Cristalina, cidade goiana distante 130 quilômetros de Brasília, carrega o título de “capital mundial dos cristais”. O reconhecimento vem com uma nova fase da vocação mineral do município, transformando garimpos artesanais, mercado de lapidários e paisagens de Cerrado em experiência turística.
Muito presente nas primeiras décadas do século XX, a extração e venda de cristais de quartzo lemuriano continuam sendo atividades importantes da cidade, mas o turismo ecológico, com visitas aos garimpos e atividades ao ar livre, tem se destacado. “O nosso diferencial está na experiência”, conta a secretária de Cultura e Turismo, Luciana Passos, em referência às atividades que o visitante tem à disposição quando visita Cristalina.
A imersão no universo dos cristais pode começar com uma visita a um dos dois únicos garimpos autorizados a receber visitantes. Os grupos são pequenos e, conduzidos por garimpeiros, procuram as pedras ou, como é comum dizer na região, são “escolhidos pelas pedras”.
“Os próprios garimpeiros relatam a emoção deles ao encontrarem ‘a sua’ pedra”, conta Luciana, explicando o aspecto cultural e místico em torno dos cristais, que também leva turistas ao município.
O trajeto segue para o Mercado do Cristal, onde cerca de 50 artesãos e ourives mostram e explicam sobre lapidação em tempo real – vitrine que, segundo a prefeitura, vem registrando aquecimento nas vendas depois da formatação dos roteiros vivenciais. Willian Souto, vice-presidente da Associação dos Artesãos, Garimpeiros e Mineradores de Cristalina, sediada no mercado, conta que o principal movimento no local é de turistas, que correspondem a 98% do total.
O cenário de Cristalina conta com cachoeiras, cinco reservas particulares de patrimônio natural abertas à visitação e monumentos geológicos como a Pedra do Chapéu de Sol, formação rochosa com mais de 1 bilhão de anos e quase 500 toneladas, equilibrada naturalmente sobre uma base de 48 centímetros, além de experiências gastronômicas e uma fábrica de cachaça.
“É muito importante essa retomada do cristal, até mesmo por uma questão de valorização da memória. Tem desenvolvido muito o município”, afirma a secretária municipal. “As pessoas ainda procuram uma valorização maior de quem explora o cristal. Então, a gente está tentando fazer esse resgate e mostrar que existe uma outra economia, que é o turismo associado ao cristal lemuriano”, complementa.
Entre as iniciativas de fortalecimento do turismo está a marca “Cristaline-se!”, lançada há três anos. A campanha envolve participação em feiras de turismo e negócios com o objetivo de divulgar a cidade. “Desde o início (do lançamento da marca), participamos de diversas feiras do setor, levando a imersão do garimpo. É impressionante como o nosso estante atrai visitantes, chega a formar fila de pessoas que querem vivenciar essa interação”, comenta a secretária.
Por trás desse reposicionamento há método: o projeto “Cristalina 2040”, concebido como Arranjo Produtivo Local de Gemas, Joias, Artesanato Mineral e Turismo. A iniciativa adotou a abordagem francesa La Prospective para planejar o futuro em seis etapas, da análise estrutural à criação de um Comitê Permanente de Governança que reúne Ministério da Ciência e Tecnologia, instituições científicas e sociedade civil. A estratégia rendeu ao município o segundo lugar no Prêmio Melhores Práticas em APL Mineral 2020/2021, reconhecimento que deu visibilidade nacional ao projeto e a cidade.
Cristais e lavouras dividem espaço na economia local
A história da cidade está profundamente ligada à descoberta e exploração de cristais de rocha. Inicialmente, a abundância do minério não chamava atenção, mas em 1879 amostras enviadas a Paris pelos exploradores Etienne Lepesqueur e Léon Laboissière revelaram seu alto valor no mercado europeu para instrumentos ópticos e joias. Isso atraiu garimpeiros para a região, formando o Arraial de São Sebastião da Serra dos Cristais, que se tornou o município de Cristalina em 1917.
Na década de 1970, a agricultura ganhou força com a chegada de produtores do Sul do país e o ambiente focado no extrativismo deu lugar às lavouras. Segundo dados compartilhados pela prefeitura, Cristalina é detentora do 1º PIB agropecuário do país.
Cléber Chagas, gerente regional do Sebrae em Goiás, aponta para importância da diversificação. “A cadeia produtiva dos cristais foi historicamente a principal atividade econômica de Cristalina. Mesmo com a ascensão da agricultura como setor dominante a partir daí, o extrativismo mineral e o artesanato com pedras continuaram gerando empregos diretos e indiretos e representando uma fatia significativa da economia local”.
Para Chagas, mesmo após a ascensão da agricultura irrigada nos anos 1970, há um potencial latente de reativação do setor com estratégias de reposicionamento e inovação. A instituição promoveu consultorias de design comercial, capacitação de artesãos e um redesenho completo da ambientação do Mercado do Cristal – medidas que, segundo Chagas, “transformam o espaço em polo de experiência com produtos autênticos e atendimento qualificado”.
O executivo chama atenção, entretanto, para gargalos que exigem atenção imediata: regularização da atividade mineral e turística, preservação ambiental das áreas de vivência e a criação do Fundo Municipal de Turismo, destinado a dar sustentabilidade financeira ao destino sem depender de repasses eventuais, além de capacitação para artesãos. “Estamos atuando diretamente na qualificação dos artesãos e lojistas do Mercado do Cristal, com foco em gestão, ambientação de interiores e marketing”, afirma.
A secretária municipal também pontua a necessidade de qualificação para avançar na qualidade de atendimento do turista. “Um dos nossos desafios é trazer o curso de guia de turismo para Cristalina, porque tem muito interesse, e ainda não conseguimos regulamentar essa profissão dentro do município. Nossas visitas têm condutores locais, mas queremos dar mais qualidade e segurança aos visitantes, com visitas guiadas por profissionais”, explica.
Outro desafio apontado pela secretária é o fortalecimento da cadeia de atrativos locais, com a melhoria na qualidade de atendimentos e mais investimentos em restaurantes, hotéis e em toda a cadeia produtiva que alimenta o setor, envolvendo a população e o setor privado. “Todo esse processo é uma cadeia, e a parceria público-privada tem que existir dentro do processo. Aqui em Cristalina, o que está dando certo, o que vai dar certo e o que fortaleceu nosso posicionamento como destino turístico é a parceria público-privada”, afirma Luciana.
Fonte: Gazeta do Povo