Formal ao extremo, ocasionalmente desengonçado e com uma personalidade que se tornou sinônimo de falta de carisma, Charles Philip Arthur George passou 70 anos como príncipe herdeiro do Reino Unido, exercendo esse papel como se fosse uma profissão.
Com a morte da rainha Elizabeth 2ª, nesta quinta-feira (8), o Charles “príncipe” enfim deixará de existir aos 73 anos. Em seu lugar, surge o Charles soberano, o mais velho a assumir o trono britânico na história, o que deve fazer de seu reinado um período de transição entre o da mãe, venerada pela dedicação ao serviço público, e o do filho William, visto como a modernização —e, para alguns, salvação— da realeza.
“Mas talvez não seja tão transitório assim. Charles herdou os genes da mãe e do pai e pode muito bem reinar por 20 anos”, afirma Annette Mayer, especialista em monarquia britânica da Universidade de Oxford.
A longa trajetória como príncipe herdeiro, maior que a de qualquer outro na história do Reino Unido, estimulou em Charles um certo sentimento de resignação e até autoironia. “Ser herdeiro do trono não é uma profissão. É uma enrascada”, ele costuma dizer, bem-humorado, quando questionado sobre o tema, segundo relata a biógrafa Catherine Mayer no livro “Born to Be King” (nascido para ser rei), de 2015.
Sob o olhar público desde que nasceu, em 1948, Charles precisou encontrar cedo uma forma de conviver com essa enrascada. Nunca houve um modelo único de como o herdeiro do trono britânico deveria se comportar, e ele teve ainda de lidar com o fato de ser o primeiro príncipe da era televisiva.
Seus passos foram seguidos na juventude, durante a carreira militar e sobretudo em relação à atribulada vida amorosa, que incluiu o desastroso casamento com a princesa Diana e a união com Camilla Parker Bowles, em 2005. Nada contribuiu mais para a imagem de homem insensível, e até cruel, do que o divórcio de Diana, cujo ápice foi a famosa entrevista dada por ela em 1995 à BBC, em que sutilmente sugeriu que Charles não teria condições psicológicas de ser rei e deveria passar o bastão direto para William.
Para a professora de Oxford, o novo rei recuperou parte de sua popularidade desde os distantes anos 1990, em parte porque conseguiu focar sua atuação às inúmeras causas ambientais e sociais que patrocina. “Ele melhorou sua imagem desde os tempos difíceis que teve. Charles agora é um homem mais velho e mais sábio, então é mais respeitado. Mas é difícil ser tão respeitado como sua mãe”, afirma.
O ativismo, que inclui um interesse especial pela Amazônia, tornou-se marca registrada. Nunca houve um príncipe tão engajado em assuntos que afetam diretamente os súditos como ele, da defesa do ambiente à educação para jovens desfavorecidos, causa que defende por meio da sua organização Prince’s Trust.
Mesmo se Charles for um monarca de transição, por outro lado deverá marcar o padrão pelo qual futuros príncipes herdeiros serão julgados. Depois dele, inaugurar prédios públicos não será o bastante.
Fonte: Folha de São Paulo