tem sido tão recorrente”, afirma o executivo. “No Brasil, temos muitos exemplos em que a sucessão não foi planejada e acarretou em brigas entre membros da família, então passou-se a abordar esse assunto de forma mais clara, com menos preconceito e menos medo. E isso é muito bom, porque evita ruptura em família, permite um planejamento mais estratégico e que as gerações mais velhas tenham voz ativa sobre como querem que isso seja transmitido para as próximas gerações, etc”, afirma.
Essa mudança de mentalidade reflete um amadurecimento na forma como os brasileiros lidam com o patrimônio e pode ser determinante para o futuro da riqueza no país.
Fonte: Valor Investe