Manter viva a tradição das quadrilhas juninas vai muito além da dança. Envolve história, resistência, identidade cultural e uma comunidade inteira dedicada à preservação de um dos maiores símbolos da cultura popular nordestina. Em Sergipe, essa missão tem ganhado fôlego com o apoio do Governo do Estado que, em 2025, promoveu um investimento inédito nos concursos de quadrilhas, contribuindo para dar visibilidade e sustento aos grupos que mantêm essa chama acesa o ano todo.
Este ano, o Estado ampliou, de forma significativa, o incentivo financeiro aos grupos, por meio da Fundação de Cultura e Arte Aperipê (Funcap). Cada quadrilha inscrita nos concursos Gonzagão e Arranca Unha recebeu R$ 10 mil, totalizando R$ 250 mil em repasses diretos. Além disso, a premiação dos concursos foi aumentada para R$ 200 mil, e foi criada uma final estadual, que reúne os vencedores das competições em uma disputa no palco da Vila do Forró, com prêmio extra de R$ 30 mil, no dia 27 de julho.
Neste ano, o total de investimento chega a R$ 1,5 milhão, como destaca o presidente da Funcap, Gustavo Paixão. “De fato, é um investimento que nunca houve antes nas quadrilhas juninas do estado. Esse montante se refere à premiação, inscrição e Política Nacional Aldir Blanc (Pnab). Não adianta fazer investimento somente no período do ciclo junino, quando, naturalmente, elas já circulam bastante, contratadas por escolas, por prefeituras, e já contam com uma renda garantida, com aporte do Governo destinado às premiações e inscrições. Mas, dentro da Pnab, tivemos o cuidado, mesmo sendo um edital federal, de definir que esse investimento, do total de R$ 26 milhões recebidos, fosse destinado, exclusivamente, às quadrilhas juninas”, frisa.
Doutor em Sociologia e estudioso das manifestações populares, Denio Azevedo destaca que as quadrilhas representam um dos pilares da identidade cultural sergipana. “Mesmo com as transformações naturais da cultura, como coreografias mais exigentes, teatralização, passos mais ordenados, elas mantêm o xote, o xaxado e o baião. A construção de letras, de músicas autorais, feitas com trios ou bandas locais, reforça o pertencimento. As pessoas que dançam e as que assistem compartilham um sentimento coletivo muito forte. A pesquisa para construir cada apresentação é extensa e, por trás de cada espetáculo, há um trabalho enorme que pouca gente vê”, explica.
Denio Azevedo lembra, ainda, que os grupos são verdadeiras usinas de criatividade e trabalho coletivo. “Cada quadrilha envolve artesãos, músicos, costureiras, coreógrafos, marcadores, pesquisadores, tem todo um ecossistema ali. É arte, é economia, é pertencimento. Quando o Estado apoia isso, está investindo, também, em identidade e cidadania”, considera.
Cultura que resiste
Embora o maior número de apresentações aconteça entre junho e julho, a preparação é constante. É o que revela o marcador e coreógrafo da junina Unidos em Asa Branca, Walterlin Pequeno. “Começamos os trabalhos ainda em outubro do ano anterior. É um processo longo, com muita pesquisa, ensaios, criação de roteiro, figurino e cenário. É preciso abdicar de muita coisa. Só dança quadrilha quem ama”, pontua.
Sobre os investimentos do governo estadual, o marcador exaltou a importância da ação para a manutenção das quadrilhas. Para quem vive os bastidores desse universo, como Walterlin Pequeno, o investimento representa um divisor de águas. “É o primeiro ano em que a gente está realmente vendo uma valorização da cultura, principalmente para nós, quadrilheiros. É muito difícil porque cada componente arca com o seu próprio traje. E, neste ano, quer queira ou não, a gente teve uma ajuda. As premiações dos concursos também melhoraram bastante, agora favorecem mais as quadrilhas. Antes, a gente dançava três noites por um título, praticamente, sem retorno financeiro. Hoje, já tem uma premiação em dinheiro. Isso faz diferença porque as quadrilhas gastam muito com cenário, figurino, equipe de apoio, fogos. Tudo isso gera custo. O investimento deste ano, tanto na premiação quanto na cultura como um todo, foi muito positivo. Chegou em boa hora!”, enfatiza.
O marcador da quadrilha junina Raio da Silibrina, Antônio Clésio Santos Santana, reforça que, sem incentivo, manter um grupo é uma tarefa quase impossível. “Apesar de ser uma quadrilha jovem, a gente tem um grupo experiente, algumas pessoas já fizeram parte de outras quadrilhas, então, reunimos essas pessoas que estavam procurando um novo grupo, uma nova experiência. A gente conseguiu juntar esse pessoal e fazer uma nova quadrilha. É uma história curta, mas que tem uma bagagem bem interessante de experiências. Queremos inovar, mas isso custa caro. Precisamos de banda, de figurino, de estrutura. Esse incentivo do governo é essencial para a tradição se manter viva e atualizada”, frisa.
Já Denilton dos Santos, da quadrilha Forra do Milho, de Rosário do Catete, que voltou aos palcos após sete anos parada, é enfático ao dizer que o atual investimento é o maior que já presenciou em mais de três décadas no movimento junino. “Estou há mais de 30 anos no movimento junino e nunca vi um investimento como esse. O Governo do Estado está de parabéns. Os editais estão aí, e as quadrilhas precisam se organizar para acessar os recursos. O governo está oferecendo todas as ferramentas para que as quadrilhas cresçam junto com ele e os resultados estão aparecendo: Gonzagão reformado, premiações justas, editais contemplando diversos grupos, e uma articulação com o Governo Federal por meio da Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura”, destaca.
Além do apoio financeiro, os concursos Gonzagão e Arranca Unha ganharam novo fôlego com jurados especializados, estrutura reforçada e premiações mais justas. A Rua São João, em Aracaju, também é outro exemplo simbólico da valorização dessa tradição. Com o projeto da Segundona do Turista, o espaço deu ainda mais visibilidade para a manifestação das quadrilhas juninas.
Política pública
A aposta do Governo de Sergipe nas quadrilhas vai além de ações pontuais. Segundo o pesquisador, é preciso consolidar uma política pública de cultura que mantenha o ciclo vivo o ano todo. “O recurso público para a manutenção dessas quadrilhas é fundamental. Se a gente quiser não só manter as quadrilhas que aí estão, mas, também, recuperar algumas quadrilhas que desapareceram ou até mesmo propiciar um contexto para o surgimento de novas quadrilhas juninas, é preciso a manutenção ou a ampliação dos recursos públicos. Não é só sobre o São João, é sobre criar espaços de formação, oficinas, apresentações fora da temporada. Se Sergipe é o ‘país do forró’, ele precisa ser isso o ano inteiro”, defende.
O fortalecimento das quadrilhas juninas não só preserva uma expressão ancestral da cultura popular, como impulsiona o turismo, aquece a economia criativa e dá oportunidades a centenas de artistas e trabalhadores da cultura. Ainda de acordo com o pesquisador, a quadrilha junina é símbolo de resistência e sobrevivência. “Hoje, uma quadrilha pode gastar de R$ 100 mil a R$ 200 mil com cenário e figurino. Se você considerar alimentação, deslocamento e ensaios, esse valor dobra. É um custo altíssimo. Por isso, é essencial ter políticas públicas contínuas”, conclui.