No início de 2025, a gigante têxtil brasileira Lupo sinalizou a intenção de abrir uma fábrica de meias no Paraguai. Ela foi mais uma na lista de empresas do Brasil que migraram parte da produção para o país vizinho. A principal explicação para esse movimento é a forma simplificada como o governo paraguaio tributa as empresas e os cidadãos daquele país.
No Paraguai vale o modelo “10-10-10” — a alíquota máxima para o imposto de renda é a mesma para empresas e pessoas físicas, e é assim também para o imposto sobre valor agregado (IVA) nas movimentações financeiras: 10%. Em alguns casos, esta taxa pode cair pela metade ou mesmo nem ser cobrada, como é o caso do IVA para turistas.
A renda de origem estrangeira é isenta de tributos, o que se torna um enorme atrativo para empreendedores internacionais ou trabalhadores remotos. E para contemplar as exportações, o Paraguai conta com o chamado “Regime Maquila”, no qual também muda a tributação sobre quaisquer produtos produzidos, embalados ou fabricados dentro de suas fronteiras.
É esse o maior benefício encontrado pela Lupo em sua decisão de internacionalizar a produção. Quando estiver com sua planta de Ciudad del Este – do outro lado da fronteira com Foz do Iguaçu, no Paraná – operando com 100% da capacidade, em 2026, a empresa estará gerando 350 empregos diretos e produzindo 20 milhões de pares de meia por ano.
“É um importante passo no plano de expansão da companhia, consolidando sua liderança e impulsionando seu crescimento. Além de ampliar sua capacidade produtiva, a administração está confiante de que este investimento estratégico [de R$ 30 milhões] permitirá à Lupo fortalecer sua presença no mercado, melhorar suas margens e gerar novas oportunidades”, informa um comunicado ao mercado publicado pela empresa.
“Na prática, assim como em outros negócios sediados por lá, fica mais barato produzir no Paraguai e exportar para o Brasil do que manter essa produção em território nacional”, avalia o economista e doutor em Gestão de Negócios, Cláudio Shimoyama.
Em entrevista à Gazeta do Povo, ele destaca o fato de este formato tributário ter sido definido como uma política de Estado, e não de governo. Com isso, afirma, os níveis de pobreza do país tendem a cair, uma vez que “ricos e pobres pagam um mesmo percentual de imposto”.
Para o economista, que mantém uma empresa de consultoria financeira no Paraguai para atender os interessados em migrarem seus negócios para o país vizinho, uma taxa mais baixa de impostos ajuda a colocar a economia em um círculo virtuoso. Segundo ele, a tendência de sonegação diminui em um cenário de alíquotas menores.
“No Brasil, paga-se na faixa de 30% em impostos. Se houvesse uma contrapartida equivalente como investimentos em infraestrutura, saúde, segurança, educação, certamente as pessoas pagariam sem reclamar tanto. Mas esse retorno não vem, e a sociedade reclama com razão. No Paraguai, a receita do Estado é menor, e isso obriga a se realizar uma gestão mais eficiente, coisa que não é prioridade no Brasil”, completa.
IVA no Brasil é quase três vezes o adotado no Paraguai
No Brasil, a reforma tributária sancionada pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva resultará em um IVA de 28%, o maior do mundo. No modelo do Paraguai, este imposto unificado tem sua alíquota máxima de 10%. A lei, porém, permite que produtos considerados essenciais, como aluguel para moradia, produtos da cesta básica, hortifruti e medicamentos paguem um IVA de 5%.
Assim como no Brasil, no Paraguai também existe uma espécie de “imposto do pecado”. O chamado Imposto Seletivo ao Consumo (ISC) impõe uma sobretaxa a itens considerados não essenciais, como cigarros (12%), cervejas (8%), perfumes (5%) e armas (1%).
Lei Maquila oferece benefícios a exportadores
A presença de indústrias brasileiras entre as plantas fabris do Paraguai está longe de ser exceção. Dados do Ministério da Indústria e Comércio daquele país, atualizados em junho de 2025, mostram que 65% do que é produzido sob o regime de Maquila vêm para o Brasil. Na sequência aparecem Argentina (15%), EUA( 4%), Bolívia (3%), Chile (3%), Holanda (2%) e Uruguai (2%).
De forma abreviada, a Lei de Maquila oferece uma série de benefícios às indústrias que vêm de fora para o Paraguai, como a liberação mais rápida das cargas nas alfândegas e um imposto único de 1% sobre o valor dos produtos em exportação. A estratégia é tida como uma das mais inteligentes entre as adotadas pelo país para aumentar a competitividade.
Para o adido comercial Sebastián Bogado, do Ministério da Indústria e Comércio, as vantagens do sistema maquilador e a competitividade de custos oferecidas pelo Paraguai têm atraído cada vez mais brasileiros. A proximidade geográfica, associada a menores custos operacionais, impostos, eletricidade e regulamentações trabalhistas do país, pode reduzir os custos finais de produção em até 40%.
“Hoje, são as empresas brasileiras que nos procuram, atraídas pelo Paraguai. Toda a cadeia de valor do setor têxtil, da produção de fios à confecção de roupas, está atraindo grande interesse. O mesmo vale para produtos plásticos e metalúrgicos. O agronegócio em geral, da produção de fertilizantes à produção de alimentos, também é muito atraente para os empreendedores brasileiros”, detalha.
Modelo paraguaio é viável para o Brasil, aponta economista
Para o economista Cláudio Shimoyama, apesar das diferenças de escala, o modelo tributário paraguaio é viável à realidade brasileira. A implantação dessa mudança, porém, demandaria um reforma profunda não só da economia, mas da gestão pública.
Ele destaca que há pontos sensíveis afetados pela menor receita trazida por tarifas mais baixas. “O Paraguai não tem um sistema de cobertura social ou mesmo de aposentadoria como existe no Brasil”, comentou.
De fato, de acordo com o Banco Mundial, o Paraguai aloca entre 3% e 4% de seu Produto Interno Bruto (PIB) para serviços públicos. A quantia é significativamente menor do que as médias globais e regionais, e precisaria ser dobrada para que o país atingisse ao mínimo os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
Por outro lado, com impostos representando apenas 14% do PIB, o Paraguai recentemente obteve uma pontuação de carga tributária de 96/100 no Índice de Liberdade Econômica da Heritage Foundation — o mais alto da América Latina.
“Teria que haver uma reforma completa para desinchar o Estado brasileiro. E isso vai desde a redução de vagas nos legislativos estaduais e federal até uma mudança ampla na estrutura dos governos. A máquina brasileira hoje é muito pesada, o que a torna insustentável até mesmo para os padrões atuais. Mas não podemos perder a esperança, ainda mais diante de um modelo como o do Paraguai, que está muito perto de atingir o sucesso econômico”, conclui Shimoyama.
Fonte: Gazeta do Povo
Foto: Daniel Teixeira