Na saída do Aeroporto Internacional Benito Juárez, os cartazes de candidatos às eleições de 2 de junho no México se sobrepõem uns aos outros às dezenas. Estão nos muros, nos postes, disputando a atenção com grafites de caveiras mexicanas. Mas o que as fotos de políticos sorridentes não mostram é quão perigosa pode ser a disputa no país onde os cartéis tentam controlar os resultados das urnas e escolhem, na base da bala, quem poderá ser votado, de olho no controle de policiais municipais e estaduais.
O processo eleitoral soma 82 assassinatos — sendo 34 de candidatos ou aspirantes, 65 atentados e 17 sequestros, além de mais de uma centena de ameaças que frequentemente resultam em desistências, segundo dados do think tank mexicano Laboratório Eleitoral.
Esta é, segundo analistas, a eleição mais sangrenta no país onde a violência política tem sido crescente. “Sem dúvida, é a eleição mais violenta da história contemporânea do México. O crime organizado se espalhou como um câncer. Controla regiões, estados e municípios do nosso país”, afirma o pesquisador em segurança pública, Francisco Jiménez.
Controle local
Os crimes, em sua maioria, têm como alvos políticos locais ou seus familiares e independem de partido. O Morena, do presidente Andrés Manuel López Obrador, é o que soma mais vítimas, com dez candidatos assassinados. Contudo, o Partido Revolucionário Institucional (PRI) e o Partido Ação Nacional (PAN), da coalizão de oposição, aparecem na sequência — são seis assassinatos contra o políticos do PRI e cinco do PAN.
“O que interessa aos narcotraficantes é ter controle das polícias estaduais e municipais. E quem tem o controle sobre essas polícias são governadores e prefeitos. Por isso, os ataques são dirigidos a esses candidatos”, afirma o analista político mexicano David Saucedo, citando a complexa rede de segurança pública no México. São duas polícias federais, quatro do Distrito Federal, 31 estaduais e uma para cada um dos mais de 2.400 municípios.
Os cartéis buscam proteção de policiais estaduais e municipais, que estão na ponta e efetivamente lidam com os crimes comuns, a partir do controle sobre autoridades locais, financiando campanhas e cooptando candidatos a governadores e prefeitos. “Quando temos um governo capturado pelo narcotráfico, as prioridades do governo se orientam a satisfazer as necessidades dos narcotraficantes”, afirma Saucedo.
“Há um empoderamento dos cartéis, que ramificam suas atividades e controlam o país”, reforça Jiménez, que atua no Observatório de Segurança e Justiça da Universidade de Guadalajara.
Berço do crime
A cidade de Guadalajara, famosa pelas tequilas e pela música, é a capital de Jalisco, o berço do cartel Jalisco New Generation (CJNG). O grupo, que disputa os mercados ilegais com o cartel de Sinaloa, é conhecido pela violência. Possui armas de uso militar, como lançadores de granadas, e é suspeito de envolvimento em assassinatos de policiais e autoridades, incluindo o ex-governador Aristóteles Sandoval, em 2020.
“Jalisco é o Estado do México com maior número de desaparecidos e também com o maior número de covas clandestinas. Isso se deve à rivalidade entre cartéis altamente poderosos, mas antagônicos”, explicava Jiménez, antes de ser interrompido pelas mensagens que chegaram em seu celular: “Acabam de atacar outro candidato em Jalisco”.
A vítima foi Gilberto “Tito” Palomar González, que concorre à prefeitura de Encarnación de Díaz. Ele estava no QG da campanha no fim da tarde de terça-feira (28), quando homens armados chegaram atirando. “Tito”, como é conhecido, foi atingido por quatro balas e está no hospital.
No mesmo fim de tarde, no Estado de Morelos, foi morto com cinco tiros na cabeça o candidato a vice-prefeito de Cuautla, Ricardo Arizmendi Reynoso. Minutos antes do crime, seu perfil no Facebook havia divulgado um chamado para as eleições de 2 de junho que destacava a segurança como prioridade. Os suspeitos pelo assassinato fugiram de moto.
Uma análise do New York Times mostrou que o crime organizado é suspeito em 28 assassinatos de políticos mexicanos, com base em declarações de investigadores, líderes políticos e na cobertura da imprensa local.
Há um padrão histórico de violência política no México: foram 12 candidatos ou aspirantes mortos nas eleições legislativas de 2021 e 17 na eleição geral de 2018. Agora, no entanto, os crimes se espalham pelo país, não estão mais concentrados em alguns estados mais violentos como antes.
“Há uma guerra, no mundo do crime, entre o cartel de Sinaloa e o cartel Jalisco Nova Geração. Esses grupos estão disputando o controle do país”, afirma David Saucedo. “Em diferentes regiões do México, o que estão fazendo é participar ativamente das eleições. Apoiam financeiramente candidatos e ameaçam ou atacam outros. Há uma infiltração dos narcotraficantes na vida democrática do México”.
E a crise da violência pode ter impactos na abalada democracia mexicana, à medida em que o medo se impõe sobre o processo eleitoral. “O México já não vive uma democracia plena. No Sul do país, 14 candidatos foram assassinados em quatro dias. Isso nos diz que não existe democracia em sua plenitude no México. Muitos candidatos estão desistindo da corrida por medo do que possa acontecer a eles ou às suas famílias”, conclui Jiménez.
Fonte: Estadão