Considerada uma ferramenta para enfrentar as mudanças climáticas, a agroecologia também tem sido afetada pelo aumento da temperatura média do planeta. É o que aponta um mapeamento realizado pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), que identificou 503 iniciativas agroecológicas em 307 municípios do país, a maior parte delas, 36,4%, tocada por pessoas negras.
“O mapeamento mostra que essas diversas experiências de enfrentamento às mudanças climáticas podem ser minadas se não receberem o devido apoio do Estado e amplo reconhecimento social de como elas estão produzindo soluções a partir de seus territórios”, observa a pesquisadora da Fiocruz e coordenadora do mapeamento, Helena Lopes. Das 503 iniciativas mapeadas, apenas 187 afirmaram acessar políticas públicas.
Ainda segundo o estudo, as mudanças climáticas levaram à diminuição da produção em 56,3% das experiências e à perda de alimentos em 48,1%. Para 66% das experiências, os impactos das mudanças no clima passaram a ser percebidos nos últimos 10 anos e incluem o desaparecimento de espécies e variedades vegetais e animais nativas, citados respectivamente por 36,2% e 30,4% dos entrevistados, ao aumento de doenças nas criações animais, mencionado por 12,3% das experiências.
“A gente tem muitas soluções que vêm dos territórios e que são protagonizadas por povos diversos, mas a falta de incentivo para esse tipo de situação é um gargalo para que elas continuem, de fato, existindo”, pontua Lopes.
Em relação aos agentes que promovem essas iniciativas, o estudo identificou forte protagonismo de mulheres negras, que corresponderam por cerca de 19% dos casos levantados. Lopes ressalta que, ao mesmo tempo que esse grupo social tem protagonizado as iniciativas agroecológicas, elas também aparecem como as mais vulneráveis à insegurança alimentar em outros levantamentos.
“A insegurança alimentar e nutricional tem cor, classe social e gênero. Mas quando a gente está falando de agroecologia, é como se essas pessoas mudassem de lugar, assumindo o papel de protagonistas dessas experiências”, avalia a pesquisadora. Segundo ela, essa vulnerabilidade aumenta com as mudanças climáticas, motivando a busca por estratégias para uma melhor qualidade de vida inclusive nas cidades, onde estão quase 50% experiências mapeadas.
No campo, a explicação dada pela pesquisadora para o protagonismo negro nas iniciativas agroecológicas está na própria filosofia de vida dessas comunidades. Quando falamos sobre as populações quilombolas, estamos falando de uma identidade que se constitui a partir do território e práticas de cuidado com a natureza que são seculares. Conservar é parte da subjetividade dessas populações e da concepção do que é ser quilombola”, completa Lopes.
O resultado completo do estudo pode ser acessado na plataforma Agroecologia em Rede: https://agroecologiaemrede.org.br/colheita/mapeamento-de-agroecologia-e-justica-climatica/
Fonte: Globo Rural