ARACAJU/SE, 7 de setembro de 2024 , 20:29:45

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Qual é o mascote dos Jogos Olímpicos 2024? Conheça a história dos Phryges, um antigo gorro histórico

 

Quando o primeiro mascote olímpico oficial – um cachorro dachshund em tons de arco-íris chamado Waldi – estreou nos Jogos Olímpicos de 1972 em Munique, na Alemanha, ele se tornou um símbolo popular tanto do evento internacional quanto do país anfitrião. Desde então, a maioria dos mascotes olímpicos tem sido personagens de animais coloridos.

Para os Jogos Olímpicos de 2024, no entanto, a França, país-sede, escolheu um gorro (ou boné) com um nome quase impronunciável. O Smiley Phryge (pronunciado, no estilo francês, como “Free-juh”) representa o que é conhecido como boné frígio, baseado em bonés semelhantes usados pelos revolucionários franceses do século 18, que o viam como um símbolo de liberdade. Na famosa pintura de Eugene Delacroix, “A Liberdade Guiando o Povo”, a figura alegórica da Liberdade hasteia a bandeira francesa usando um boné desse tipo, com sua ponta distinta voltada para a frente.

Mas, embora a Phryge da França seja agora canonizado como mascote olímpico (um outro Phyrge representa as Paraolimpíadas), a origem desse gorro remonta a milhares de anos, aparecendo na Guerra de Troia, na lenda do Rei Midas e até mesmo na Revolução Americana.

A história dos Phryges – ou frígios

O nome desse gorro vem da Phrygia (ou Frígia), um antigo reino localizado no que hoje é a Turquia central. Os pesquisadores acreditam que os frígios migraram dos Bálcãs para lá por volta de 1200 a.C. e construíram sua capital no local de Gordion.

Embora a maioria das pessoas não esteja familiarizada com os frígios, eles aparecem com destaque nas histórias contadas até hoje: o lendário rei Midas, que segundo a lenda foi amaldiçoado a transformar tudo em ouro, os arqueólogos acham que Midas foi um rei frígio real e muito rico que governou no século 8 a.C.

O arqueólogo Brian Rose, da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, que lidera as escavações em Gordion desde 2013, acredita que o mito do “Toque de Ouro” de Midas pode ter se originado com as roupas dos aristocratas frígios, que usavam vestimentas tingidas com um pigmento específico para dar a elas um brilho dourado. As dezenas de milhares de artefatos impressionantes recuperados em Gordion, incluindo vasos e joias de ouro e móveis de madeira fina, atestam a grande – e muito real – riqueza dos frígios.

Há também a lenda do Gordion Knot (o nó de Gordion) um intrincado emaranhado de cordas que se diz ter sido amarrado pelo pai de Midas, Gordias (também uma pessoa real, que deu nome a Gordion) e que foi exibido no Templo de Zeus da capital.

A lenda estipulava que somente a pessoa que o desatasse poderia governar a Ásia, mas o nó permaneceu firmemente preso até que Alexandre, o Grande, visitou Gordion em 333 a.C. e simplesmente o cortou com sua espada.

O boné frígio ou gorro frígio (e futuro mascote olímpico) aparece pela primeira vez em uma representação esculpida de um cavaleiro encontrada em Gordion e datada do início do século 9 a.C. “Essa é a referência visual mais antiga que temos”, conta Rose.

Boné de alteridade

Rose observa que os gregos antigos consideravam os troianos da Ilíada de Homero como associados dos frígios – e a própria Ilíada registra que a rainha troiana Hécuba era filha de um rei frígio.

A Troia mítica ficava na costa da Anatólia, longe do coração frígio, mas a antiga associação grega pode ser uma evidência do poder frígio.

Um personagem central da Ilíada é o príncipe troiano Páris, que acaba desencadeando a Guerra de Troia quando as deusas lhe pedem para decidir quem era a mais bela. Essa cena – conhecida como o Julgamento de Páris – era um tema popular entre os artistas gregos antigos.

As representações artísticas do príncipe troiano geralmente o mostravam usando um boné frígio, o que significava que ele não era grego, explica Margaret Miller, professora emérita de arqueologia da Universidade de Sydney, na Austrália.

Paris usa vários gorros frígios em diferentes obras de arte, um dos quais parece ser feito de pele de animal – e Miller acredita que essa pode ter sido a origem do estilo distinto, com a cabeça ou o pescoço de uma pele de animal formando o “chifre” característico do boné ou a ponta voltada para a frente.

Por fim, o boné frígio tornou-se um símbolo na arte grega para qualquer pessoa do que hoje é o Oriente Médio, incluindo persas e medos. Muito mais tarde, ele passou a ser associado ao deus romano Mitra, que supostamente se originou na Pérsia.

O gorro frígio (também chamado de “barrete frígio”) tornou-se até mesmo um emblema da própria Roma: de acordo com a Eneida de Virgílio, um poema épico escrito no século 1 a.C., o herói troiano Enéias e seus seguidores chegaram à Itália após a Guerra de Troia e fundaram a cidade de Alba Longa, a poucos quilômetros do futuro local de Roma.

Como a mãe do fundador mítico de Roma, Rômulo, era filha do rei de Alba Longa, os romanos podiam alegar descendência dos troianos, tornando o boné frígio um símbolo de suas origens estrangeiras.

Símbolo de liberdade

Entretanto, após o fim do Império Romano, o simbolismo do boné frígio não ficou claro. A arte romana apresenta outro tipo de boné, um chapéu cônico chamado pileus, que era dado aos escravos romanos quando eles eram libertados e se tornou um símbolo visual da manumissão, ou liberdade da escravidão.

Rose acredita que as representações antigas do pileus e do barrete frígio ficaram confusas no século 18, quando artistas revolucionários da Europa procuraram símbolos de liberdade na arte romana.

“Quando os franceses e os britânicos quiseram escolher um boné da liberdade da antiguidade, erraram”, afirma. “Eles escolheram o boné frígio, que significava status no Oriente Médio, em vez do pileus, que significava liberdade – e assim o boné frígio passou a ser interpretado como um símbolo de liberdade.”

Dos Estados Unidos para a França

O “boné da liberdade” parece ter aparecido pela primeira vez nos Estados Unidos pré-revolucionário na obra de arte do ourives Paul Revere, que criou várias tigelas de prata na década de 1760 com o símbolo romano, de acordo com um artigo de 1987 de Yvonne Korshak, professora emérita de história da arte na Universidade Adelphi de Nova York.

Mas as representações de Revere mostram um gorro arredondado em vez do boné frígio apontado para frente. Nessa forma, ele se tornou um símbolo comum da Revolução Americana, aparecendo em pinturas, selos e bandeiras.

Alguns anos após a Revolução Americana, no entanto, o gorro frígio em sua forma original tornou-se um símbolo da França revolucionária – possivelmente porque, como observa Korshak, ele se assemelhava aos gorros de meia comumente usados pelos trabalhadores franceses.

Durante a Revolução Francesa, e por muitos anos depois, o gorro frígio apareceu em pinturas, ilustrações e estátuas de Marianne, a personificação mítica da República Francesa que ainda decora muitas prefeituras.

Agora, como um símbolo da República Francesa e da liberdade, esse humilde acessório de cabeça de 3 mil anos de idade está pronto para adornar camisetas, chaveiros e brinquedos de pelúcia durante as Olimpíadas de Paris – uma nova jornada notável desde suas origens em um reino antigo.

Fonte: National Geographic Brasil

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