ARACAJU/SE, 18 de julho de 2025 , 16:14:56

Maior lago do planeta está encolhendo rapidamente, alertam especialistas

 

Há um ponto na costa de onde Azamat Sarsenbayev costumava pular no mar Cáspio, de águas salobras e azul-esverdeadas. Apenas uma década depois, esse mesmo lugar agora dá vista para um terreno árido e pedregoso que se estende até o horizonte.

A água recuou muito e rapidamente da cidade costeira de Aktau, no Cazaquistão, onde o ecoativista vive desde que nasceu. “É muito difícil de ver”, afirma.

A mais de 1.600 quilômetros ao sul, próximo à cidade iraniana de Rasht, Khashayar Javanmardi está alarmado. O mar, por ali, está sufocado pela poluição.

“Não consigo mais nadar… A água mudou”, afirma o fotógrafo, que percorreu a costa sul do Cáspio documentando seu declínio.

Ambos os homens têm uma ligação íntima com a água ao lado da qual cresceram. Ambos estão aterrorizados com seu futuro.

O mar Cáspio é o maior mar interior do planeta — e também o maior lago —, um enorme corpo d’água com tamanho aproximado ao do estado de Montana, nos Estados Unidos. Seu litoral sinuoso se estende por mais de 6.400 quilômetros e é compartilhado por cinco países: Cazaquistão, Irã, Azerbaijão, Rússia e Turcomenistão.

Esses países dependem do mar Cáspio para pesca, agricultura, turismo e abastecimento de água potável, além de suas cobiçadas reservas de petróleo e gás. O Cáspio também ajuda a regular o clima dessa região árida, proporcionando chuva e umidade à Ásia Central. Mas ele está em perigo.

A construção de represas, a extração excessiva de água, a poluição e, cada vez mais, a crise climática causada por humanos estão acelerando seu declínio — e alguns especialistas temem que o mar Cáspio esteja sendo empurrado para um ponto sem retorno.

Enquanto as mudanças climáticas estão elevando o nível dos oceanos, o mesmo não se aplica a mares e lagos sem saída para o mar, como o Cáspio. Eles dependem de um delicado equilíbrio entre a água que chega por rios e chuvas e a que se perde por evaporação. Esse equilíbrio está mudando com o aquecimento global, fazendo com que muitos lagos encolham.

Não é preciso ir longe para ver o que o futuro pode reservar. O vizinho mar de Aral, entre Cazaquistão e Uzbequistão, já foi um dos maiores lagos do mundo, mas praticamente desapareceu, devastado por atividades humanas e pela crescente crise climática.

Ao longo de milhares de anos, o mar Cáspio oscilou entre altos e baixos, conforme as temperaturas mudavam e as calotas polares avançavam e recuavam. Nas últimas décadas, no entanto, o declínio está se acelerando.

As atividades humanas têm papel importante nisso, com a construção de reservatórios e barragens. O Cáspio é alimentado por 130 rios, mas cerca de 80% da água vem de apenas um: o Volga, o rio mais longo da Europa, que atravessa a região central e sul da Rússia

A Rússia já construiu 40 barragens e tem mais 18 em desenvolvimento, segundo Vali Kaleji, especialista em Ásia Central e estudos caucasianos da Universidade de Teerã, o que reduziu o fluxo de água que chega ao Cáspio.

Mas as mudanças climáticas estão desempenhando um papel cada vez mais significativo, aumentando as taxas de evaporação e tornando as chuvas mais irregulares.

O nível da água do mar Cáspio vem caindo desde meados dos anos 1990, mas essa queda se intensificou a partir de 2005, diminuindo cerca de 1,5 metro, segundo Matthias Prange, modelador de sistemas terrestres da Universidade de Bremen, na Alemanha.

Com o aumento contínuo da temperatura global, os níveis devem “cair drasticamente”, diz Prange à CNN. Sua pesquisa prevê quedas de 8 a 18 metros até o final do século, dependendo da velocidade com que o mundo reduzir a poluição por combustíveis fósseis.

