Em outubro, quando Franco Loyola, de 29 anos, decidiu sair de Goiânia e passar dois meses em Buenos Aires, incluindo o período da Copa do Mundo, os amigos lhe advertiram: “Prepare-se! Você será muito zoado pelos argentinos quando souberem que você é brasileiro”.
Pois foi exatamente o contrário: os argentinos o receberam de braços abertos, fazendo com que se sentisse em casa. Um mês e meio depois, ele ainda não sentiu o peso da famosa rivalidade.
“Quando digo que sou brasileiro, a reação dos argentinos é muito diferente da que eu esperava. Sou calorosamente recebido. Então, este é um país do qual passei a gostar bastante. Por essa inesperada afinidade afetiva e pela identificação sul-americana, tenho torcido para a Argentina nesta Copa e vou torcer na final contra a França“, afirmou Franco.
A mineira Débora Torres, de 36 anos, chegou a Buenos Aires há oito meses, tempo suficiente pata trocar a rivalidade pelo carinho, a tal ponto que, mesmo se o Brasil tivesse perdido para a Argentina numa hipotética semifinal, a brasileira não ficaria triste com a eliminação.
“Eu tinha essa relação de rivalidade antes de vir para cá. Mas agora, conhecendo os argentinos mais de perto, a rivalidade fica de lado. Tendo a pensar que, num confronto entre as duas seleções, torceria mais pelo Brasil, mas não ficaria triste se a Argentina ganhasse”, disse. “Uma coisa que me faz querer torcer por eles é como torcem, sempre incentivando a sua seleção. Gosto disso. É diferente dos brasileiros que, por qualquer motivo, começam a insultar e a reclamar do próprio time.”
O paranaense Edson Carvalho, de 43 anos, está há dois meses pedalando. Saiu de bicicleta de Florianópolis, em Santa Catarina, rumo a Ushuaia, na Terra do Fogo. Durante o Mundial, estacionou em Buenos Aires. “Como o Brasil foi eliminado, eu torço para a Argentina. A minha motivação é torcer pela América do Sul”, afirmou, mesmo ciente dos riscos de uma vitória argentina. “Torço para a Argentina mesmo que isso depois implique alguma zoação por parte dos argentinos.”
Há quatro anos, a paulista Denise Santos, de 36 anos, é uma dos cerca de dez mil estudantes de Medicina brasileiros na Argentina. Desde que chegou a Buenos Aires, paulatinamente, trocou a clássica rivalidade pela gratidão ao país. Agora, torce para a Argentina com a bandeira azul celeste e branco pintada nas duas bochechas. Quando morava no Brasil, torcia contra a Argentina. Era a típica rival. Mas agora sou grata pela oportunidade de estudar aqui e adoro a festa da torcida argentina, disse Denise, destacando que os “hermanos” têm apenas dois títulos.
O namorado Léo Clemente, de 41 anos, ainda mora no Brasil, mas veio a Buenos Aires para participar da festa. “Viemos torcer pela felicidade dos argentinos e ver a festa da vitória.”
Thaís Souza, de 35 anos, também estudante de Medicina, é solidária: “Nós já somos penta. Deixa eles ganharem mais uma, né”, disse.
Motivos
De um modo geral, são seis os motivos que levam os brasileiros a torcerem pelos seus históricos rivais:
- Uma admiração pelo futebol de Lionel Messi agora e pelo de Diego Maradona antes.
- A contagiante festa da torcida argentina capaz de cantar e de pular incansavelmente.
- A gratidão ao país que oferece ensino gratuito aos brasileiros.
- As relações afetivas com o país, com amigos ou com parentes.
- Um sentimento regional por identificação cultural com a América do Sul e
- Um equilíbrio na balança de títulos entre a Europa e a América do Sul.
Até 2002, quando o Brasil foi pentacampeão, a balança de títulos vinha equilibrada, mas os quatro últimos Mundiais foram ganhos por seleções europeias. Das 21 taças do mundo, a Europa tem 13, enquanto a América do Sul, 9. Tanto Argentina quanto França possuem duas.
Torcida no Brasil
Não é preciso morar na Argentina nem ter vínculos afetivos com o país para torcer pela seleção comandada por Lionel Messi. A turista Thaís Oliveira, de 30 anos, passou por Buenos Aires nesta semana e, já de volta a Belo Horizonte, vai torcer pela Argentina.
“Nunca torci contra a Argentina. Prefiro torcer para a Argentina a torcer para países distantes. Gosto do futebol argentino e gosto muito do Messi. A seleção argentina está jogando muito bem. Merece ganhar”, afirmou Thaís.
Ao seu lado, a também turista mineira Giulia Alves, de 32 anos, concorda. “Infelizmente, o Brasil foi eliminado. Agora, o meu coração é argentino. Verei a Final no Brasil, mas torcendo para a Argentina”, indica Giulia, destacando o melhor destino para a taça.
“Os argentinos têm apenas duas estrelinhas no peito. Merecem esse título. A França também tem duas, mas fico com a nossa região.”
110 anos de rivalidade
A rivalidade entre Brasil e Argentina no futebol começou há exatamente 110 anos. Em 1912, num amistoso que não entrou nas estatísticas, o ex-presidente argentino Julio Argentino Roca foi ao Brasil durante as comemorações do 7 de Setembro.
Essa visita presidencial incluiu uma partida entre argentinos e brasileiros no estádio do Fluminense.
No intervalo do jogo, quando os argentinos já ganhavam por 3 a 0, Julio Roca pediu aos seus jogadores que tivessem a sensibilidade de entender que o Brasil comemorava a sua data pátria e que deveriam entregar o jogo. A rivalidade falou mais alto: Argentina 5 a 0.
Análise
Para o pesquisador brasileiro Alexandre Mesquita, autor de livros como “Clássico Vovô”, “Almanaque dos Velhos Brasileirões” e “As 100 Melhores Crônicas (comentadas) de João Saldanha”, identifica três pontos principais ao longo da história para explicar, do ponto de vista do futebol, que brasileiros torçam pela Argentina, apesar da conhecida rivalidade.
“Em termos cronológicos, em primeiro lugar, surge a escola argentina de futebol com um estilo clássico de jogo coletivo e de raça que, desde os anos 1930 e 1940, foi sempre muito admirado no Brasil”, descreve Mesquita ao Estadão.
Nos anos 1980, começa o segundo motivo: Diego Maradona, adicionando o drible e as manobras desconcertantes ao jogo coletivo.
“Maradona surge logo depois que Pelé parou de jogar num período de jejum do futebol brasileiro que passa cinco Mundiais sem títulos, mais ou menos o que acontece agora com Messi enquanto o Brasil completa outros cinco Mundiais sem ganhar”, disse o escritor, apontando o terceiro motivo: Messi.
“Para as novas gerações, Messi é o sucessor de Maradona. Quem gosta de futebol, admira Messi e deseja que seja campeão.”
CNN BRASIL