ARACAJU/SE, 20 de agosto de 2025 , 14:18:34

Mulheres lideram emprego formal em 30% dos municípios

Apesar de os homens terem 5,6 milhões de empregos com carteira assinada mais que as mulheres, essa liderança não se dá em todo o país: em 30% das cidades brasileiras, quem lidera, na verdade, são as mulheres, segundo dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais). Essa realidade é vista especialmente nas cidades menores, em que as prefeituras são os principais contratantes e onde a educação é um fator que pesa mais na contratação, por exemplo, por causa de concursos públicos.

Só dois dos 44 municípios com mais de 500 mil habitantes têm presença feminina preponderante no mercado de trabalho formal: Porto Alegre e Florianópolis. Na outra ponta, elas são maioria em 34% das cidades com no máximo 20 mil habitantes. Em alguns lugares do país, há três mulheres empregadas para cada homem.

No Maranhão, Piauí, Ceará, Paraíba e Alagoas, mais da metade dos municípios tem predominância de trabalho formal feminino.

Domínio do setor de serviços

Uma característica é que essas são localidades em que os serviços são muito fortes: onde a mulher ganha, o setor representa 67% das vagas totais desse grupo de municípios, ante 55% na média geral. Em quase um quarto dessas cidades, os serviços são mais de 90% das vagas.

É o caso, por exemplo, de Quiterianópolis, município cearense na divisa com o Piauí e que tem a décima maior participação feminina empregada no país: 74% das vagas da cidade. Quase todo o emprego na localidade de 20,2 mil moradores está no setor de serviços (94%), concentrado, com raras exceções, na administração pública.

“São cargos que exigem qualificação escolar, e os homens nem sempre completam os estudos”, diz Sandra Maria, diretora de uma escola no município, que cita, além da escolaridade, o empoderamento como motivo para as mulheres estarem à frente no emprego. “As mulheres costumam assumir cargos de liderança na cidade.” Em 2020, a cidade elegeu uma prefeita, a médica Priscilla Barreto, com 70% dos votos.

História bem parecida ocorre em Mutuípe, cidade baiana de 20 mil habitantes em que as mulheres têm participação de 69% do emprego com carteira. Lá, os serviços respondem por 65% dos postos de trabalho formal, com ampla liderança feminina. Nos demais setores — construção, indústria, comércio e agropecuária —, a vantagem é masculina.

Luciana Freitas, gestora do Hospital Clélia Rebouças, o único do município, conta que de 85% a 90% da sua equipe é formada por mulheres, a maioria da própria cidade, que conta com um colégio técnico de enfermagem. “Os homens não se identificam com o setor de saúde”, afirma.

Fabio Bentes, chefe da divisão econômica da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), observa que, embora ainda não sejam maioria no mercado formal, as mulheres vêm ganhando participação nos últimos anos, movimento que só foi interrompido em 2020, exatamente por causa do tombo dos serviços na pandemia.

Na Rais de 2021 (último dado disponível), elas representavam 44,2% dos postos com carteira. Em dez anos, nota Bentes, a força de trabalho masculina cresceu 1,03%, enquanto a feminina saltou 11,03%.

“Não é só efeito do crescimento do mercado de trabalho, mas de um equilíbrio melhor por gênero. E o setor de serviços é muito importante para explicar esse ganho de terreno do trabalho feminino formal”, afirma Bentes.

Segundo especialistas, cidades menores concentram as atividades formais em serviços e, especificamente, em serviços tidos por “femininos”, como professoras e enfermeiras, muitas vezes no setor público. Nas cidades em que as mulheres lideram o mercado de trabalho, a administração pública é responsável por 64% das contratações, parcela que cai para 15% nas demais localidades.

Em cidades pequenas, é possível também que os homens estejam mais concentrados em trabalhos ligados à agricultura, em geral, em situação informal. Além disso, eles podem estar trabalhando em outras cidades próximas, em que a economia é mais diversificada e há, por exemplo, indústria, enquanto as mulheres ocupam os empregos locais.

“A oferta e ocupação depende muito da vocação econômica da cidade. Pode ser uma cidade pequena, mas que possui alguma indústria ou agroindústria. Aí, os empregos aparecem no setor secundário em maior número. Quando esse é o cenário, mulheres são maioria em atividades terceirizadas ou em funções de escritório”, diz Carmen Lucia Costa, professora no Instituto de Geografia da Universidade Federal de Catalão (UFCAT) e pesquisadora do Grupo Dialogus – Estudos Interdisciplinares em Gênero, Trabalho e Cultura.