Outro estudo sugere que as quedas podem chegar a 30 metros até 2100. Mesmo em cenários mais otimistas de aquecimento global, a parte mais rasa e ao norte do mar Cáspio — majoritariamente no Cazaquistão — deve desaparecer completamente, segundo Joy Singarayer, professora de paleoclimatologia da Universidade de Reading e coautora do estudo.

Para os países banhados pelo mar Cáspio, isso representa uma crise. As áreas de pesca diminuiriam, o turismo entraria em declínio e a indústria naval sofreria, já que os navios teriam dificuldade para atracar em cidades portuárias rasas como Aktau, segundo Kaleji.

Também haveria consequências geopolíticas. Cinco países disputando recursos cada vez mais escassos poderiam iniciar uma “corrida pela extração de água”, alertou Singarayer. E disputas por reservas de petróleo e gás também poderiam surgir, caso as mudanças no litoral levem os países a reivindicarem novos territórios.

A situação já é desastrosa para a vida selvagem única do mar Cáspio. Ele abriga centenas de espécies, incluindo o esturjão selvagem, em perigo de extinção — responsável por 90% do caviar do mundo.

O mar está isolado do oceano há pelo menos 2 milhões de anos, e esse isolamento extremo resultou no surgimento de “criaturas bizarras, como berbigões muito estranhos”, afirma Wesslingh à CNN.

Mas o recuo das águas está reduzindo os níveis de oxigênio em suas profundezas, o que “pode eliminar os sobreviventes restantes de milhões de anos de evolução”, afirma. Trata-se de “uma crise massiva da qual quase ninguém ouviu falar”.

É também uma crise para as focas-do-cáspio, mamíferos marinhos ameaçados de extinção que não existem em nenhum outro lugar do planeta. Seus locais de descanso, na parte mais rasa e nordeste do Cáspio, estão mudando e desaparecendo, enquanto esses animais também enfrentam poluição e pesca excessiva.

Levantamentos aéreos mostram reduções drásticas nas populações de focas, diz Assel Baimukanova, pesquisadora do Instituto de Hidrobiologia e Ecologia do Cazaquistão.

Cientistas contaram 25 mil focas em um dos locais de descanso nas ilhas Durnev, no nordeste do Cáspio, em 2009. “Na primavera de 2020, não observamos um único indivíduo”, afirma à CNN.

Há poucas soluções fáceis para essa crise. O mar Cáspio está em uma região marcada por instabilidade política e é compartilhado por cinco países, cada um dos quais enfrentará o declínio de forma diferente.

Nenhum país é o único culpado, mas, se não houver ação coletiva, pode haver uma repetição do desastre do mar de Aral, alertou Kaleji. Não há garantia de que o Cáspio “voltará a um ciclo natural e normal”, acrescenta.

A crescente preocupação com o destino do mar Cáspio vem num momento em que a região está sob maior escrutínio.

No mês que vem, líderes globais se reunirão em Baku, capital costeira do Azerbaijão, para a COP29, a conferência climática anual das Nações Unidas, onde discutirão ações climáticas sob a sombra das plataformas de petróleo que pontilham esta parte do Cáspio.

Em agosto, o presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, disse que o declínio do mar Cáspio era “catastrófico” e se tornava um desastre ecológico — mas, ao mesmo tempo, o país planeja expandir sua própria produção de combustíveis fósseis, que estão contribuindo para esse colapso.

De volta ao Cazaquistão, Sarsenbayev tenta chamar atenção para a situação do Cáspio com belas imagens panorâmicas que publica no Instagram.

Se a crise climática e a extração excessiva de água continuarem sem controle, ele teme que “o mar Cáspio possa ter o mesmo destino do mar de Aral”.

No Irã, Javanmardi continua fotografando a costa do Cáspio, documentando a água poluída, as margens encolhidas e os leitos secos — ao mesmo tempo revelando a beleza que ainda resta e a conexão das pessoas com o mar.

Ele quer que as pessoas acordem para o que está desaparecendo. “Este é o maior lago do mundo”, afirma. “Todas as pessoas deveriam considerá-lo algo importante.”

Fonte: CNN Brasil

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