Local que reúne arte contemporânea e natureza, o Instituto Inhotim, maior museu a céu aberto da América Latina, fica em Brumadinho (MG). A cidade ficou marcada por uma das maiores tragédias socioambientais do país: o rompimento da barragem Córrego do Feijão, da mineradora Vale, em 2019, que deixou 259 mortos. Embora tenha sido fechado por quinze dias aos visitantes na época do desastre, o museu — que nasceu da restauração de uma região degradada pela mineração e fazendas — não foi atingido pela lama.
São ao todo 390 hectares, dos quais 140 são abertos para a visitação. Palco de pesquisas científicas e de conscientização ambiental, o Inhotim equilibra belas paisagens naturais e obras de mais de 280 artistas, de 43 países, que estão expostas ao ar livre e em galerias.
Ciência no museu
Ao todo, o Inhotim abriga mais de 4,3 mil espécies de plantas, vindas de todos os continentes. As principais são as palmeiras, as arácias (grupo da taioba, copo-de-leite e costela-de-adão), bromélias e orquídeas.
Em entrevista à GALILEU, a bióloga Sabrina Carmo, gerente de natureza do museu, destaca que o instituto fica entre dois biomas: o do Cerrado e da Mata Atlântica, ambos considerados grandes hotspots de conservação.
“Hotspot é um termo da biologia da conservação para a gente conseguir reconhecer aqueles biomas que estão muito ameaçados, porque já perderam grande parte de sua cobertura vegetal, e, ao mesmo tempo, tem muito endemismo e um grande número de espécies”, define Carmo.
Para auxiliar na conservação dessa região ameaçada, pesquisadores trabalham no Viveiro Educador do Inhotim. Lá fica o Laboratório de Botânica, que é focado em plantas raras e de difícil cultivo. Além disso, há estufas climatizadas, uma casa de vegetação, um platô de rustificação e uma área de montagem de vasos.
O museu conta também com um banco de mais de 500 mil sementes, de 74 espécies vegetais, a maioria nativa da Mata Atlântica e do Cerrado. Elas ficam guardadas em câmeras frias por longos períodos, e estão disponíveis para troca ou doação para outros jardins botânicos, instituições e pesquisadores.
Atualmente, os estudos botânicos do museu estão focados em três grupos: espécies como a Melanoxylon brauna (popularmente conhecida como braúna), plantas do gênero Syagrus e orquídeas Cattleya.
Jardim com flor-cadáver
No museu, existem árvores centenárias, como o jequitibá (Cariniana) e o tamboril (Enterolobium contortisiliquum). “Sempre que eu bato o olho nelas, a impressão que eu tenho é que elas são grandes senhoras, plantas que viram a paisagem sendo construída e reconstruída”, afirma Carmo. “São grandes testemunhas do tempo”.
O Inhotim também cultiva uma espécie inusitada conhecida como “a maior flor do mundo”, que também é a mais fedida. Trata-se da flor-cadáver (amorphophallus titanum), que tem quase dois metros de altura e entrou no auge de sua floração em 2012. “Ela ficou muito conhecida na época que ela floresceu aqui no Inhotim, porque é realmente um evento e tanto”, diz Carmo.
Apesar dessa rara planta ser conhecida como “flor”, na verdade, ela é uma inflorescência. O conjunto de pequenas flores em seu interior é que se chama inflorescência. A espécie pode viver 40 anos, mas só floresce, em média, três vezes na vida.
“Ela é uma planta que pertence ao grupo das arácias, e apresenta uma inflorescência que realmente é muito grande. Ela era cultivada, para você ter uma ideia, em uma caixa d’água, por causa do tamanho [enorme] dela”, conta a bióloga.
Atualmente, a flor-cadáver do Inhotim está em um estágio onde há somente seu caule, parecido com uma batata. “Não está com a flor agora”, diz Carmo. “Também não sabemos quando isso [o florescimento] irá acontecer outra vez”.
A escolha do Inhotim por ter sua vegetação composta, em sua maioria, por espécies botânicas em folhagens verdes, que não tem flores coloridas, é uma maneira de garantir que a experiência dos visitantes seja sempre a mesma. A opção garante que quem vêm ao museu não se frustre por não encontrar plantas floridas — que desabrocham em épocas diferentes do ano.
Animais do Inhotim e onde habitam
Além de encantar os visitantes com seus tesouros botânicos, o museu apresenta uma rica fauna, nativa do Cerrado e Mata Atlântica. Nos lagos, por exemplo, vivem espécies variadas de peixes.
