Preso nas Bahamas na noite de segunda-feira, o fundador da FTX, Sam Bankman-Fried, enfrenta oito acusações criminais do Departamento de Justiça (DoJ), entre fraude eletrônica, conspiração, lavagem de dinheiro e financiamento irregular de campanha política. Na visão do procurador-geral de Manhattan, Damian Williams, que cuida do caso, o fundador da FTX, um jovem empresário de 30 anos comumente visto de bermuda e camiseta, pode ser o responsável por “uma das maiores fraudes financeiras da história americana”.
Segundo o procurador, o suposto esquema envolvia “dinheiro sujo” que foi “usado a serviço do desejo de Bankman-Fried de comprar influência bipartidária e impactar a direção da política pública” em Washington. Se condenado, ele pode pegar 20 anos de prisão para cada acusação de fraude eletrônica e lavagem de dinheiro e cinco anos para cada fraude no mercado de valores mobiliários e no financiamento de campanha. Somadas, as penas poderiam chegar a 115 anos, de acordo com a Bloomberg.
“Você pode cometer fraudes de bermuda e camiseta sob o sol – isso também é possível”, disse Williams, segundo a agência. O empresário deve ser extraditado para responder ao processo nos EUA.
Do lado dos reguladores do mercado de capitais, foram apontados também captação de recursos de fundos de venture capital e dos clientes sob falsas premissas, utilização de depósitos de terceiros sem consentimento para aplicações próprias, além de transações envolvendo subsidiárias do mesmo grupo empresarial que violaram controles internos, ocasionando prejuízo para mais de 1 milhão de credores.
A SEC (comissão de valores mobiliários dos EUA) apresentou uma peça de 28 páginas de acusações contra o empresário, com destaque para indícios de desvio de ativos dos clientes para aplicações de alto risco na Alameda Research, empresa do grupo que atuava como um fundo hedge, e a captação de US$ 1,8 bilhão de fundos de venture capital – US$ 1,1 bilhão de investidores dos EUA, que tiveram de reduzir suas aplicações a zero. Antes de quebrar, a FTX havia captado recursos de investidores como BlackRock, SoftBank, Sequoia Capital e o fundo de pensão dos professores de Ontario.
Para especialistas, o documento sugere pontos sensíveis que os reguladores deverão abordar no futuro na área digital, como transações com partes relacionadas, segregação patrimonial e melhor divulgação de riscos.
“Sam Bankman-Fried construiu um castelo de cartas com base em fraude, enquanto dizia aos investidores que tinha um dos locais mais seguros para investimento em cripto”, disse o presidente da SEC, Gary Gensler, em comunicado.
Na acusação, a SEC caracteriza Bankman-Fried como um empresário inescrupuloso que se apresentou como um líder responsável da comunidade de criptoativos, elogiando a importância da regulação e o cuidado na gestão de dinheiro dos clientes, o que teria induzido milhões deles, no mundo todo, a acreditar que seus ativos estavam seguros na FTX. “Mas desde o início, Bankman-Fried desviou indevidamente os ativos dos clientes para seu fundo de hedge cripto de propriedade privada, Alameda Research LLC (“Alameda”), e então usou os recursos dos clientes para fazer investimentos de risco não revelados, luxuosas compras imobiliárias e grandes doações políticas”, afirma o documento.
De acordo com a SEC, Bankman-Fried desviou recursos dos clientes da FTX para a Alameda de duas maneiras: 1) orientando os clientes da FTX a depositarem moeda fiduciária em contas controladas pela Alameda; e 2) permitindo que a Alameda sacasse uma “linha de crédito” virtualmente ilimitada na FTX, que era financiada por ativos de clientes da exchange.
Na ação, a SEC sustenta que Bankman-Fried desviou bilhões de dólares para impulsionar o crescimento de outras empresas do grupo. A Alameda teria sido autorizada a carregar saldo negativo mesmo sem atender a protocolos de risco da exchange, como ocorria com os demais clientes. A SEC diz que o próprio Bankman-Fried ordenou que o “mecanismo de risco” da FTX não se aplicasse à Alameda.
Já a CFCT (reguladora americana de derivativos e commodities) acusou Bankman-Fried, FTX e Alameda de fraude, declarações falsas e desvio de recursos para comprar imóveis e fazer doações a políticos, o que também violaria as regras de financiamento de campanha.
Em audiência na Câmara dos Representantes, o novo presidente-executivo da FTX, John Ray, que foi nomeado pela vara de falência, atribuiu o colapso da exchange também à má gestão. Ray, que cuidou da massa falida da Enron, disse que a FTX implodiu porque os gestores eram “grosseiramente” despreparados, pouco sofisticados e centralizavam a maioria dos processos equivocadamente.
Nas últimas semanas, Bankman-Fried insistiu que desconhecia os detalhes do que a Alameda estava fazendo. Também negou irregularidades intencionais e pediu desculpas pelo que caracterizou como descuidos e erros gerenciais.
Fonte: Valor