ARACAJU/SE, 21 de agosto de 2025 , 17:20:28

No Brasil, recuperações judiciais do agro cresceram quase 60% no 2º trimestre deste ano

 

As recuperações judiciais no setor agropecuário não param de crescer, dando sequência a um movimento que ganhou força a partir da segunda metade de 2024. E a tendência é que o número continue a aumentar, segundo especialistas ouvidos pelo Valor, sobretudo entre os segmentos diretamente afetados pelo tarifaço dos Estados Unidos contra produtos exportados pelo Brasil.

No segundo trimestre, 388 empresas agropecuárias estavam em recuperação judicial, alta de 59,7% em relação ao mesmo intervalo de 2024, conforme o Monitor RGF, da consultoria RGF&Associados.

A RGF trata o setor como destaque porque a cada mil empresas agropecuárias em atividade no país, 11,49 estão em recuperação judicial. Esse índice é o maior entre todos os setores da economia. Na indústria, por exemplo, o indicador ficou em 6,33.

Segundo o sócio da RGF, especialista em reestruturação, Rodrigo Gallegos, muitas empresas endividadas que chegam a essa condição dizem ter sido prejudicadas por fatores como a alta dos preços dos insumos, problemas climáticos, avanço da taxa básica de juros (Selic) ou até pela pandemia de covid-19. Há também casos de dificuldade na gestão financeira.

“Esse aumento já era esperado. O mercado mostra uma desaceleração na economia, e acreditamos que vai começar a desacelerar mais e afetar as empresas de modo geral. No agro, como há um uso de capital intensivo, vemos que haverá dificuldade maior, em relação aos demais setores”, diz Gallegos.

Ainda que haja boas perspectivas no agro, como a safra recorde de grãos este ano, a expectativa é que o impacto das tarifas dos EUA faça os pedidos de recuperação judicial crescer. Café e carne bovina, por exemplo, foram produtos que sofreram com a taxa adicional de 50% aplicada pelos EUA.

“Acreditamos que esse efeito decorrente das tarifas pode acontecer ainda em 2025. Vimos isso no episódio das enchentes do Rio Grande do Sul, que em um ou dois trimestres já foi um dos motivos de recuperações judiciais”, lembra Roberta Gonzaga, consultora da RGF, especialista em reestruturação.

Entre abril e junho, o segmento com maior número de recuperações judiciais foi o de cultivo de soja, com 155 casos deferidos, seguido por criação de bovinos de corte, com 73, e cana-de-açúcar, com 43.

No Monitor RGF, a categoria agropecuária contempla as empresas com atividades “dentro da porteira”. A divisão é feita conforme a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) registrada como atividade econômica principal da empresa.

Entre os produtores, o cenário não é diferente. Os dados mais recentes da Serasa Experian mostram que, no primeiro trimestre de 2025, houve 195 pedidos de recuperação judicial por produtores que atuam como pessoa física. Em comparação a igual trimestre de 2024, houve alta de 83,9%.

Impactos

Para Guilherme Rios, assessor técnico da Comissão Nacional de Política Agrícola da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), o aumento dos pedidos de recuperação judicial tem provocado efeitos negativos no mercado de crédito rural, em geral, atingindo inclusive produtores com situação econômica saudável.

“Tornou-se comum que instituições (financeiras) exijam 100% de garantias reais nas operações, limitem o valor de crédito por tomador e adotem políticas mais conservadoras na precificação do risco de suas carteiras”, afirma. “Esse movimento, aliado a uma taxa Selic de 15% ao ano, eleva significativamente o custo do crédito rural para o produtor”, acrescenta.

Rios também cita a existência de um movimento “oportunista, com a formação de uma verdadeira ‘indústria’ de recuperações judiciais, induzindo produtores a recorrerem a esse instrumento mesmo sem atender aos requisitos necessários”. Para ele, muitos desses casos poderiam ter sido solucionados por mecanismos menos drásticos para reequilibrar os débitos.

Para coibir as práticas indevidas, o assessor técnico da CNA, afirma, sem dar detalhes, que existem ações em andamento para aprimorar o instrumento da recuperação judicial.

A fintech de crédito Agree presta consultoria a produtores rurais e os conecta a 18 parceiros que podem ofertar financiamento, entre bancos e fundos de investimento. De acordo com Thays Moura, fundadora da Agree, algumas regiões agrícolas passaram a ser vistas pelos bancos com menor credibilidade devido à expansão das recuperações judiciais.

Para Moura, o que ajuda a minimizar isso é o fato de que, apesar do cenário adverso, o agro ainda apresenta inadimplência menor do que outros setores da economia, embora tenha crescido, como mostraram balanços de instituições financeiras.

Fonte: Globo Rural

 

 

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