Com cerca de 62% do território coberto por vegetação nativa, o Brasil abriga 12% de todas as reservas de água doce do mundo e tem 85% de sua matriz de energia elétrica composta por fontes renováveis. Segundo especialistas, o país também se destaca por contar com uma das maiores biodiversidades do mundo, vocação agrícola estratégica e também alto potencial de expansão para fontes solar, eólica e de hidrogênio verde.
A lista acima indica o potencial que o país tem de ser protagonista na agenda ambiental, liderando a transição global para uma economia de baixo carbono. Para ser reconhecido como um caso de sucesso a nível mundial, porém, o Brasil ainda precisa reduzir sua emissão de gases de efeito estufa (GEE) em setores chave da economia.
Os principais entraves a nível nacional são o desmatamento, as emissões de metano vindas da agropecuária e o setor de transportes, que lança gases nocivos ao ambiente pela queima de combustíveis fósseis, como gasolina e diesel, usados em veículos como carros, caminhões e ônibus.
Guarany Osório, professor e coordenador de programa de pesquisa do Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV-EAESP, aponta que a receita para esse protagonismo “exige alinhar retórica e prática: transformar ambições climáticas em políticas públicas e estratégias empresariais concretas, com governança robusta, metas transparentes e instrumentos eficazes de implementação”, diz o especialista.
Energia e transportes
Responsável por cerca de um quarto das emissões globais de CO2, o setor de transportes – que emite mais da metade dos gases de efeitos estufa provenientes do setor de energia –, aparece na terceira posição no ranking de maiores emissores de GEE no Brasil. Para se ter uma ideia, 91% das emissões de CO2 dos transportes no país são oriundas do modal rodoviário, segundo o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.
Osório ressalta que, por já possuir uma variedade de matérias-primas para produzir biometano, diesel verde, hidrogênio verde, metanol verde e SAF – combustível sustentável de aviação – o Brasil pode se destacar na descarbonização do setor de transportes, devido à sua maior facilidade para produzir esses biocombustíveis.
Shigueo Watanabe Junior, pesquisador sênior do Climainfo, também ressalta que pelo país possuir dimensões continentais, é possível explorar mais fontes de energia com menor impacto ao ambiente, como solar e eólica. “Como em qualquer produção, o setor energético tem impactos sociais e ambientais. Então, é imprescindível que esta transição ocorra com o máximo respeito a comunidades e ao meio ambiente”.
Hoje, a capacidade instalada total de usinas eólicas no Brasil é próxima de 33 mil megawatts (MW). Esse total representa cerca de 13,5% da matriz elétrica nacional, conforme dados do Sistema de Informações de Geração (SIGA), da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL).
Já a energia solar é a 2ª maior fonte do país, centralizando 22% da produção. Segundo dados da Absolar (Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica), a fonte solar evitou a emissão de cerca de 66,6 milhões de toneladas de CO2 na geração de eletricidade.
Agropecuária
Responsável por 27% das emissões de gases de efeitos estufa, a agropecuária ocupa a segunda posição no ranking de maiores emissores de GEE do Brasil. O relatório do Observatório do Clima aponta que:
– 64% das emissões do setor vêm da fermentação entérica – emissões de metano que ocorrem no processo digestivo dos animais ruminantes (bovinos, ovinos, caprinos).
– 30% de solos manejados – emissões proveniente do incremento de nitrogênio via uso de insumos e operações de manejo de solos agrícolas;
– 4,5% do manejo de dejetos de animais;
– 1,5% do cultivo de arroz – emissão acontece pela decomposição anaeróbica da matéria orgânica em sistemas irrigados, onde há inundação do solo.
Para reduzir as emissões desse setor, pesquisadores destacam que o Brasil pode assumir protagonismo devido à sua vasta expertise em tecnologias agrícolas, desenvolvidas por instituições de pesquisa como a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e por universidades nacionais.
Algumas dessas técnicas já são aplicadas atualmente. Entre elas estão o melhoramento no pasto, que produzem capins mais facilmente digeríveis, permitindo que o gado atinja o tempo de abate mais rapidamente; e o uso de aditivos na alimentação dos animais, que otimizam a fermentação dos ruminantes e, consequentemente, reduzem a geração de metano deles.
Uso da terra
Campeão no ranking de emissões de gases de efeitos estufa no Brasil, o setor de uso da terra é responsável por 46% do total de emissões de GEE no país. Essas emissões são impulsionadas pelo desmatamento – que representa 93% do total do setor – liberando dióxido de carbono (CO2), um dos principais gases responsáveis pelo aquecimento global.
Especialistas defendem que para reduzir o desmatamento, é necessário aplica uma combinação de políticas públicas e medidas de fiscalização. Entre elas, estão o fortalecimento do monitoramento e punição aos infratores; incentivo à produção sustentável; e implementação de rastreabilidade de produtos, que permitam identificar se a madeira é ilegal – proveniente de atividades de desmatamento.
É o que aponta um relatório lançado em 2017 pelo Grupo de Trabalho pelo Desmatamento Zero – formado pelas ONGs Greenpeace, Instituto Centro de Vida, Imaflora, Imazon, Instituto Socioambiental, IPAM, TNC e WWF –, intitulado “Desmatamento zero na Amazônia: como e por que chegar lá”. Entre as ações consideradas urgentes estão mudanças no sistema de produção agropecuária, combate à grilagem de terras públicas e estímulo à economia florestal.
Principais desafios
Apesar das oportunidades de o Brasil ser protagonista na economia do baixo carbono, Guarany Osório, professor da FGV-EAESP, aponta a ausência de integração da mudança do clima no centro das decisões sobre desenvolvimento e estratégia econômica como um obstáculo. “Além disso, a falta de coerência entre políticas setoriais e a política de clima compromete sua efetividade e reforça barreiras institucionais e operacionais à transição”.
Ele destaca que as políticas mais eficazes serão aquelas que integram a mudança do clima às decisões centrais do Estado e das empresas, com metas claras, responsabilidades definidas e mecanismos de governança consistentes. “Para que a transição ocorra de forma real e duradoura, é essencial superar a fragmentação entre planos setoriais e a política climática, assegurando coerência entre políticas e capacidade de implementação. Sem esse alinhamento, os compromissos assumidos continuarão distantes da prática”.
Fonte: Revista Galileu