Depois de ser criticado pelo presidente dos EUA, Joe Biden, que o acusou de “prejudicar mais do que ajudar” Israel, o premier israelense Benjamin Netanyahu respondeu dizendo que o americano “está errado”, e que suas políticas para Gaza são apoiadas “pela maioria da população”. A troca de farpas ocorre em um dos momentos mais delicados das relações entre os dois países, e que tem a guerra em Gaza o cenário principal das divergências.
— Não sei exatamente o que o presidente quis dizer. Mas se ele quis dizer que estou adotando políticas privadas contra os desejos da maioria dos israelenses, e que isso está ferindo os interesses de Israel, então ele está errado — disse Netanyahu, em entrevista ao site Politico. — Número um: essas não são minhas políticas privadas. Essas políticas são apoiadas pela ampla maioria dos israelenses.
Netanyahu afirma que suas ideias para Gaza, como a oposição a um papel da Autoridade Palestina na administração do território após o fim da guerra, ou mesmo as críticas à solução de dois Estados, um israelense e um palestino, são as visões majoritárias em Israel. Em dezembro, uma pesquisa do Instituto da Democracia de Israel mostrou que 52% dos israelenses judeus são contra a solução de dois Estados, enquanto 55% dos árabes israelenses são favoráveis à ideia.
— A maior parte dos israelenses concorda que se não fizermos isso [guerra em Gaza], o que teremos é uma repetição do massacre de 7 de outubro, o que é ruim para Israel, ruim para os palestinos e ruim para o futuro da paz do Oriente Médio — disse o primeiro-ministro, cuja aprovação pessoal gira em torno de 25%. Em janeiro, uma pesquisa revelou que apenas 15% dos israelenses querem que ele siga no cargo após o fim da guerra em Gaza.
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Apesar de serem velhos conhecidos, e apesar do histórico apoio de Joe Biden ao Estado de Israel, as relações entre o líder americano e Netanyahu tem se deteriorado de forma visível desde seu retorno ao comando do Gabinete israelense,em 2022, através de uma coalizão integrada por conhecidos nomes da extrema direita local. Os ataques de 7 de outubro e o início da invasão trouxeram uma relativa melhora nos laços, mas a impaciência de Washington com o prolongamento do conflito e o agravamento da situação humanitária no território (e seus efeitos eleitorais nos EUA) voltaram a azedar essa relação.
Na semana passada, Biden fez cobranças a Israel durante o discurso sobre o Estado da União, exigindo um maior acesso de ajuda a Gaza, além do empenho dos israelenses em um cessar-fogo temporário — em uma conversa no plenário depois do discurso, flagrada por uma câmera, Biden afirma que vai chamar Netanyahu para uma “conversa dura”. Nas mais recentes críticas, no sábado, ele voltou a repreender o premier.
— Ele [Benjamin Netanyahu] tem o direito de defender Israel, o direito de continuar combatendo o Hamas, mas ele deve prestar mais atenção às vidas inocentes que estão sendo perdidas como consequência das ações tomadas — disse Biden, em entrevista à NBC. — Na minha opinião, ele está prejudicando mais do que ajudando Israel. É contrário ao que Israel representa e acho que é um grande erro. Por isso, quero ver um cessar-fogo.
Na entrevista, Biden foi questionado se haveria alguma “linha vermelha” que não deveria ser cruzada por Israel, como a invasão terrestre a Rafah, prevista para começar nos próximos dias — a cidade, no sul de Gaza, é lar de centenas de milhares de palestinos que fugiram dos combates em outras partes do território. A resposta foi confusa.
— Ele não pode ter mais 30 mil palestinos mortos como consequência [de sua perseguição ao Hamas]. Há outras maneiras de lidar, de alcançar, de enfrentar o trauma causado pelo Hamas — acrescentou, dizendo ainda que “a defesa de Israel ainda é essencial”.
Conversas paradas
A troca de farpas entre os líderes ocorre no início do mês sagrado do Ramadã, o mais importante do calendário islâmico, e em meio a negociações paralisadas sobre um cessar-fogo, mesmo que temporário. Segundo a agência Reuters, o Egito, que tenta intermediar as conversas, disse que está em contato com Israel e com o grupo terrorista Hamas para que as tratativas sejam retomadas. Até agora, não houve avanços.
Em rodadas anteriores, Israel exigiu que o Hamas apresentasse uma lista com os nomes de 40 reféns, incluindo idosos, enfermos e mulheres, que seriam os primeiros a ser libertados em um eventual acordo. O grupo responsável pelos ataques de 7 de outubro quer a saída de todas as forças militares em Gaza, a entrada da ajuda humanitária sem bloqueios e o retorno da população civil para suas casas no norte do território. Em discurso no domingo, o chefe da ala política do grupo, Ismail Haniyeh, disse que, até agora, Israel não aceitou nenhuma das demandas.
— Horas antes de meu discurso, falei com os interlocutores e não recebi qualquer confirmação de que a ocupação [Israel] iria suspender a guerra — disse Haniyeh. — A ocupação não se comprometeu com o retorno das pessoas para as áreas das quais foram expulsas.
No domingo, as Forças Armadas dos EUA e da Jordânia realizaram um novo lançamento de ajuda humanitária, por via aérea, a Gaza. Em comunicado, o Comando Central dos EUA disse que foram lançadas 11.500 refeições, além de outros alimentos, como arroz, farinha, macarrão e comida enlatada. Os lançamentos de ajuda por via aérea começaram no começo do mês, e Biden confirmou, na semana passada, a construção de um porto temporário em Gaza para facilitar o envio de mantimentos e munição.
Em mais um apelo por ações contundentes para ajudar a população civil em Gaza, o chefe da agência da ONU para os palestinos, a UNRWA, Philippe Lazzarini, disse que a chegada do mês do Ramadã deveria marcar um ponto de virada sobre a guerra, especialmente sobre um cessar-fogo.
“Para o povo de Gaza, ele (Ramadã) vem enquanto a fome extrema se espalha, os deslocamentos continuam e o medo e a ansiedade prevalecem em meio a ameaças de uma operação militar em Rafah”, escreveu no X, o antigo Twitter. “Esse mês deve trazer um cessar-fogo aos que sofreram mais. Eles precisam de repouso e paz de espírito.”
Fonte: O Globo