As águas dos lagos são pintadas com um corante biodegradável, mantendo a aparência de cor verde delas durante o ano todo. “O corante não tem nenhum tipo de prejuízo, nem para a fauna, nem para a flora que está associado, porque ele é produzido a partir de algas”, explica Sabrina Carmo. “Já é muito usado comercialmente em vários lugares. É uma opção que faz parte da composição do paisagismo do instituto”.
Segundo a especialista, no Inhotim vivem muitas espécies de borboletas, de mariposas e de mamíferos. “A gente está falando de quatis, veados e algumas espécies de primatas, como, por exemplo, o guigó, que é um primata de porte médio. Tem também o mico-estrela, que, em outros lugares, é mais conhecido como sagui”, afirma.
Para monitorar todos esses animais, o museu conta com uma equipe multidisciplinar de gestão ambiental, composta por engenheiros ambientais trabalhando com biólogos e outros profissionais. Enquanto isso, um grupo especializado de jardineiros realiza desde podas mais finas a grandes operações (como transplantes de palmeiras).
Além disso, há profissionais de curadoria botânica, entre os quais, engenheiros agrônomos e biólogos, que fazem um colecionismo de plantas baseado em estratégias de conservação, reprodução e restauração.
Construções bird-friendly
Até o momento, a equipe do museu estima que vivam lá pelo menos 230 espécies de aves. À procura de alimento, os tucanuçus (Ramphastos toco) costumam pousar desajeitados nos galhos secos das árvores. Eles surgem em casais, ou por vezes, solitários, de acordo com o Guia de Aves do Inhotim.
Outra espécie notável é o jacuaçu (Penelope obscura), comum em pontos de vegetação densa do museu. Esses pássaros fazem um estardalhaço ao sentir a presença humana ou algum perigo e defecam sementes inteiras, o que ajuda na sua disseminação.
Já o mineirinho (Charitospiza eucosma), uma ave de ocorrência local e praticamente sob ameaça de extinção, é vista saltitando pelo chão. O macho é colorido com um topete negro. Empoleira-se na ponta dos galhos, onde faz uma vocalização de “tziutiu”.
Para proteger esses e outros pássaros, a equipe do instituto fez um trabalho de adequação estrutural. Na edificação do Viveiro Educador, por exemplo, foi retirado o vidro para evitar colisões de aves, que podem confundir a vidraças, sejam elas transparentes ou espelhadas, com a vegetação, o céu, ou o espaço aberto.
Já no Centro de Vivência do Inhotim, foi instalada uma tela na frente ao vidro que reduz o efeito de espelhamento. Na recepção do museu, por sua vez, há, desde outubro de 2022, uma película UV com o mesmo intuito, deixando o vidro mais perceptível. Outras nove edificações também receberam a película.
De fazenda a museu
O Inhotim foi um projeto idealizado ainda nos anos 1980 pelo empresário mineiro Bernardo de Mello Paz, mas que só nasceu no ano de 2006, em um solo ferroso de uma fazenda da região. Dois anos depois, o local ganhou reconhecimento como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) pelo governo de Minas Gerais.
Em 2010, o instituto foi reconhecido como Jardim Botânico pela Comissão Nacional de Jardins Botânicos. Em 2018, alcançou a marca de 3 milhões de visitantes. No ano seguinte, devido ao rompimento da barragem em Brumadinho, a entrada dos moradores da cidade passou a ser gratuita no museu.
Como destacou o jornal O Globo, em 2020, o fundador do Inhotim foi absolvido de uma denúncia de lavagem de dinheiro, que o levou a ser condenado em 2017 a nove anos e três meses de prisão. Segundo a denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal em 2013, ele teria usado uma empresa criada para administrar doações ao instituto, a Horizontes, para encobrir repasses de ao menos US$ 98,5 milhões a outros negócios em seu nome.
Até 2010, Bernardo era dono do Grupo Itaminas, composto por 29 empresas de mineração e siderurgia e controlado pela BMP Participação e Empreendimentos. Em 2019, ele foi afastado da presidência do Inhotim, hoje comandado por Paula Azevedo.
Em entrevista ao site da Harper’s Bazaar, a presidente explicou como o museu tem passado por uma institucionalização, que o tornou mais independente financeiramente. “Reestruturamos o Conselho Deliberativo e Fiscal, revisamos as políticas de compliance, otimizamos a captação de recursos e criamos um comitê de equidade racial, além de um fundo patrimonial (endowment) para garantir a manutenção e expansão das atividades”, afirmou.
Fonte: Galileu