No mundo inteiro, os impactos das mudanças climáticas já ameaçam a segurança alimentar, a prosperidade econômica e a saúde das pessoas e da natureza. O desafio que temos é manter o aumento da temperatura média global abaixo de 1,5ºC para evitar danos ainda mais severos, conforme sinaliza o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC).
Para isso, será necessário combinar a redução drástica das emissões de gases de efeito estufa com a captura e armazenamento do carbono em excesso que hoje circula na atmosfera. Sem o fenômeno do efeito estufa, a vida na Terra seria inviável, mas, quando intensificado, ele coloca em risco a nossa existência. Felizmente, existem diversas técnicas para remover os gases do efeito estufa que provocam o aquecimento global, e a restauração da vegetação nativa é, sem dúvidas, aquela que apresenta maior quantidade de resultados benéficos associados.
Além da contribuir para minimizar a intensificação do efeito estufa, a restauração da vegetação nativa proporciona a manutenção de abrigo e alimento para diferentes tipos de animais (tanto os visíveis como os invisíveis aos nossos olhos), e, junto disso, a conservação da biodiversidade, a recuperação e manutenção de recursos hídricos e do solo, dentre diversos outros benefícios. E acrescenta a lógica de que precisamos, mais do que nunca, fortalecer a convivência entre a ocupação humana e a vegetação nativa.
Estamos no quarto ano da década global da restauração de ecossistemas, que representa um chamado planetário à ação efetiva para proteger e revitalizar os ecossistemas em todo o mundo, para o bem das pessoas e da natureza. Utilizar os recursos técnicos e financeiros de projetos de carbono para restauração pode contribuir para as metas globais de restauração e de remoção de carbono em escala. Por terem resultados mensurados no longo prazo, estes projetos podem viabilizar um outro olhar para o cuidado com o ambiente: a paciência com o tempo e o cuidado necessários para que as florestas restauradas prosperem.
A restauração da vegetação nativa também tem um impacto positivo na economia, gerando empregos e renda através do uso sustentável de produtos da floresta, e, de forma indireta, agregando os ganhos relacionados aos benefícios ecossistêmicos gerados pelos diferentes sistemas produtivos (por exemplo, disponibilidade de polinizadores, água, contenção e controle de enchentes, regulação climática local). No entanto, o desenvolvimento dos elos da cadeia de insumos para a restauração, como viveiros de mudas, redes de sementes e a disponibilidade de mão de obra capacitada, por exemplo, ainda é um desafio no Brasil. É necessário trazer investimentos para essas atividades e empreendimentos e garantir que projetos de restauração possam ter ganho de escala se quisermos contar com essa técnica para combater as mudanças climáticas.
Projetos que geram créditos de carbono a partir da restauração da vegetação nativa são importantes mecanismos para compor os investimentos para essas atividades. Nessa estrutura, compradores de crédito trazem contribuição financeira indireta para que a restauração ocorra na ponta, ao adquirirem os créditos como parte de compromissos para atingir neutralidade de emissões de carbono, ao mesmo tempo em que trabalham para reduzir significativamente as emissões de suas operações. Acima de tudo, esse mecanismo auxilia o produtor rural no processo de regularização ambiental da propriedade, além de significar um novo componente de diversificação de renda no meio rural.
Um exemplo disso é a Mata Atlântica. De acordo com dados do MapBiomas, dos 17 estados que formam o bioma, 57% dos municípios possuem menos de 30% da sua vegetação nativa nos últimos 37 anos (1985 a 2021), ou seja, pouco restou das florestas vistosas, cuja riqueza enorme de espécies já havia sido retratada desde as primeiras viagens dos naturalistas em séculos passados. Junto com as árvores, caíram também arbustos, epífitas, que são plantas que crescem sobre outras sem causar dano, e que são um componente de diversidade à parte da Mata Atlântica, uma fauna magnífica, e os solos que sustentavam todo esse universo de vida, ambos comumente negligenciados quando falamos em extensão mínima de ambiente natural saudável para nossa sobrevivência. E é nela que vêm surgindo várias iniciativas que agregam a recuperação da paisagem com o combate às mudanças climáticas.
Um exemplo disso é o projeto de carbono desenvolvido pela The Nature Conservancy nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, que utiliza a regeneração natural (uma das técnicas de restauração), para promover o retorno das florestas que antigamente cobriam esse cenário idílico. Com financiamento inicial do Mercado Livre, o projeto já possibilitou a implantação de mais de 2.700 hectares em 161 propriedades rurais, e será submetido à certificação no mercado voluntário de carbono, de forma a assegurar a transparência e integridade dos resultados gerados à natureza, às pessoas e também ao clima.
O que temos visto é que a restauração da vegetação nativa não é apenas uma estratégia vital para enfrentar as mudanças climáticas, mas também como uma oportunidade para a humanidade. Ao conectar projetos de carbono com a restauração de ecossistemas, promovemos um combate mais eficaz às duas principais ameaças da atualidade à nossa existência: a crise climática e a perda de biodiversidade. Este enfoque integrado não só protege ecossistemas naturais essenciais à vida humana, como também impulsiona a economia por meio da geração de empregos e da promoção de práticas sustentáveis.
É urgente e necessário investir nesses projetos, cujos impactos positivos se refletem em um futuro mais saudável e equilibrado para todas as pessoas, garantindo que possamos continuar usufruindo dos serviços ecossistêmicos indispensáveis à nossa sobrevivência e bem-estar. Reconhecer e fortalecer a importância que a restauração e conservação da vegetação nativa tem na remoção dos gases do efeito estufa é fundamental para nossa coexistência em um planeta mais sustentável e resiliente.
Fonte: TNC Brasil*
*Artigo escrito por Fernanda Rocha, Marilia Borgo, Mário Barroso e Rubens Benini, especialistas em conservação ambiental da TNC Brasil.