ARACAJU/SE, 3 de julho de 2025 , 3:20:14

Longe da universalização, 63% das escolas não têm bibliotecas para formar leitores

 

No dia 24 de maio de 2010, sem alarde ou evento público, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em seu segundo mandato, sancionou uma lei enxuta e objetiva: todas as escolas do país deveriam ter uma biblioteca. Num prazo de dez anos, dizia o texto, todos os esforços deveriam ser feitos para que a universalização fosse “efetivada”. De iniciativa da Câmara, a proposta não encontrou dificuldades para ser aprovada também pelo Senado.

Ao chegar ao Palácio do Planalto, a legislação também foi assinada pelo então ministro da Educação, Fernando Haddad — hoje chefe da equipe econômica de Lula. Era uma iniciativa de consenso, que apontava para necessidade de estimular a leitura e desenvolver o aprendizado.

Pouco mais de 15 anos depois, 114,4 mil escolas do país — de um total de 179,3 mil, ou 63%, — ainda não possuem uma biblioteca. Os dados são do Censo Escolar, divulgado pelo Ministério da Educação, em abril.

Sem estrutura

Sem a estrutura e o incentivo para contar com esse tipo de espaço, diretores de escolas se esforçam para montar as chamadas “salas de leitura”, onde os alunos têm a oportunidade de ao menos estreitar os laços com os livros. Microdados do mesmo Censo revelam, porém, que são 85.045 as escolas que não têm salas de leitura nem biblioteca, o que corresponde a 47,4% das unidades de ensino.

Em uma sala pequena, com duas mesas, estantes quebradas e livros doados, cerca de 650 crianças da Escola Estância de Planaltina, no Distrito Federal, tentam encontrar na leitura um caminho para aprender a ler e escrever. A sala de leitura substitui a biblioteca que a escola nunca teve.

— A sala de leitura é bem sucateada. O mobiliário é antigo e os livros são, em sua maioria, fruto de doações. Adaptamos uma professora para ser responsável pela sala, mas só tem ela para cuidar dos dois turnos. Ficamos dando jeitinhos, tirando leite de pedra — conta o diretor Flávio Lúcio Rocha.

Procurada, a Secretaria de Educação do DF afirmou que, numa rede de 709 escolas, possui 186 bibliotecas e nove bibliotecas comunitárias, além de 470 salas de leitura.

Em 2024, segundo ano do terceiro mandato de Lula, quando o prazo para a universalização já estava expirado, o presidente novamente sancionou uma lei que altera a norma de 2010.

Desde o ano passado, a meta é ter bibliotecas em todas as escolas até meados de 2028 — no prazo máximo de vigência do atual Plano Nacional de Educação. Para isso, foi criado o chamado “Sistema Nacional de Bibliotecas Escolares”, que em tese criará incentivos para a construção dos equipamentos.

O ritmo, porém, é incompatível com o esforço feito nas últimas duas décadas. Seria necessária a construção de mais 3.300 bibliotecas por mês até lá para alcançar a universalização.

A ausência de bibliotecas é ainda mais acentuada na educação infantil, um dos focos do programa Criança Alfabetizada, lançado pelo governo federal em 2023. Segundo o Censo 2024, apenas 32,8% das escolas municipais brasileiras com ensino infantil têm bibliotecas. Na rede federal, a proporção é maior, com 53,9%.

Procurado para falar sobre a situação, o Ministério da Educação não se manifestou.

O programa Criança Alfabetizada prevê financiamento federal e apoio técnico para que estados e municípios promovam melhorias na política de alfabetização. De acordo com o MEC, todos os estados e 99,8% dos municípios do país aderiram à iniciativa.

A política tem como meta garantir que todas as crianças estejam alfabetizadas até o fim do 2º ano do ensino fundamental, além de recuperar aprendizagens perdidas durante a pandemia.

Os recursos repassados podem ser utilizados para formação de professores, compra de materiais didáticos, realização de atividades e melhorias na infraestrutura pedagógica.

Hoje, a maioria das escolas das redes estaduais e municipais carece de estruturas para garantir uma alfabetização de qualidade, inclusive com o apoio de bibliotecas.

No Acre, por exemplo, das 609 escolas da rede estadual, somente 175 (28,7%) possuem salas de leitura, segundo a Secretaria Estadual de Educação. Nenhuma unidade conta com bibliotecários.

Já a Secretaria Municipal de Educação de Manaus declara ter 510 escolas municipais, das quais apenas 183 possuem bibliotecas e 81 têm salas de leitura. “Para atender às necessidades cotidianas de crianças e estudantes, as unidades desenvolvem atividades de leitura realizadas em espaços dentro da sala de aula ou em outros ambientes da escola”, informou o município.

Na capital de Rondônia, Porto Velho, 97 das 139 escolas não têm bibliotecas nem salas de leitura. São apenas 42 com equipamentos. “As demais desenvolvem projetos pedagógicos que incentivam a leitura em sala de aula”, destacou a Secretaria Municipal de Educação.

‘Reorganizar a rota’

Até 2026, o governo federal prevê investir cerca de R$ 3 bilhões no programa Criança Alfabetizada.

— As políticas de alfabetização têm sofrido, de governos a governos, inúmeras interrupções — diz o professor da Faculdade de Educação da Unicamp, Guilherme Prado. — Reerguer a alfabetização implica uma articulação mais intensa com os estados.

A coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Andressa Pellanda, lembra ainda do atraso na divulgação do Saeb, que avalia a alfabetização, e a mudança da metodologia para medir o aprendizado das crianças, com avaliação pelos estados.

— Mal decolou (o programa Criança Alfabetizada) e já temos que reorganizar a rota, com urgência — diz a especialista.

Fonte: Folha de Pernambuco

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