Essas atividades são ocupadas em grande número por mulheres, porque são vistas, muitas vezes, como “continuidade” do espaço privado, de tarefas como cozinhar e arrumar, observa Costa.

“Se a cidade tem força turística, as mulheres também ocupam uma grande parcela das atividades na mesma linha”, acrescenta Carmen Lucia.

Se o município não tem essas vocações, os empregos são escassos, geralmente, no setor de serviços, e as mulheres ocupam boa parte dos cargos de vendedoras, serviços domésticos e de beleza, aponta a professora.

“Algumas cidades possuem como fonte de emprego os serviços públicos — que sustentam a existência de muitas dessas mulheres — e aí, novamente, as atividades que empregam mulheres são maioria, como em saúde, educação e administração”, diz Costa.

Na saúde, por exemplo, três em cada quatro trabalhadores formais no Brasil são mulheres, observa Bentes, da CNC, a partir de dados da Rais. Na educação, as mulheres são 64% da força de trabalho formal, e na administração pública, 60%. Por outro lado, sua participação cai para 11% na construção, 14% na indústria extrativa e 30% na de transformação.

“É a atividade de serviços que tem puxado a recuperação surpreendente do mercado formal de trabalho e ajudado a equilibrar a balança de gênero”, afirma Bentes.

Entre julho de 2020, após o choque inicial da pandemia sobre o mercado de trabalho, e abril de 2023, foram 311,5 mil novos postos formais criados para mulheres em saúde humana e serviços sociais, ante apenas 73,9 mil para homens, diz Bentes, a partir de informações do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Elas estão à frente também em atividades administrativas (504,8 mil, ante 476 mil), alojamento e alimentação (249,2 mil, ante 175,4 mil) e educação (117,5 mil, ante 37,8 mil).

Trabalhos informais

Muitas vezes, mulheres acabam prestando mais esses serviços por questões ainda relacionadas à forma como a sociedade aponta papéis sociais para cada grupo, diz Costa. “Dessa forma, as mulheres ocupam em maior número serviços de cuidado, ensino, saúde. Esses empregos também são, em função da lógica patriarcal, os menos valorizados”, afirma. Ela pondera que, como os dados da Rais contabilizam apenas os empregos formais, há ainda uma parcela de mulheres que fica de fora da análise, como mulheres negras, trans e travestis, que estão sobrerrepresentadas em trabalhos informais.

Mesmo assim, entre 2011 e 2021, os maiores avanços da empregabilidade feminina no mercado formal ocorreram não só em saúde humana e serviços sociais (54,8%), mas também em atividades imobiliárias (62,4%), atividades científicas e técnicas (36,3%) e nas indústrias extrativas (30,1%). “Esse avanço reflete ganhos de qualificação, nos quais, novamente, as mulheres se destacam”, diz Bentes. Mesmo serviços de saúde e educação, em geral, exigem diploma de nível superior, observa.

Ensino superior

Pelos dados do IBGE, em 2022, 18,1% das mulheres com 14 anos ou mais tinham ensino superior completo, ante 13,8% dos homens. Nos números da Rais, a participação de trabalhadores com, pelo menos, nível superior completo entre as mulheres (30,1%) é quase o dobro da participação dos homens (15,7%). Entre 2011 e 2021, o ritmo de crescimento de trabalhadoras qualificadas foi de 48%, contra 39% entre os homens.

“A disputa por vagas formais no mercado de trabalho se acirrou nos últimos anos por causa do crescimento econômico relativamente baixo. Isso impôs a todos os trabalhadores a necessidade de buscar maior qualificação, mas as mulheres demonstraram um esforço maior”, diz Bentes.

Diferencial salarial

Isso, segundo ele, até se refletiu em termos salariais, mas a situação ainda é mais desvantajosa para elas. A redução do diferencial salarial entre homens e mulheres em uma década é perceptível em todas as faixas de instrução, mas elas ainda recebem um salário médio 13% inferior ao dos homens, observa Bentes. Em 2011, essa diferença era de 18%.

“De 595 profissões, em 71% houve redução do diferencial salarial entre homens e mulheres nos últimos dez anos até 2021. Mas em apenas 67 delas o salário médio era mais alto entre as mulheres”, aponta.

Fonte: Valor

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