ARACAJU/SE, 14 de julho de 2025 , 15:32:23

China compete com EUA e investe bilhões em infraestrutura na América Latina

 

Enquanto os Estados Unidos erguem barreiras comerciais contra aliados na América Latina, como a sobretaxa a produtos brasileiros, a China avança sobre o continente investindo bilhões em infraestrutura para intensificar sua presença na região. Depois de bancar o desenvolvimento do megaporto de Chancay, no Peru, o gigante asiático assinou um acordo para construir uma ferrovia que pretende ligar o litoral brasileiro ao porto peruano, reduzindo em 10 mil quilômetros o trajeto das exportações do país para a China.

Chancay e a ferrovia fazem parte da “Nova Rota da Seda”. Trata-se de um ambicioso projeto chinês de infraestrutura global para conectar diversos continentes e aumentar sua influência política e econômica no mundo. A China está bancando rodovias, ferrovias, gasodutos, oleodutos e projetos de energia limpa em mais de 150 países, onde vivem 62% da população mundial (incluindo a China).

É contra esse avanço que o presidente norte-americano Donald Trump pressiona aliados com tarifaços, como aconteceu ao Brasil. “A China está fazendo negócios na América Latina, como a oferta de tecnologia para furar a Cordilheira dos Andes e fazer a ferrovia bioceânica até Chancay”, diz Leonardo Trevisan, professor de Relações Internacionais da ESPM. “O que está em jogo é a hegemonia [sobre a região]”.

Um dos principais projetos da China é o porto peruano. Ao custo de US$ 1,3 bilhão (R$ 7,1 bilhões), a primeira parte (30%) desse porto no distrito de Chancay, a 70 quilômetros de Lima, ficou pronta em apenas quatro anos. A acesso a ele por terra é através um túnel construído para não atrapalhar a pacata cidade de 60 mil habitantes.

O objetivo é claro: tornar Chancay o porto mais importante da América Latina. Inaugurado em novembro do ano passado, ele foi equipado com IA chinesa, que promete corrigir erros humanos para aumentar a eficiência. Guindastes elétricos e veículos autônomos circulam entre as antenas gigantes de 5G espalhadas pelo porto.

Os planos são terminar a obra em 2032, quando mais US$ 2,4 bilhões forem investidos. Desse total, 60% saem dos cofres da estatal chinesa de navegação Cosco Shipping, enquanto o restante é bancado pela mineradora peruana Volcan.

O engenheiro brasileiro Vinicius Marinelli visitou Chancay. Presidente do Conselho Federal de Engenharia (CFE), ele se surpreendeu com a velocidade da obra e a tecnologia empregada. “Chancay pode se tornar uma alternativa para rotas asiáticas, especialmente se os portos brasileiros não acompanharem os avanços tecnológicos e operacionais exigidos pelo mercado”.

O que a China pretende?

A infraestrutura portuária “não é apenas um ativo econômico, mas um ativo geopolítico”. “A presença de empresas chinesas em portos na América Latina é vista pelos EUA como parte de uma estratégia de projeção global de poder da China, especialmente em um momento de tensões comerciais”, diz o presidente do Conselho.

“A China já é o principal parceiro comercial de diversos países sul-americanos, incluindo o Brasil. Chancay fortalece esses laços econômicos com Pequim, em detrimento da dependência tradicional do mercado norte-americano”, diz Vinicius Marinelli.

Chancay vai dar à China acesso rápido e barato a mercados sul-americanos. A proximidade da região reduzirá custos para importação de grãos, pescados e frutas para sua população de 1,4 bilhão de habitantes. Em troca, a China venderá seus manufaturados.

O megaporto permitirá transportar mais mercadorias em viagens mais curtas. A China escolheu aquela região por ter a maior profundidade da costa do Pacífico, o que permitiu construir o porto para embarcações com até 18 metros de calado (a distância entre o fundo do casco e a linha de flutuação). Graças a isso, Chancay recebe os maiores navios de carga do mundo, com capacidade para 384 mil toneladas cada um.

No porto de Santos, o calado é de 14,5 metros. Com essa profundidade, ele deixa de receber 1 milhão de toneladas por ano, já que apenas navios menores atracam. “Os navios no Brasil estão com cinco gerações de atraso”, diz Cláudio Loureiro de Souza, diretor do Centro Nacional de Navegação Transatlântica (CentroNave), sobre os navios mais usados no país, com 182 mil toneladas de capacidade.

A rota Chancay-Xangai diminuirá a dependência do Canal do Panamá, na mira dos EUA. Para reduzir a influência chinesa sobre o continente, o presidente Donald Trump disse que, se necessário, “usaria a força” para retomar o canal, entregue ao Panamá em 1999.

