ARACAJU/SE, 20 de setembro de 2025 , 18:09:15

Assembleia Geral da ONU deve expor contrastes entre Lula e Trump

 

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deve adotar um discurso centrado na soberania nacional, no multilateralismo e na defesa de uma ordem internacional baseada em regras na abertura da Assembleia Geral da ONU, na terça-feira (23).

Os posicionamentos serão um contraponto ao que o presidente americano Donald Trump deve pronunciar ao subir ao mesmo púlpito sob os olhares do mundo todo.

Desde 1955, o Brasil é o primeiro país a discursar na Assembleia Geral, tradição considerada pelo Secretariado da ONU como “prática estabelecida”.

De acordo com fontes do governo, Lula deve enfatizar três tópicos principais: a defesa da soberania nacional e a rejeição a medidas coercitivas unilaterais; o fortalecimento da cooperação multilateral e a busca de soluções diplomáticas para conflitos, com foco na crise humanitária em Gaza.

A expectativa é que o presidente use o palco da ONU para se diferenciar do discurso unilateralista de Trump e reforce sua posição como líder do Sul Global.

A volta de Trump ao púlpito da ONU é um dos grandes focos da assembleia deste ano, em um momento em que as guerras em Gaza e na Ucrânia expõem a paralisia do Conselho de Segurança e a incapacidade dos principais líderes internacionais de mediar crises.

O republicano retorna ao palco com o mesmo ceticismo sobre o multilateralismo que marcou seu primeiro mandato.

Trump cortou verbas para organismos da ONU, retirou os EUA de conselhos e acordos internacionais e mantém uma política de redução drástica da ajuda externa, o que agravou o caos humanitário em várias regiões, segundo organizações de direitos humanos.

Nesse cenário, Lula deve se posicionar como uma liderança do Sul Global. Enquanto Trump tende a reforçar o nacionalismo do “America First” e a defender que cada país aja isoladamente, o presidente brasileiro deve insistir que os grandes desafios atuais – da guerra em Gaza e o seu risco de fome generalizada à desigualdade social e às mudanças climáticas – só podem ser enfrentados coletivamente.

São embates já conhecidos entre líderes progressistas e Donald Trump.

Mas o ingrediente novo da disputa é a guerra tarifária travada pelos Estados Unidos contra o mundo todo, que deve ser um ponto de crítica comum nos discursos de diversos líderes, mas com diferentes tons a depender da proximidade com Trump e do receio de irritá-lo.

Da mesma forma, a maior parte dos temas abordados por Lula, como a reforma da ONU e a defesa da solução de dois Estados, são pautas tradicionais da agenda de política externa brasileira.

Mas a defesa da soberania e a rejeição a medidas coercitivas unilaterais, como as tarifas e as punições impostas pelos Estados Unidos via Lei Magnitsky, serão as grandes novidades.

O Itamaraty sempre foi contrário a sanções unilaterais, a diferença é que antes essas medidas eram direcionadas a outros países e agora estão sendo também dirigidas ao Brasil.

Portanto, o discurso de Lula deve seguir a linha de evocar conceitos consagrados no direito internacional para criticar as medidas recentemente adotadas pelo governo de Donald Trump.

Sem citar diretamente o republicano, Lula deve defender que o conceito de soberania nacional é um dos mais célebres nas relações internacionais e um alicerce da relação entre os países, por isso nenhuma nação deve aceitar ingerência em assuntos internos, afirma um interlocutor.

Lula também deve voltar a defender reformas no Conselho de Segurança e maior representatividade para países emergentes, em um momento em que vetos dos EUA e da Rússia paralisam decisões sobre os conflitos mais urgentes.

Nesta semana, os EUA vetaram pela sexta vez um projeto de resolução no Conselho de Segurança que exigia um cessar-fogo imediato e permanente em Gaza e a libertação de reféns.

O representante dos EUA para o Oriente Médio disse que o texto não foi longe o suficiente para condenar o Hamas. Todos os outros 14 membros do Conselho votaram a favor.

O Brasil deve reforçar sua participação ativa na Conferência Internacional de Alto Nível para a Implementação da Solução de dois Estados — que prevê uma solução para embate de décadas entre judeus e palestinos — depois de ter copresidido um dos grupos de trabalhos preparatórios para a cúpula.

Na conferência, que ocorrerá no dia 22, à margem da assembleia, dez países devem reconhecer o Estado Palestino: Andorra, Austrália, Bélgica, Canadá, França, Luxemburgo, Malta, Portugal, Reino Unido e San Marino.

A grande expectativa sobre o evento levou o governo Trump, forte aliado de Israel, a negar vistos para autoridades palestinas, gerando duras críticas da comunidade internacional.

Diferentemente da questão da Palestina, as menções do Brasil ao conflito na Ucrânia devem ser mais contidas.

Segundo fontes da diplomacia, a compra de diesel e fertilizantes russos pelo Brasil, a proximidade com Moscou e os contatos via Brics, tornam a posição brasileira mais ambígua.

O contraste entre Brasil e EUA também se estenderá à questão do meio ambiente. Trump, que já anunciou a saída dos EUA de acordos como o de Paris, deve retomar os ataques à agenda climática.

Lula, por sua vez, usará seu discurso para reafirmar a preservação da Amazônia, a transição energética e a liderança do Brasil em temas ambientais, destacando a realização da COP30 em Belém no mês de novembro.

Essa disputa de narrativas ocorrerá em um ambiente carregado: a guerra em Gaza entra em seu segundo ano, com o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu também discursando em Nova York, sob ordem de prisão do Tribunal Penal Internacional; a Ucrânia volta à pauta com falas do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky e o chanceler russo Sergey Lavrov; e líderes mundiais tentam avançar em negociações para conter o programa nuclear iraniano.

O evento foi descrito por António Guterres, secretário-geral da ONU, como “a Copa do Mundo da diplomacia”. No atual torneio, em que os Estados Unidos, com suas tarifas e sanções, aparecem como um adversário do Brasil, Lula deve tentar projetar a imagem de estadista global em contraste com um Trump mais uma vez disposto a desafiar o sistema internacional.

Talvez o único ponto em comum seja o fato de que ambos aproveitarão o holofote global para falar para suas bases internas. Trump deve reforçar a imagem de líder disruptivo, que defende os EUA contra pressões externas.

E Lula buscará se apresentar como um líder do Sul Global e um importante ator na construção de soluções multilaterais, capaz de defender seu país contra os ataques da maior economia do mundo.

Fonte: CNN Brasil

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