As inundações que assolam o Estado do Rio Grande do Sul podem tirar até 0,4 ponto percentual da taxa de crescimento da economia brasileira neste ano, apontam avaliações preliminares de consultorias econômicas e bancos. O último Relatório Focus do Banco Central, divulgado nessa segunda-feira (13), aponta que a mediana das projeções de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) para 2024 está em 2,09%, mas não inclui os estragos da catástrofe gaúcha.
O Rio Grande do Sul tem papel importante na economia nacional: respondeu por 6,5% no PIB brasileiro em 2021, segundo dados do Sistema de Contas Regionais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O estado só é superado por São Paulo, que detém 30,2% do PIB, seguido pelo Rio de Janeiro (10,5%) e Minas Gerais (9,5%).
Em meados de abril, antes do início das chuvas torrenciais no estado, a Tendências Consultoria Integrada, por exemplo, projetava crescimento de 2,9% do PIB gaúcho para este ano. O resultado seria puxado pelo desempenho positivo da agropecuária, com destaque para a produção de soja, milho e arroz, após dois anos consecutivos de quebras de safras, e pela recuperação da produção industrial, sobretudo de veículos automotores, metalurgia e alimentos.
No entanto, “esse panorama foi completamente alterado pela catástrofe iniciada no fim do último mês”, apontam os economistas da consultoria, em relatório. Eles ressaltam os impactos negativos diretos das cheias na agropecuária e na indústria, setores muito importantes para economia gaúcha e do país. Mas os economistas da consultoria ainda não se arriscam em projetar o tamanho do estrago no PIB pelo fato de a tragédia ainda estar em curso.
Já o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, calcula que o impacto da tragédia no Rio Grande do Sul no PIB brasileiro poderá ser de 0,4 ponto neste ano. “É difícil estimar perdas no calor dos acontecimentos, com novo ciclo de chuvas chegando à região”, pondera Vale em relatório.
Para fazer essa projeção, ele considera os estragos provocados pelo furacão Katrina, em agosto de 2005, no Estado da Luisiana (EUA), que foi o mais afetado. O PIB do estado americano, que vinha crescendo até agosto daquele ano 4,5%, fechou o ano com queda de 1,5 em 2005, uma diferença de 5,5 pontos percentuais.
De acordo com projeções da MB Associados, o PIB do Rio Grande do Sul crescia até abril 3,5%. Aplicando a métrica do Estado da Luisiana no Rio Grande do Sul, o PIB gaúcho poderá encerrar este ano com recuo de 2%, retirando 0,4 ponto percentual do crescimento do PIB do Brasil.
Vale reitera que a consultoria projeta crescimento de 2% para o PIB nacional em 2024, mas enxergava a possibilidade de revisão para cima, o que a tragédia do Rio Grande do Sul afastou. “Reforçamos assim nosso número de 2% e diminuímos a chance de números mais próximos de 2,5%, que poderiam ser uma possibilidade”, afirma em relatório.
Mais cauteloso, o Departamento Econômico do Bradesco espera um recuo de 0,2 a 0,3 ponto percentual no PIB deste ano por causa das cheias no Rio Grande do Sul. Levando em conta que a Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul projetava crescimento do PIB gaúcho de 4,7% neste ano e considerando as regiões atingidas, o peso relativo das atividades econômicas e as experiências do passado, como o ciclone de 2008 e a pandemia, os economistas do banco projetam que o PIB do estado este ano não vá crescer ante 2023.
De acordo com análise, o maior impacto na atividade econômica será sentido em maio. “Em junho, acreditamos que grande parte das atividades estará normalizada, a depender dos danos físicos e do ritmo de reconstrução”, observam os economistas em relatório.
A agropecuária será uma das atividades mais impactadas pelas cheias, na análise do Bradesco. O setor responde por 15% do PIB estadual, o que representa 12,6% do PIB agropecuário brasileiro. Arroz, soja, trigo e carnes são os principais produtos produzidos, apontam os economistas do banco. O estado respondeu por 12% dos abates de suínos e 9,5% dos abates de frangos em 2023. O maior reflexo deve ser sentido na produção de suínos cujo ciclo é mais longo.
Desdobramentos também devem ocorrer na indústria de transformação, preveem economistas do Bradesco. A fatia da indústria de transformação é 18% do PIB estadual e passa de 8% da indústria brasileira, com destaque para calçados, móveis, produtos de metal e máquinas e equipamentos.
Nas contas do Banco Santander, o impacto das enchentes no Rio Grande do Sul deve ser de 0,3 ponto percentual do crescimento do PIB nacional, estimado para este ano em 1,8%, antes da tragédia.
Na análise dos economistas do Santander, o setor mais crítico deve ser a indústria. Apesar de o Rio Grande do Sul ter forte presença no agronegócio, os especialistas ponderam que a maior parte das safras de grãos já tinham sido colhidas. No caso dos serviços, os reflexos maiores deverão ser no curto prazo, mas seguidos de rápida recuperação.
Já a indústria é foco de preocupação, alertam os economistas do banco, porque a destruição de capital fixo pode afetar a produção fabril do estado e ter efeitos prolongados sobre a atividade. Como exemplo, eles citam os estragos nas atividades indústrias ocorridos em outras ocasiões, como, por exemplo, as enchentes em Santa Catarina em 2011 e a catástrofe de Brumadinho, em Minas Gerais, em 2019.
Impactos agudos
O economista-chefe da gestora WHG, Fernando Fenolio, também avalia que o desastre climático no Rio Grande do Sul deve ter “impactos agudos” para a economia do estado e do Brasil. “É uma mescla de pandemia rápida, mas com impactos agudos”, diz o economista, durante a live mensal de atualização de cenário da gestora.
Ele cita que regiões do estado, principalmente algumas com potencial turístico, estão com todas as atividades fechadas. “O PIB (dessas regiões) vai colapsar, até você normalizar”, diz. “É uma soma de catástrofe natural com impactos parecidos com a pandemia”.
O economista ainda lembra dos efeitos do desastre na produção agrícola da região e que, embora boa parte da safra já tenha sido colhida, há um grande problema agora para escoamento. “A capacidade industrial também pode ter sido impactada para sempre, com os alagamentos”, acrescenta.
Nesse cenário, o economista diz que tem tentado traçar algumas hipóteses para medir o tamanho do impacto do desastre sobre a atividade do Brasil. “Estamos falando de pelo menos 0,2 a 0,3 ponto percentual a menos para o PIB do país, em função de um estado que é 6% do PIB brasileiro”, conclui.
Fonte: Estadão