Hoje, Chancay movimenta 16 milhões de toneladas por ano. Mas espera-se que chegue a 96 milhões quando as outras fases do projeto forem concluídas. Santos só conseguiu movimentar 86,4 milhões de toneladas no ano passado.

Para o presidente do CFE, o Brasil está ficando pra trás. “Muitos dos nossos portos enfrentam gargalos históricos, como limitação física, operacional ou regulatória, e isso nos coloca em desvantagem em relação a empreendimentos mais modernos”, diz Marinelli.

“Chancay está se posicionado para captar cargas que, tradicionalmente, escoavam pelo Brasil via Atlântico”, afirma Vinicius Marinelli.

Brasil já exporta por Chancay

Hoje o Brasil usa duas rotas até a Ásia. Uma delas contorna a África e cruza o Oceano Índico. A outra sobe o Atlântico e atravessa o canal do Panamá. Como a nova rota é uma linha reta pelo Pacifico, o tempo de viagem cairia de até 60 dias para 25.

A região Norte já começa a se aproveitar da proximidade. É o caso do Dom Porquito, um frigorífico no Acre. Fundada em 2016, a empresa costumava utilizar o porto de Santos para exportar seus produtos para as Filipinas, até que o trocou por Chancay, onde chega combinado transporte rodoviário e marítimo. “A viagem, que levava até 54 dias, caiu para 25”, diz Paulo Eduardo Santoyo, diretor de exportações da Dom Porquito. “O frete diminuiu entre 30% e 40%”.

A Zona Franca de Manaus também está de olho. Cerca de 88% das empresas do Polo Industrial pretendem importar e exportar por Chancay. “Isso mostra o grande potencial que a rota representa para as empresas”, diz João Bosco Gomes Saraiva, presidente da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa).

Hoje, as empresas da Zona Franca levam de 45 a 60 dias para importar suas mercadorias da Ásia. A Suframa espera reduzir esse tempo entre 33 e 48 dias se a mercadoria for transportada por caminhões e balsas de Chancay a Manaus. Se essa parte do traslado for de avião, “esse tempo será inferior a 30 dias”, diz Saraiva.

Já o resto do Brasil terá de avaliar se compensa a viagem por terra. “Acho difícil que o porto afete Sul e Sudeste no curto prazo”, diz Souza, da CentroNave. Mas a China também tem um plano.

Uma ferrovia bioceânica

A ideia é bancar parte de um dos maiores projetos logísticos do mundo: um corredor ferroviário de 4,5 mil km ligando Chancay ao litoral brasileiro. O projeto prevê que a ferrovia saia de Chancay, passe por Cusco, no Peru, e entre no Brasil pelo Acre.

A ferrovia atravessará regiões-chave do agronegócio. Do Acre, a malha passaria por Rondônia e Mato Grosso, onde se ligaria à Fico, a Ferrovia de Integração Centro-Oeste, em construção sem capital chinês. A Fico se conectaria à Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), com parte em operação, atravessando Goiás e entrando na Bahia, onde alcança o porto de Ilhéus.

Novos estudos vão definir o trajeto definitivo até setembro. “Somente a partir desses estudos será possível avançar em traçado, extensão total, impactos regionais e estimativas de investimento”, diz em nota o Ministério dos Transportes, que não estimou prazos para a obra.

Brasil e China aproveitaram a cúpula dos Brics para assinar o plano de viabilidade do corredor biocêanio. O memorando prevê que a brasileira Infra S.A. cuidará dos estudos ambientais e do suporte institucional, enquanto caberá à China Railway tocar o projeto, cujo valor estimado não foi revelado.

A ferrovia deve reduzir em 10 mil km o trajeto de exportações de carne, grãos e minérios para a Ásia. “Transformaremos todo o cenário econômico do Brasil”, afirmou a ministra do Planejamento, Simone Tebet, em visita a Pequim em maio. “Precisamos de capital estrangeiro, e atualmente quem possui os recursos é a China”.

A bioceânica é só um dos projetos brasileiros da Nova Rota da Seda. Além da ferrovia, Brasil e China firmaram acordos em áreas como transportes, mineração, telecomunicações e inteligência artificial.

Com Chancay se consolidando no Pacífico Sul, ligado por futuras ferrovias ou corredores rodoviários bioceânicos ao Atlântico brasileiro, a América do Sul cria uma rota alternativa independente do Canal [do Panamá], reduzindo a centralidade americana na logística regional, conclui Marinelli.

Fonte: UOL

 

 

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